Haddad, Alckmin e o MST
"Bolsonaro venceu em 516 municípios paulistas, contra 129. Na boa, um massacre", escreve Marco Damiani
Por Marco Damiani
Menos campanha no circuito de assentamentos do MST, mas idas aos calçadões e feiras livres das grandes cidades do interior paulista. Menos defesa da ideologia de gênero, mais apresentação de programa de governo. Menos agressividade contra os tucanos do PSDB, mais diálogo com prefeitos, vereadores e militantes do partido. Essa é a fórmula que, logo após os resultados do 1º turno eleitoral, o ex-governador Geraldo Alckmin tem apresentado a interlocutores sobre como Fernando Haddad pode, ao menos, encurtar a diferença para Tarcísio de Freitas e, finalmente, contribuir para a eleição de Lula.
Discreto como sempre, o candidato a vice na chapa da PT não irá fazer críticas públicas ao ex-prefeito paulistano, mas atrás das cortinas tem se empenhado em mudar a tática eleitoral que resultou em três derrotas fragorosas no domingo 2: a do próprio Haddad, a do ex-governador Márcio França na disputa para o Senado e a da chapa presidencial petista no estado.
Imediatamente após o fechamento do 1º turno, com Haddad ainda atônito, já se sabia na campanha do ex-prefeito que ele seria culpado diretamente pela não eleição de Lula, a quem faltou 1 ponto e meio percentual para a projetada vitória definitiva sobre Bolsonaro. O candidato a governador sempre reconheceu, internamente, que não colheria nenhum desempenho brilhante nas urnas do interior, mas apostava que uma ampla diferença sobre os adversários dentro da capital paulista lhe seria suficiente para sair na frente na primeira volta da corrida.
Deu tudo errado, como se viu e só poderia acontecer. Logo de saída, a política de alianças para a sustentação da candidatura ao governo se limitou ao campo da esquerda. Por mais que acenasse para uma composição com os petistas, o ex-prefeito e presidente do PSD Gilberto Kassab foi solenemente ignorado, tornando-se, desde então, o principal colaborador de Freitas. Com o MDB aconteceu parecido. Ainda na fase de preparativos, Lula afirmou que o PT já tinha em Guilherme Boulos seu nome certo para concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2024. No mesmo dia em que ouviu essa definição, o presidente do MDB, Baleia Rossi, registrou que estava ali um motivo para suspender as conversar que até ali existiam com o PT e apoiar qualquer candidato ao governo, menos Haddad. O partido de centro, afinal, tem legítimas pretensões de também disputar a futura eleição na capital. Com o PT já tendo em Boulos o seu preferido, não fazia sentido insistir em criar laços com quem já o tesourava.
Com uma estafante agenda de candidato, porém com endereçamentos que privilegiaram, como tem reclamado Alckmin aos seus novos amigos petistas, visitas a assentamentos do MST em diferentes regiões do Estado, Haddad colou em si mesmo o rótulo de radical que, na ‘interlândia’, é rechaçado desde os tempos em que as fazendas de café eram movidas pelas forças de africanos escravizados. Para justificar sua opção por construir uma frente ‘de esquerda’, em lugar de ampliar para o centro sua busca por apoios, Haddad chegou a ilustrar a amigos que não poderia “perder o voto da Marilena Chauí”. Ok...
A insistência, em declarações e nos debates, em atacar o governador Rodrigo Garcia, em dobradinha nesta linha com o bolsonarista Freitas, Haddad explica como tendo sido uma forma de se defender dos disparos ‘diários’ do neotucano contra ele. Nessa medida, o ex-prefeito, como se diz, fez política com o fígado, demonstrando baixa capacidade para assimilar golpes e manter uma postura mais olímpica. Ao poupar Freitas e privilegiar Garcia como inimigo da vez, ele agora não tem condições políticas de nem mesmo manter o governador numa posição de neutralidade. O apoio formal do atual chefe do Palácio dos Bandeirantes a Freitas está previsto para ocorrer já nessa quarta-feira 4. Garcia também já prometeu um beija mão a Bolsonaro em Brasília.
Um mapa das urnas do Estado de São Paulo, publicado pelo Uol, ressalta os estratégicos do PT, ao mostrar uma imensa área verde, representando o voto o bolsonarista em todo o interior, enquanto o vermelho do PT ficou restrito a beiradas como a região do Pontal do Paranapanema, de grande concentração de iniciativas do MST, às cidades de Araraquara e entorno, onde o partido já venceu diversas eleições para prefeituras, e a capital. Para o desempenho de Lula, a performance de seu pupilo Haddad foi um desastre: Bolsonaro venceu em 516 municípios paulistas, contra 129. Na boa, um massacre.
Apontar agora, o candidato Haddad como culpado é fácil, mas será que injusto? Nenhuma correção de rota foi feita quando ainda era possível. Ele acumulou visitas fracassadas ao interior em busca de votos, com muitos eventos nos quais cadeiras permaneceram empilhadas, em sinal de fracasso na presença de público. Mesmo na capital, onde imaginava ‘compensar’ a baixa performance esperada no restante do estado, não patrocinou nenhum grande ato de campanha – o comício para Lula no Vale do Anhangabaú, na fase final da corrida, foi um dos que tiveram menor participação entre os que serviram de palanque ao candidato a presidente.
Em suas conversas, o que Alckmin busca é esse grande ajuste estratégico que, mesmo que não leve Haddad à vitória – agora uma missão quase impossível -, ao menos não dê a Bolsonaro um campo livre e aberto, em São Paulo, para tirar a diferença que o separou de Lula no primeiro turno. Esse é o grande receio do ex-governador, que conhece o conservadorismo e o antipetismo do interior paulista melhor do que todos os participantes da disputa. Melhor ouvir bem o que ele está dizendo.
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