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    Ivan Guimarães

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    Habitação de alto nível e Popular em São Paulo

    O golpe de 64 trouxe inovações perversas para o País. A vida comunitária é substituída por um urbanismo que valoriza a individualidade e a segregação

    Unidades Habitacionais do Residencial Vitória (Foto: SEHAB/Prefeitura de São Paulo)

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    Você conhece a favela de Heliópolis? Provavelmente já conhece a orquestra sinfônica de Heliópolis, desenvolvida pelo instituto Baccarelli, para os jovens que residem na maior favela de São Paulo, com 200 mil moradores. Fica ali no desconhecido Sacomã, fronteira com a escondida São Caetano. 

    Entre viadutos, avenidas, alagamentos e obras, algumas intermináveis, havia um terreno do “antigo” IAPI, iniciativa de Previdência Social do conde Sílvio Penteado. Esse brasileiro doou a Vila Penteado a Escola de Arquitetura de São Paulo, que formou arquitetos e urbanistas até 1968. No ano seguinte a graduação foi para o campus da cidade universitária. O terreno do Sacomã foi alvo de várias trocas de titularidade, terminando propriedade do IAPAS. Até que num dia de 1971, igual a outros tantos, a prefeitura desembarcou 153 famílias no terreno do IAPAS.  Iniciou-se uma luta entre pessoas que defendiam a moradia, transporte, creches, postos de saúde e outras tantas necessidades da população e aqueles que grilaram, especularam e corromperam, em busca de tostões. 

    O terreno que era grande foi ficado pequeno para tanta gente que chegou. E uns tiveram que subir nos ombros dos outros para caber todo mundo. Chamam isso de verticalização. Heliópolis é uma favela verticalizada, com muitas casas “empilhadas”. 

    Os primeiros projetos de moradia social em Heliópolis são do final dos anos 1980. Até agora o que se fez por lá - e em toda cidade – má arquitetura e nenhum urbanismo. Filas intermináveis de prédios, um ao lado do outro. Do lado de fora dos conjuntos, muros longos tornam os caminhos áridos. Sem bancos, sem praças e nenhum comercio. Uma via onde circula o transporte coletivo, para onde os moradores vão a pé, com sol ou chuva. Não há marquises ou galerias por onde podemos andar protegidos. 

    Mas as vezes as ideias germinam. As que estou me referindo dizem respeito a forma como vivemos. O movimento que desde o 64 enterrou nossa arquitetura e urbanismo e os substituiu pelos prédios. Isolados, com recuos laterais definidos em lei e pavimento térreo sem qualquer atividade econômica.  

    O movimento golpista de 1964, trouxe algumas inovações perversas para o País.  A vida comunitária tão valorizada nas moradias de até então, é paulatinamente substituída por um urbanismo que valoriza a individualidade, a segregação e o ocultamento da vida privada. 

    Diga-se, a bem da verdade que esses não são valores norte-americanos, mas a radicalização de valores bem brasileiros. Desde os primórdios, no Brasil - Colônia, o desprezo que alguns de nós sentem pelo espaço público, (a RUA e a CASA) está conectado a imagem que temos de nós mesmos. Nos vemos como cães vira – lata, indignos de atenção. E temos a Casa Grande e a Senzala, célula mater do racismo estrutural.  

    Recuos dos quatro lados de cada prédio. Lazer e convivência não fazem parte dos projetos. E o valor das obras tabelados, em CUB/m2. Isso foi uma forma nada sutil de matar a criatividade.   

    Nas olimpíadas somos bons nos “esportes de rico (tênis, vela, natação, etc..)” e cada vez piores nos “esportes de pobre (corrida, atletismo e... futebol)”. Terá relação com onde as pessoas moram e o que elas fazem lá.? 

    A ideia que germinou é simples: moradia popular é mais que dormitório. As pessoas vivem naqueles locais, brincam, jogam, praticam esportes, namoram e se casam. É justo que o espaço onde vivem seja condizente. 

    Um novo conjunto de prédios em Heliópolis. Projeto de Biselli e Katchborian Arquitetos, o Condomínio Vitória é surpreendente. Cores vivas, fachadas mutantes, grandes pátios abertos. Não tem elevadores, e são oito andares. Mas aqui teve boa arquitetura, que usou o desnível de 12 metros do terreno para fazer vários acessos, interligados por passarelas de aço.  

    O conjunto tem vários elementos que eu já vi antes em Higienópolis, mas tem uma forte pegada de Heliópolis, seja na inovação ou na resiliência. 

    O impacto visual dos espaços é imenso, avassalador. Os prédios entrelaçam numa rede, delimitando os espaços de convivência. As fotos deixam mais claro. Encontrar projetos como esse ainda é improvável em São Paulo, mas ver que a administração pública aceitando esse tipo de projeto é encorajador. Pensar as moradias sociais “fora da caixinha” é animador, e nos faz crer num novo momento do urbanismo brasileiro. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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