Haddad e os perigos de quem fica muito forte
"São muitos os riscos que cercam um ministro forte. Ambições, ciúmes, interesses contrariados", diz Helena Chagas
Foi ele mesmo quem disse com franqueza, em entrevista à Globonews, estar se sentindo “menos na frigideira”. Fernando Haddad parece ter vencido o fogo amigo e inimigo, a descrença do mercado e de parte do PIB, e chega ao fim do primeiro semestre como o ministro mais forte do governo. Além da condução bem-sucedida da pasta e da colheita de bons números na economia — mais um "sortudo" no governo, dirão os mal-humorados —, o titular da Fazenda credenciou-se como interlocutor confiável junto ao establishment e articulador político preferido do Congresso. O resultado inevitável dessa conjuntura é o fortalecimento de seu nome para a sucessão de Lula, caso o presidente desista de se candidatar à reeleição.
Um perigo. É claro que passar por um processo de fortalecimento é muito melhor do que se desgastar e ficar fraco. Mas quem fica forte vai para o alvo. E o problema hoje para Haddad — que, obviamente, vem se negando com veemência a falar de 2026 — é que ainda restam três anos para essa definição. Tempo em que um político pode até permanecer num céu da popularidade, mas durante o qual pode também descer aos círculos do inferno. Tratando-se do titular da Fazenda, então, essa incerteza é grande.
Antes de tudo, a eventual candidatura presidencial dependerá, além da vontade de Lula de não se recandidatar e escolhê-lo como herdeiro, da manutenção do bom desempenho da economia e seu impacto positivo na vida das pessoas até lá. Crises econômicas, de origem externa ou interna, podem mudar o cenário de uma hora para outra e riscar o nome do ministro da Fazenda da lista.
Mas tão importante quanto isso será a habilidade de Haddad de não tropeçar em armadilhas que adversários e aliados vão deixar no caminho. São muitos os riscos que cercam um ministro forte. Ambições, ciúmes, interesses contrariados. Torpedos virão de todos os lados, e a experiência mostra que, às vezes, os domésticos são mais danosos do que os estrangeiros.
Haddad terá que lidar com o fogo amigo do PT — que, em tese, vai lhe dar novamente legenda para se candidatar a presidente. O partido vê com reservas seu bom relacionamento com setores do establishment econômico, e joga sempre para puxar o governo à esquerda. Está no seu papel, e caberá ao presidente da República pilotar o fogão.
Lula consegue regular a chama, que foi sensivelmente reduzida, por exemplo, quando ele — até então com comportamento algo ambíguo — deixou claro que, sim, apoiava o arcabouço fiscal de controle dos gastos públicos apresentado por Haddad e criticado pelo PT. E deu ordem unida no partido para que todos votassem a favor — diferentemente do que ocorrera em episódios anteriores, quando Haddad foi desautorizado por pressão petista, como no caso da reoneração dos combustíveis.
Para se manter viável, portanto, o ministro precisa ter o apoio irrestrito do chefe e driblar as intrigas do serpentário governista. Amigo leal de Lula há muitos anos, Haddad conhece bem a psicologia do presidente — que, a essa altura da vida, detesta superministros.
Qualquer desconfiança de que Haddad trabalhe numa candidatura pode azedar o clima entre os dois, elevar a temperatura do fogo amigo e torrar o ministro. Afinal, a chama apenas diminuiu, mas não foi apagada. Já se ouve, entre petistas, críticas a novas medidas debatidas na Fazenda. Ao mesmo tempo, a boa vontade do mercado e da mídia neoliberal com Haddad, em seguidas manchetes e sob os holofotes, pode ajudá-lo a transitar politicamente junto ao centro — o que é positivo para uma futura candidatura —- mas é um ponto negativo em seu partido. O ministro, por sua vez, vem se blindando com uma postura disciplinada. Em todas as oportunidades, deixa claro que quem tudo decide está no Planalto, e não na Fazenda.
O caminho até 2026 é longo e acidentado, e caberá a Lula, à luz da conjuntura, definir os rumos da centro-esquerda caso não seja candidato novamente. À primeira vista, as alianças que vem fazendo à direita, inclusive com o centrão, para assegurar a governabilidade, apontariam para um nome que dialogue com elas, como o de seu ministro da Fazenda. Perfis mais à esquerda podem jogar esses partidos nos braços de um candidato da direita moderada, como Tarcísio de Freitas.
Nesse caso, é possível que a polêmica imagem que selou o acordo para aprovação da reforma tributária na Câmara, mostrando, lado a lado, o ministro da Fazenda e o governador de São Paulo, tenha mostrado, premonitoriamente, os protagonistas da próxima disputa presidencial.
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