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    Ivan Guimarães

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    Genesis no Brasil em 1977

    Nesse dia algo aconteceu comigo. Passei a detestar a ditadura (todas), a censura e todo o tipo de cerceamento a liberdade de expressão. Isso se mantém até hoje

    (Foto: Reprodução)

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    Sempre fui grande para minha idade. Um adolescente desengonçado, com 1,70 metro de altura em 1977.

    Estudava a Escola Técnica Estadual Martin Luther King, uma escola de ofícios, onde cursei mecânica.

    Havia algo de “non sense” em estudar numa escola com o nome de um grande líder pelos direitos civis nos EUA e premio Nobel da paz (1964), mas destinada ao adestramento de jovens. E nunca falaram sobre quem era ele. Isso vivendo numa ditadura política, comandada por Ernesto Geisel.

    O Genesis foi uma das bandas de rock mais importantes da história. Surgida em 1967 na Inglaterra, teve nos vocais a presença de Peter Gabriel, um genial performático antes das performances existirem.

    Em 1977 a banda Genesis veio ao Brasil, já com Phil Collins nos vocais. Era o que podia existir de melhor. Voar não era como hoje. Esse foi o ano dos maiores acidentes aéreos já registrados. Viagens internacionais não faziam parte das opções usuais ao alcance das Bandas de Rock. Antes deles, só Alice Cooper e os Jackson Five (1974) andaram por aqui.

    Na escola o show do Genesis era assunto de todos, todos os dias. Nossa turma de oitava série, a D4, tinha 15 meninos e 25 meninas. Todos os homens gostavam de rock progressivo – ou diziam gostar.

    Todos queríamos ir ao show, mas só eu e um colega tínhamos dinheiro para o ingresso. Eu havia trabalhado nas férias e guardei o dinheiro. E, no dia 5 de maio, eu e “aspirina” fomos comprar os ingressos na galeria prestes maia, onde eram vendidos os ingressos, bem no centro de São Paulo. Era fácil, um ónibus até o parque dom Pedro II, uma boa caminhada subindo a ladeira General Carneiro, entra num zigzag pelo centro velho até a rua direita e a praça do Patriarca. Coisa de 20 minutos.

    Seria simples e fácil. Mas nós não sabíamos nada de anistia, prisões ou ditadura. E que naquele dia haveria uma passeata entre o largo São Francisco e a viaduto do Chá.

    Uns dez mil estudantes da PUC e USP encontraram uns 1500 homens da PM armados com enormes cassetetes de borracha,“amansa – louco". E também cerca de 150 soldados a cavalo. Nas ruas e estreitas do centro era fácil bloquear uma rota. O problema é que havia inúmeras alternativas. Os estudantes se organizavam em grupos e se deslocavam pelas ruas próximas a praça da Sé.

    Subimos a ladeira empolgados, falando do show e outras conversas que só nós entendíamos. Não percebemos nada. Só na 15 de novembro começamos a ouvir apitos e ver no chão bolas de gude. Não vimos nada estranho até chegar ao Patriarca. Havia um jipe parado na escadaria da galeria bloqueando o acesso. Tentamos explicar a um guarda que precisávamos descer para comprar ingressos. Ele, meio perplexo, foi educado e nos mandou voltar para trás. Fizemos isso, mas ao começar a descer a ladeira, estouraram as bombas de gás lacrimogénio. Eu não vi nenhum estudante por ali, mas a PM distribuiu pancadas aleatórias nos trabalhadores que voltavam para casa. Ganhei uma nas costas e me refugiei numa loja, que rapidamente baixou as portas. Meu colega “aspirina” havia sumido na confusão. Fiquei na loja até uma porta ser aberta e sai para a ladeira correndo. Até chegar ao ónibus que me levou para longe da confusão.

    No dia seguinte eu encontrei “aspirina” na escola. Ele havia entrado em outra loja e, como eu, foi para os ônibus, escapando.

    Nesse dia algo aconteceu comigo.

    Passei a detestar a ditadura (todas), a censura e todo o tipo de cerceamento a liberdade de expressão. Isso se mantém até hoje, nunca apoiar um ditador.

    Resolvi estudar mais e prestei exame na Escola Técnica Federal de São Paulo. Dos quase 200 alunos da escola que fizeram esse exame, 4 foram aprovados, entre eles, ”aspirina” e eu.

    Em 1983 eu estava na PUC e, no ano seguinte, eu estava entre os militantes a frente das “diretas já”, organizando passeatas.

    “Aspirina” era, na verdade, Pedro Luiz da Siva Guimarães. Infelizmente faleceu em 1981.

    Nunca assisti a um show do Genesis. Mas apanhei da polícia outras vezes. E continuo gostando de rock.

    Viver aquele momento marcou minha vida. Não suporto o autoritarismo, seja de esquerda ou direita.

    E se, ao invés do Tatuapé, Eu fosse adolescente em Gaza. Como eu agiria frente a ação das forças armadas Israelenses? Ou se eu estivesse na Venezuela?

    Acredito que nos dois casos, eu estaria contra quem restringe a minha liberdade de assistir a um show de música. O Genesis foi até 2022, quando fez seu último show.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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