Fraudes empresariais e recuperação judicial
Fraudes sistêmicas e antigas são comprometedoras da confiança
O propósito do artigo é desmistificar o instituto da recuperação judicial e a possibilidade de sua utilização em caso de fraude empresarial,por representar uma contrariedade ao preceito máximo da governança corporativa,indispensável à seriedade do procedimento e transparência da companhia em latente estado de crise.
Três correntes de opinião se formaram,a primeira que aceita livre de preceitos e preconceitos a recuperação judicial mesmo diante do colapso da fraude mediante o argumento do divisor de águas
entre o norte da separação da sorte do empresário e da empresa,sua função social e a preservação do negócio cuja conotação tem sentido público por afetar consumidores, clientes, fornecedores, fisco e a comunidade em geral.
A segunda visão é no sentido de permitir a recuperação com a ressalva da aplicação do artigo 64 da Lei 11101/05 quando mesmo de ofício em situações notórias o juízo poderá ou melhor deverá
afastar o devedor controlador e remover os administradores da empresa,visando com isso dar confiança ao mercado e suscitar um redesenho da empresa diante do quadro grave de crise e do diagnóstico da operacionalidade.
Por fim e não menos importante a terceira performance não vê, minimamente, qualquer possibilidade de se conceder a recuperação judicial em prol de uma empresa cotidianamente hospedada nos atos empresariais fraudulentos ,seria o mesmo que bater o carimbo e chancelar a ilicitude por meio da atividade jurisdicional.
Todos os argumentos são louváveis e amplamente respeitáveis, desde o caso Enron há mais de duas décadas o mundo global se preparou para um conjunto de leis que fosse na direção de acarretar transparência, grau de compliance e produzir a fenomenologia da governança corporativa.
Afinal de contas como bem salientam Salomão e Penalva Santos o instituto da recuperação serva apenas e tão somente para as empresas viáveis e solventes,não aquelas que apresentam um tremendo descompasso entre a escrituração contábil e a realidade de suas contas (Recuperação Judicial,Extrajudicial e Falência,Gen Forense-Rio de Janeiro -6 Edição 2021 pg 25).
Não é sem razão que o insuperável Michael J.Sandel (O que o dinheiro não compra-Ed Civilização Brasileira-RJ ano 2012 pg 11) descortina a realidade na qual vivemos numa época na qual quase tudo pode ser comprado e vendido. Décadas pretéritas demonstram que os mercados e os valores passaram a governar nossa vida como nunca. Não chegamos a tal situação por escolha deliberada.A coisa foi bem inserida sobre todos nós.
Dezenas de escândalos e fraude espargiram mundo afora na economia globalizada, a grande questão é saber se tal qual concebido pelo modelo da Lei de 2005 e parcialmente revogado pela legislação de 2020,ainda assim poderíamos ter como certo o leme da recuperação judicial num concerto de total desconfiança do mercado, queda vertiginosa do papel negociado em bolsa e o arrefecimento dos ânimos da clientela e riscos para os fornecedores.
Entendemos num "vol d'oiseau" que o instituto diferentemente da antiga concordata que não tocava no nó górdio de haver ou não fraude empresarial, poderia se ajustado a cada modelo de empresa sendo conditio sine qua non o afastamento do controlador e a remoção dos administradores como tivemos oportunidade de nos manifestar em recente obra doutrinária (Destituição do Devedor e Remoção dos Administradores em Recuperação Judicial-Quartier Latin,SP,ano 2022 em parceria com outros co autores), dessa maneira para que a credibilidade do soerguimento da empresa possa prosperar é de rigor o juízo munido de subsídios ou mesmo de ofício afaste os maus administradores e aguarde que a assembléia proceda à nomeação de total confiança e muito mais do que isso que se permitam a elaborar um plano factível e bem estruturado.
Fraudes sistêmicas e antigas são comprometedoras da confiança do mercado e credibilidade dos players integrantes do processo, e uma quebradeira dessa magnitude às vezes é menos sofrível do que a sustentação em permanente estado de UTI de uma empresa colapsada por desmandos e que fora utilizada somente em proveito do grupo controlador e seus gestores.
Enfim, e no sumário bosquejo do que sinalizamos, o instituto da recuperação judicial não é um favor mas sim uma adequação dos requisitos legais preenchidos à viabilidade da empresa, sem o que a mera situação de se protocolar o pedido pode dar a impressão que a Justiça não estaria preocupada em separar o joio do trigo,ou seja eliminar maus administradores e preservar o negócio desde que dirigido por profissionais com tino de exigir governança corporativa, sem prejuízo de ações judiciais para bloqueio do patrimônio dos responsáveis e arrestos necessários em relação aos ex-controladores nos limites dos prejuízos acarretados sem perder de vista o possível calote causado e gerado junto ao sistema financeiro que pode ensejar uma crise sistêmica aguda.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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