Gal Costa, mais que voz símbolo da MPB e do tropicalismo, um ícone de resistência
"Gal foi um símbolo de resistência cultural e ideológica. Mais que artista, uma brasileira. Que sejamos dignos do seu legado", diz Paulo Emílio
A morte de Gal Costa nesta quarta-feira (9), dia do aniversário do grande poeta e letrista Torquato Neto, não marca apenas o fim terreno de uma das maiores artistas da música popular brasileira e um ícone da Tropicália, movimento que promoveu uma revolução cultural no Brasil, mas também a passagem de um símbolo de resistência à ditadura e também contra os arroubos autoritários do governo Jair Bolsonaro.
Nascida em setembro de 1945, a soteropolitana Maria da Graça Costa Penna Burgos trabalhou em uma loja de discos e assinou seu primeiro com o nome de batismo em 1965. Virou Gal em 1967, por pressão do produtor Guilherme Araújo, ao gravar o álbum Domingo, em parceria com Caetano Veloso. Daí em diante não deu outra.
No ano seguinte ela gravou o clássico bolachão - que herdei de meus pais e tenho até hoje na estante - Tropicália ou Panis et Circensis. Ali, ela arrepiou ao cantar “Baby” com uma voz simplesmente divina. Também estão ali músicas como “Mamãe Coragem”, de Caetano Veloso e Torquato Neto, e “Parque Industrial”, de Tom Zé.
Na mesma época deixou o Brasil boquiaberto ao interpretar “Divino, Maravilhoso”, canção magistral de Caetano e Gilberto Gil em um dos famosos festivais de MPB da Record que aconteciam no país.
A música acabou se tornando um ícone da contracultura e meio que uma espécie de libelo contra a ditadura militar que havia se instalado no Brasil. Com a repressão tentando calar a tudo e a todos, coube a Gal ser a voz da resistência quando Caetano e Gil deixaram o país e se exilaram em Londres.
A gravação de “London, London”, datada de 1970, é um marco deste momento. Sem contar outras canções, como “Vapor Barato”, de Waly Salomão e Jards Macalé, que depois fez parte da trilha sonora do filme "Terra Estrangeira”, com Fernanda Torres.
Em 1971 lançou o álbum “Fa-Tal: Gal a Todo Vapor”, marco do tropicalismo com sucessos como “Pérola Negra” e “Chuva Suor e Cerveja”. Outros discos vieram depois, muitos. Em 2001, Gal teve o seu nome incluído no Hall of Fame do Carnegie Hall e - salvo engano - é a única cantora brasileira a figurar ali.
Mais recentemente, ela se posicionou contra as sandices e o negacionismo do governo Bolsonaro, tanto antes quanto durante a pandemia de Covid. Em 2019, pouco antes do coronavírus assolar parte da população brasileira, durante um show no Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso do Sul, ela se preparava para cantar um de seus clássicos, “Bloco do Prazer”, quando a plateia entoou o famoso grito de “Bolsonaro vai tomar no C*”, a artista disse para a banda seguir o ritmo do público e só depois retomar a interpretação. Nas eleições deste ano, Gal não fez por menos. Fez o “L” de Lula em apoio à reeleição do petista em diversas ocasiões.
Sim, mais que uma voz marcante ou icônica, Gal foi antes de tudo um símbolo de resistência cultural e ideológica. Mais que artista, uma brasileira. Que sejamos dignos do seu legado musical e de luta.
PS - A lista de músicas que Gal Costa canta é imensa, mas esta é marcante para mim: “Mamãe Coragem”, que sempre canto para Elisabet Moreira no Dia das Mães. Sei que hoje ela chora e sente a perda como por ocasião da passagem precoce de Elis Regina. Por isso faço minhas as palavras da canção: “Mamãe, mamãe, não chore/Não chore nunca mais, não adianta/Eu tenho um beijo preso na garganta/Eu tenho um jeito de quem não se espanta/(Braço de ouro vale 10 milhões)/Eu tenho corações fora peito/Mamãe, não chore/Não tem jeito”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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