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    Ruben Bauer Naveira

    Pai de dois filhos, tricolor de coração e cidadão brasileiro

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    Guerra à vista

    (Foto: Reuters)

    Eventos sem precedentes e sem paralelo na História da Humanidade, que mudarão o seu curso de forma dramática, estão por acontecer em questão de meses, semanas ou mesmo dias.

    Essa afirmação pode soar estapafúrdia, mas ela é perfeitamente compreensível em várias regiões da Ásia. É no “Ocidente” (Américas, Europa, Oceania) que ela provoca estranhamento.

    Por todo o Ocidente se desconhece, ou, quando se conhece, se é indiferente, ao fato de que a Rússia deu ao Ocidente um ultimato para que este retire as suas armas ofensivas das proximidades das suas fronteiras. Os russos não o chamaram de “ultimato” para não azedar ainda mais as relações, e assim eles não adiantaram o que farão diante da recusa do mesmo. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, afirmou nesta quarta-feira (26/jan) que não aceita as reivindicações de Moscou.

    Mas os russos não estão blefando, e eles deixaram absolutamente claro que, se não obtiverem a retirada das forças ocidentais pela diplomacia, eles a obterão pela força (“medidas unilaterais”, foi a linguagem diplomática empregada).

    Para a Rússia, essa é a questão existencial última.  Ela sabe que a natureza dos americanos é a de impor sua hegemonia sobre o resto do mundo, e, riquíssima em recursos naturais, ela percebe que sua soberania não tem como ser tolerada. É devido a isso que os americanos vêm transferindo armamentos ofensivos para cada vez mais perto das fronteiras russas (por exemplo bases de lançamento de mísseis em Deveselu na Romênia e Redzikowo na Polônia – guarde os nomes dessas cidades e sinta-se agraciado por não viver nelas).

    É nesse interregno que nós (o mundo todo) nos encontramos hoje: o ultimato já foi recusado pelo Ocidente, mas a Rússia ainda não partiu para confrontá-lo.

    Que haverá algum nível de confronto não há dúvida: os russos sabem que os americanos não sabem ceder, e que portanto precisarão serem compelidos a fazê-lo. De forma mais direta, os russos sabem que os americanos somente conseguirão passar a ceder após se verem atingidos em alguma medida – e terem sentido dor em alguma medida. A questão será a de “pesar a mão” para o que seja essa “medida”. Os riscos serão demasiadamente altos, o confronto pode no limite escalar para uma guerra nuclear.

    Parêntesis: a título de ilustração sobre o quanto os russos levam esses riscos a sério, já no ano de 2016 o governo russo literalmente parou o país por quatro dias – entre 4 e 7 de outubro – para treinar quarenta milhões de pessoas a se dirigirem cada uma delas ao seu respectivo abrigo antinuclear e a como nele permanecer por longo tempo (previamente a essa simulação, o governo construiu novos abrigos para comportar mais doze milhões de pessoas, em adição aos herdados da extinta União Soviética). Nos últimos anos, tanto o governo russo quanto o chinês vêm alertando e preparando suas populações para a eventualidade de uma grande guerra, enquanto que no Ocidente as sociedades permanecem mantidas na mais absoluta ignorância quanto a isso.

    De todo modo, há uma forte razão para que nunca chegue a haver uma guerra nuclear, mesmo que uma guerra aberta entre americanos e russos (e chineses) aconteça: todos eles sabem que todos perderão.

    Porém, qualquer confronto militar em qualquer nível entre americanos e russos representará a abertura de uma verdadeira Caixa de Pandora, depois do que o mundo não poderá mais ser o mesmo. Suponha-se que os russos consigam “enquadrar” os americanos (e eles se planejaram longamente para isso), obrigando-os a abandonar o leste europeu, ou mesmo a dissolver a OTAN. Quais seriam as consequências internas aos Estados Unidos de algo assim, que feriria de morte o orgulho histórico daquela nação? As instituições americanas permaneceriam estáveis? A dívida pública americana permaneceria rolável? O dólar manteria o seu status de reserva de valor universal?

    Assim, ainda que não haja guerra direta entre superpotências, haverá conturbação suficiente nas estruturas políticas, econômicas e sociais do planeta para sustentar a afirmação feita ao início deste texto: estamos no limiar de um ponto de inflexão, uma descontinuidade, na história humana. A China, ainda que silenciosa, está coordenada com a Rússia, e desta forma o que está em jogo é uma disputa entre dois modelos civilizatórios antagônicos: o ocidental (hegemônico até aqui) e o russo-chinês – e apenas um dos dois sobreviverá.

    A recusa do ultimato russo pelos americanos não significa que ele não tenha sido levado a sério. Muito pelo contrário, diante das nuvens negras no horizonte os americanos (e os europeus) partiram para buscar isolar a Rússia do resto do mundo: foi urdida uma narrativa segundo a qual a Rússia invadirá a Ucrânia, e essa narrativa vem sendo alardeada em uníssono para indispor o mundo todo contra Putin e o povo russo. Americanos, britânicos, australianos e canadenses já chegaram ao ponto de anunciar a evacuação do pessoal não-essencial nas suas embaixadas em Kiev, bem como dos familiares do pessoal essencial. Como os americanos não detêm o poder de determinar aos russos que invadam, o mais provável é que a Ucrânia realize alguma provocação contra a Rússia de tal envergadura que obrigue o Kremlin a reagir militarmente, e, qualquer que seja esta reação (ainda que nenhum soldado russo venha a pisar em solo ucraniano), os russos serão execrados como os “agressores” da Ucrânia, de modo a isolar a Rússia (diplomática e economicamente) o mais possível a nível mundial (observação triste: se vier mesmo a se prestar a tal papel, o governo ucraniano terá conseguido a façanha de se mostrar ainda mais entreguista e indiferente ao bem-estar do seu próprio povo do que este aqui dos trópicos).

    Quanto ao ultimato, se poderia perguntar: mas, se os russos se queixam de que a OTAN vem se expandindo em direção às suas fronteiras desde a década de 90, por que somente agora? A resposta é sinistra: porque somente agora os russos estão seguros de que passaram a deter superioridade militar sobre o Ocidente (sim, você leu certo; aos que descreem, é aguardar para ver).

    Como mais um agravante de uma situação já por demais crítica, alguns analistas de geopolítica internacional sustentam que os russos sabiam de antemão que seu ultimato seria rejeitado. Sendo assim, por que o fizeram? A resposta é igualmente sombria: o ultimato teria sido dado como que para “cumprir um protocolo”, ou seja, para que a História registre que os russos tentaram resolver o conflito pela via diplomática, antes de partir para as vias de fato.

    Terra à vista!”, gritava o marujo escalado para o plantão na gávea, o pequeno cesto no topo do mastro mais alto das caravelas, e seu grito expressava esperança de terem chegado a bom porto, mas também medo de ser a terra povoada por inimigos. Que este aviso de “Guerra à vista!” contribua para alertar que tempos de fortes e dramáticas mudanças advirão; que o medo da guerra leve a que guerra não haja, porque nenhuma guerra pode ser para o bem; e que a esperança por dias melhores ao final se faça real, porque mudanças precisa haver neste mundo adoecido a que chegamos.

    Boa sorte para todos nós, porque iremos precisar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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