Ivan Guimarães avatar

Ivan Guimarães

25 artigos

HOME > blog

Habitação de alto nível e Popular em São Paulo

O golpe de 64 trouxe inovações perversas para o País. A vida comunitária é substituída por um urbanismo que valoriza a individualidade e a segregação

Unidades Habitacionais do Residencial Vitória (Foto: SEHAB/Prefeitura de São Paulo)

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Você conhece a favela de Heliópolis? Provavelmente já conhece a orquestra sinfônica de Heliópolis, desenvolvida pelo instituto Baccarelli, para os jovens que residem na maior favela de São Paulo, com 200 mil moradores. Fica ali no desconhecido Sacomã, fronteira com a escondida São Caetano. 

Entre viadutos, avenidas, alagamentos e obras, algumas intermináveis, havia um terreno do “antigo” IAPI, iniciativa de Previdência Social do conde Sílvio Penteado. Esse brasileiro doou a Vila Penteado a Escola de Arquitetura de São Paulo, que formou arquitetos e urbanistas até 1968. No ano seguinte a graduação foi para o campus da cidade universitária. O terreno do Sacomã foi alvo de várias trocas de titularidade, terminando propriedade do IAPAS. Até que num dia de 1971, igual a outros tantos, a prefeitura desembarcou 153 famílias no terreno do IAPAS.  Iniciou-se uma luta entre pessoas que defendiam a moradia, transporte, creches, postos de saúde e outras tantas necessidades da população e aqueles que grilaram, especularam e corromperam, em busca de tostões. 

O terreno que era grande foi ficado pequeno para tanta gente que chegou. E uns tiveram que subir nos ombros dos outros para caber todo mundo. Chamam isso de verticalização. Heliópolis é uma favela verticalizada, com muitas casas “empilhadas”. 

Os primeiros projetos de moradia social em Heliópolis são do final dos anos 1980. Até agora o que se fez por lá - e em toda cidade – má arquitetura e nenhum urbanismo. Filas intermináveis de prédios, um ao lado do outro. Do lado de fora dos conjuntos, muros longos tornam os caminhos áridos. Sem bancos, sem praças e nenhum comercio. Uma via onde circula o transporte coletivo, para onde os moradores vão a pé, com sol ou chuva. Não há marquises ou galerias por onde podemos andar protegidos. 

Mas as vezes as ideias germinam. As que estou me referindo dizem respeito a forma como vivemos. O movimento que desde o 64 enterrou nossa arquitetura e urbanismo e os substituiu pelos prédios. Isolados, com recuos laterais definidos em lei e pavimento térreo sem qualquer atividade econômica.  

O movimento golpista de 1964, trouxe algumas inovações perversas para o País.  A vida comunitária tão valorizada nas moradias de até então, é paulatinamente substituída por um urbanismo que valoriza a individualidade, a segregação e o ocultamento da vida privada. 

Diga-se, a bem da verdade que esses não são valores norte-americanos, mas a radicalização de valores bem brasileiros. Desde os primórdios, no Brasil - Colônia, o desprezo que alguns de nós sentem pelo espaço público, (a RUA e a CASA) está conectado a imagem que temos de nós mesmos. Nos vemos como cães vira – lata, indignos de atenção. E temos a Casa Grande e a Senzala, célula mater do racismo estrutural.  

Recuos dos quatro lados de cada prédio. Lazer e convivência não fazem parte dos projetos. E o valor das obras tabelados, em CUB/m2. Isso foi uma forma nada sutil de matar a criatividade.   

Nas olimpíadas somos bons nos “esportes de rico (tênis, vela, natação, etc..)” e cada vez piores nos “esportes de pobre (corrida, atletismo e... futebol)”. Terá relação com onde as pessoas moram e o que elas fazem lá.? 

A ideia que germinou é simples: moradia popular é mais que dormitório. As pessoas vivem naqueles locais, brincam, jogam, praticam esportes, namoram e se casam. É justo que o espaço onde vivem seja condizente. 

Um novo conjunto de prédios em Heliópolis. Projeto de Biselli e Katchborian Arquitetos, o Condomínio Vitória é surpreendente. Cores vivas, fachadas mutantes, grandes pátios abertos. Não tem elevadores, e são oito andares. Mas aqui teve boa arquitetura, que usou o desnível de 12 metros do terreno para fazer vários acessos, interligados por passarelas de aço.  

O conjunto tem vários elementos que eu já vi antes em Higienópolis, mas tem uma forte pegada de Heliópolis, seja na inovação ou na resiliência. 

O impacto visual dos espaços é imenso, avassalador. Os prédios entrelaçam numa rede, delimitando os espaços de convivência. As fotos deixam mais claro. Encontrar projetos como esse ainda é improvável em São Paulo, mas ver que a administração pública aceitando esse tipo de projeto é encorajador. Pensar as moradias sociais “fora da caixinha” é animador, e nos faz crer num novo momento do urbanismo brasileiro. 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista: