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    Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

    Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

    31 artigos

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    Geopolítica e a cena contemporânea: por uma nova cartografia

    (Foto: Reprodução)

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    O totalitarismo, a razão cínica e a barbárie estão condensados nas imagens da espetacularização manipulação da guerra na Ucrânia. A banalização da crueldade que se desdobra na forma necropolítica,  nos forçando a escolher um lado idiotizados pelo contexto dos grandes interesses que negam o fracasso das grandes políticas da desordem global. A afirmação da destruição da política na direção da fúria e ódio que encobre o fracasso da globalização neoliberal. Vivemos um quadro de guerras difusas, rivalidades imperialistas, racismo e no retorno dos nacionalismos. O que acentua as formas do narcisismo e do individualismo que destroem a capacidade crítica das pessoas na atualidade. A agenda global de segurança sobredetermina os termos da impossibilidade de enfrentarmos o colapso da modernidade capitalista mundializada e do seu metabolismo social, financeiro, subjetivo, biológico e ambiental.  

    Os diferentes negacionismos ampliam o declínio ético que se manifesta na batalha das narrativas que reativa a simplificação da leitura nos termos do "choque de civilizações". A guerra acentua a catástrofe do poder seletivo /segregador e a fragmentação das identificações que nos fazem participar de um jogo que repete o já sabido declínio dos processos de bem estar apesar do enorme poder das forças produtivas com as mutações tecnológicas . 

    Como fazer uma cartografia crítica do contexto geopolítico mundial no contrapelo dos discursos pseudo humanitários? Por que podemos afirmar que tomar parte e definir um alinhamento obscurece o fato de que não somos capazes de fazer a critica da guerra como política? Como colocar o tema da paz a partir do real da pulsão destrutiva que se acentua ao sabor da crise das fronteiras, da globalização neoliberal,  resultante do fim da guerra fria e das novas transições e multipolaridades e da precarização do trabalho que se acentuam com a ruptura e quebra do poder unipolar sobre os monopólios em comunicação, tecnologia, armamento e finanças ? 

    A crise orgânica da via única no plano geopolítico, geoeconômico e geocultural tem na dominância da guerra, no consumismo e na regressão etnocêntrica um efeito em todos os recortes espaciais que coloca o "novo totalitarismo" em relação direta com os processos mórbidos na vida coletiva. As dinâmicas "biopolíticas" recolocam o conflito quanto aos limites da desmedida da crise ou colapso da modernidade ante a reemergência das forças genocidas e fascistas. O custo em vidas da crise orgânica das formas de regulação, inclusão e normalização, na modernidade liquida global, revela que um quadro complexo de imunidade e comunidade com conflitos marcados pelo medo e a fúria que governam os sentimentos que manipulam o senso comum através de subculturas e novos fetichismos. 

    Na cena contemporânea se afirmam as pulsões  de crueldade na hipervisibilidade que cega. No ponto extremo do fracasso do discurso do progresso a ordem colapsa em meio a uma guerra das narrativas, que força a naturalização da segurança em troca de direitos e a busca do inimigo íntimo, ao lado da ameaça externa. 

    Máquinas da guerra híbrida vão manipulando as dosagens da espetacularização da crise de representação e autoridade e do que resta de margem de sensibilização via resíduos de humanitarismo.  A chamada "descapitalização reflexiva" se acelerou na era das redes. O manejo crítico do pensamento foi deslocado pelas máquinas da via única neoliberal capitalista ou pela selvageria das máquinas de ódio colonial-racista. O capitalismo e o fascismo se combinam com todo integrismo e individualismo que perderam a referência ética face a dimensão da estetizante da política da horda, ou seja, da centralidade do envolvimento por uma psicologia das massas. 

    Como buscar uma dimensão ética e estética como um devir de democratização que ouse questionar a aliança das forças da destruição, que enfrente o trauma continuado, o colapso e a catástrofe em formas de ação que lidem com o "excesso do real"?

    Encontrar os fios da meada das questões e tendências da "trégua" do século XX, entre 1945 e 1989, exige dos estudos da política internacional um retorno a uma releitura pelas cartografias críticas. Isto é, um esforço metodológico através de uma abordagem critica  com base nas dimensões moleculares, nômades, periféricas e emancipatórias que ainda insistem em salvar o planeta e a espécie. A redução da barbárie em cada fragmento do sistema mundo tem de colocar em questão o bloqueio do futuro na chave de uma produção do conhecimento posicionado que se contraponha  a “hubris”: ao ciclo histórico da desmedida, excesso e exceção derivada da banalização da crueldade. Como enfrentar a subjetivação que busca valorizar a solução  pelos enquadramentos dominantes e cínicos dos discursos sobre a guerra, sem ver a necessidade da potência de recusa e da resistência multiterritorial e diversa aos modos de subjetivação mórbidos ativados pela combinação de modos de destruição da vida e pelos interesses dos complexos e máquinas de guerra? 

    Os mapeamentos cognitivos da cena contemporânea  devem seguir a  leitura desta conjuntura critica pela implementação de uma cartografia no contrapelo das leituras que falam de ganhos e perdas militares, necessária mas não suficiente, começando por inverter e resgatar as noções de autodeterminação, autonomia e democracia. Desta forma podemos  tentar vislumbrar pela sociologia das relações internacionais o poder de reduzir a politica  a uma insignificância, a que foi relegada a condição humana de refletir sobre como construir pontes para reabrir novos metabolismos sociais e ambientais. A contribuição de uma cartografia da ação para a busca de uma nova hegemonia plural capaz de articular os fragmentos das alternativas coletivas em curso, hoje tão golpeadas pelas máscaras do pseudo-desvelamento que cega a capacidade crítica e reflexiva que vem nos lançando na direção do abismo da aniquilação pelo culto da morte.

    A centralidade social das periferias e a voz dos vencidos continua sendo o lugar a partir do qual devemos criar, pensar e construir as plataformas das esferas públicas, da solidariedade e dos bens comuns, para os povos desde os diferentes lugares. Somente novas alianças e blocos sociais e técnicos que podem resgatar as questões denegadas e a verdade sobre a catástrofe através de um tipo de conhecimento que reforce o horizonte da luta pela paz através do potencial de forças emancipatórias capazes de uma tradução política que resgate a noção politica de público e comum na cena global. 

    A luta por uma nova hegemonia da diversidade, da democracia, da superação do binômio guerra e capital, depende de sabermos redesenhar os projetos e objetos orientados por uma cartografia da ação social como instrumento de novas práticas que articulem corpo, subjetividade e território. Atuando de forma realista com nitidez a partir de uma leitura critica das relação de forças internacional. A centralidade da luta cultural é óbvia, mas temos de levar em conta as questões das nossas ambivalências pulsionais e  entre desejo e interesse, na chave da "dialética do esclarecimento", tão bem aprofundada por Marildo Menegat no livro de leitura obrigatória: "depoisdofimdomundo: a crise da modernidade e a barbárie".

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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