General Villas Bôas será preso – pela História!
Villas Bôas, a sua dignidade cidadã, sua honra patriótica e sua autoridade moral já degeneraram há muito tempo
Dois núcleos semânticos são fundamentais neste texto: 1º. Memória – de uma nação; e 2º. Justiça de Transição. Vamos aos esclarecimentos.
Em largada, precisamos afirmar com letras garrafais que o general Eduardo Villas Bôas, há muito, deveria estar preso. E lá, deveria permanecer pelo “simples” fato de ter participado da sequência do Golpe de 16 – o seu transcurso. Afinal, quem não se lembra de sua “cara de pau” ao ameaçar o sistema de justiça, as instituições e, sobretudo, a democracia, com aqueles “twittes” dizendo, em outras palavras, que interviria na Suprema Corte, caso o STF aceitasse o HC para libertar Lula da prisão?[1]
Mas vamos muito além disso: Villas Bôas traiu a República ao conspirar outras vezes, usando a sua imensa influência junto às estruturas de poder, em particular, as Forças Armadas, para eleger (ilegitimamente) e manter na Presidência, Jair Bolsonaro, outro declaradamente golpista; por articular e fustigar com frequência a Caserna para que se insurgisse contra a eleição Lula e contra o PT.[2]
A esposa deste general, Maria Aparecida Villas Bôas (dona Cida), e a sua filha, Ticiana Hass Villas Bôas, participaram diariamente do planejamento do (outro) Golpe – que por pouco não se reitera consolidado no 8 de janeiro[3]. Certamente, dadas as condições precárias de saúde do patriarca daquela casa, ele deu a ordem para que sua mulher e filha lhes representassem junto à cúpula dos golpistas. A pergunta é: por que estas senhoras não estão na Colmeia, presas como os bagrinhos que ali apodrecem?
Por Memória, podemos entrever como o elo entre as gerações, isto é, uma dimensão orgânica, natural e mesmo fisiológica que atua na mobilização dos acúmulos históricos e culturais transmitidos (e armazenados) pelos sujeitos e suas (formas de) comunidades. É também a ponte entre o presente e o passado das comunidades tradicionais ou das ágrafas (antes da “invenção” da História, enquanto campo do registro). Ademais, na modernidade, a Memória vai se materializar para ganhar institucionalidade a fim de salvaguardar as essencialidades de um povo. Passa do estágio “Memória-Natureza” para “Memória-Dever”, isto é, a garantia de que um povo a terá como patrimônio e responsabilidade de/por seu legado.[4]
Por Justiça de Transição, entendemos uma reparação sistemática a indivíduos e sociedades impactadas pela violência (e violação de direitos) de um dado tempo específico, a exemplo, os 300 de escravidão brasileira; o holocausto praticado pelo nazismo alemão; as ditaduras militares na América Latina, e outros. É também, mobilizada pelo Estado, uma mudança sistemática na coluna vertebral da cultura violadora para a cultura emancipadora.
“Assim, a Justiça de Transição surge não como uma justiça ‘menor’, ‘de segunda classe’, ou mesmo ‘do possível’, mas, sim, como um conjunto de mecanismos especialmente desenhados para enfrentar injustiças cujos contexto, natureza, escala são extraordinários, contribuindo não apenas para o restabelecimento da legalidade, mas também para o fortalecimento e a afirmação de valores democráticos em uma comunidade socialmente fraturada”. Além, claro, de toda a mudança do paradigma jurídico e administrativo, quanto às novas relações, “o Estado reconhece as vítimas e as repara, assumindo responsabilidade pelas violações”.[5]
Por certo, nosso País não está preparado para algo tão “radical”. Contudo, sinceramente, jamais entenderei por que Lula, que tanto sofreu e sofre com as traições dos militares brasileiros, quis cancelar os eventos que fazem Memória ao Golpe de 64 e, de alguma forma, estão no semblante de uma sonhada Justiça de Transição. Recuso-me crer que o Lula tenha medo destes generais. Talvez uma prudência apenas. Ou seja: querendo evitar um tensionamento com certos sujeitos podres de alma (mas com poderes) que continuam a ameaçar uma nova Ditadura.
Deveras, a “prudência” aí é imprudente. Eles vão continuar impunes. E vão continuar sua ideologia (a crença leal ao “Ustranismo” como razão estatal) de que podem fazer o que quiserem que serão intocáveis. Portanto, vão continuar tentando um Golpe até retornarem ao poder, queira Lula ser gentil – com eles – ou não.
Quanto a Villas Bôas: seu corpo está degenerando em virtude de uma grave doença (a essa condição, devemos ser solidários). Contudo, sua dignidade cidadã, sua honra patriótica e sua autoridade moral já degeneraram há muito tempo. Agora, rezemos ao “deus” Cronos para que degenere com toda força e eficácia possíveis sua imagem para a História. Que este tribunal, o único que poderá julgá-lo, possa prendê-lo na cela, não do esquecimento, mas da Memória na condição de um sujeito infame, um traidor da pátria. Somente assim, nosso povo e nossa Memória Coletiva encontrarão a paz, face que por outros agires institucionais, não é possível haver Justiça de Transição no Brasil… e continuaremos sob as ameaças de gente assim!
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[1] Postagens do general Villas Bôas em 3 de abril de 2018, impondo-se ao STF sobre potencial concessão de liberdade ao presidente Lula, que à época foi preso de forma injusta, face ao jogo sujo realizado pelo então juiz da Lava Jato, Sergio Moro. Assim pressionou e influenciou Villas Boas:
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, dizia a primeira postagem seguida imediatamente da segunda:
“Asseguro à nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.
Entenda melhor o fato histórico lendo: https://www.cartacapital.com.br/politica/em-livro-villas-boas-confirma-que-pressao-sobre-o-stf-contra-lula-foi-articulada-pela-cupula-do-exercito/.
[2] Para piorar, além de trair a democracia, Villas Bôas voltou toda a sua força e “armas” também contra o PT, o partido que lhe fez brilhar, pois foi no Governo Dilma que sua carreira ascendeu ao topo, quando a ex-presidenta o nomeou, em 2015, para ser o Comandante do Exército.
[3] Veja os detalhes no artigo de Jeferson Miola em: https://www.brasil247.com/blog/exercito-posicionou-tropas-e-blindados-para-impedir-prisao-da-esposa-e-da-filha-do-general-villas-boas-no-acampamento.
[4] Concepção extraída em: NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n.10, dez. 1993, p.7-28.
[5] Fonte: TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição – origens e conceito. In: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de et. al. (Orgs.). O direito achado na rua: introdução crítica à justiça de transição na América Latina. 1. ed. – Brasília, DF: UnB, 2015. (p. 148)
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