Histérico está você, Bolsonaro
"Bolsonaro está histérico porque a tripla crise será sua prova de fogo. Ao invés de conclamar à união nacional e à solidariedade, ele prefere brigar com o vírus e com os que partiram para o enfrentamento da calamidade que ainda mal começou", escreve a jornalista Tereza Cruvinel
Nesta terça-feira em que morreu o primeiro brasileiro contagiado pelo novo Coronavirus, o presidente da República voltou a discordar das medidas de combate ao vírus, acusando os governadores de provocarem uma retração da economia, que a seu ver “estava indo bem”, embora os sinais de crise e desconfiança precedam a chegada do vírus ao pais. Na entrevista de hoje à Radio Tupi, referiu-se mais uma vez a uma “histeria” que a seu ver será danosa ao país.
Bolsonaro confunde histeria com a responsabilidade social que, exceto ele, outras autoridades vêm assumindo diante da crise sanitária, a exemplo de seu próprio ministro da saúde, dos governadores e outros agentes públicos, inclusive Congresso e STF, cujos presidentes reuniram-se com o ministro na segunda-feira para discutirem a cooperação entre os poderes. Quem está histérico, por outras razões, é Bolsonaro.
Suas falas, seu comportamento irracional e errático, seu descontrole e ciclotimia diante da tripla crise – sim, temos crise sanitária, política e econômica – ainda vão render um farto material aos estudiosos do psiquismo humano e das relações de poder. Horas depois da entrevista, na rede social, foi conciliador, falando em soma de esforços entre a população, governo e demais poderes. A conciliação era fake. Em seguida atacou uma jornalista. Ele está histérico, seja no sentido vulgar da palavra, quando se refere a reações exageradas e estridentes diante de uma situação, seja mesmo no sentido científico. A histeria, tal como estudada inicialmente por Charcot, e depois com mais profundidade por Freud, era uma doença associada às mulheres, que aflorava sob a forma de paresias e mesmo de convulsões, como reação à grande opressão que suportavam, inclusive a sexual.
No século passado as ciências do psiquismo – psicologia, psicanálise e psiquiatria – mudaram o diagnóstico de alguns sintomas da histeria mas ela continua existindo como patologia, e passou a abarcar também a histeria masculina. Em artigo, a psicanalista Ana Lícia Pereira Couto diz que “a histeria masculina se manifesta também em crises de ira, agressividade, violência contra mulher, em alguns transtornos que envolvem a compulsão como jogo patológico, endividamento exacerbado, na bipolaridade, ou seja, vários estudos apontam que os histéricos se encontram nas delegacias e as histéricas nos consultórios médicos.” Mas, poderíamosacrescentar, os histéricos se encontram também nas esferas do poder. Bolsonaro não é o único mas é um caso exemplar.
Bolsonaro está histérico no sentido vulgar e no científico. Não são os outros, e sim ele, que está tendo reações exacerbadas diante do coronavírus. Os outros estão fazendo o que tem de ser feito, dentro do possível, na área sanitária, e isso vale para seu ministro da Saude, Luiz Mandeta, e para os governadores. Algumas medidas podem ser equivocadas ou disfuncionais, como esta proposta de Witzel, do Rio de Janeiro, para que ônibus e vagões de metrô carreguem apenas metade dos passageiros para garantir a distância segura entre eles. Isso é impossível. Mas, no geral, todos se guiam pela preocupação em reduzir a contaminação e achatar a curva do contágio, de modo que não tenhamos um pico em tão curto prazo que leve o sistema de saúde ao colapso. Quanto mais gente adoecer ao mesmo tempo, mais mortes teremos. Faltarão leitos, UTIs, respiradores, insumos. Se a crise durar mais, porém com contaminações mais lentas, podemos não viver o que vive a Itália, onde se impõe a escolha de Sofia, entre quem salvar ou quem deixar morrer.
Mas Bolsonaro prefere culpar os governadores, transferindo-lhes a responsabilidade pelas consequência econômicas, que só serão maiores porque a economia já se recusava a responder à política de Paulo Guedes. Disse ele:
“Essa histeria leva a um baque na economia. Alguns comerciantes acabam tendo problemas. Você pode ver quando você vai a um jogo de futebol, o cara que vende o chá mate ali na arquibancada, o cara que guarda o carro lá fora (flanelinha), ele vai perder o emprego. Ele já vive na informalidade, ele vai ter que se virar, mas vai ter mais dificuldades e tendo mais dificuldades ele comerá pior. Comendo pior, já não comia tão bem, acaba não comendo adequadamente, ele fica mais debilitado, e o coronavírus chegando nele, ele tem uma tendência maior de ocupar um leito hospitalar.”
Ora, se já tinha tanta gente na informalidade que ele aponta, é porque a economia não crescia nem gerava empregos. Se tem gente mal alimentada, é porque o país resvalou fortemente para a pobreza. É para estes necessitados e vulneráveis que o pacote de Paulo Guedes mal olhou. Os R$ 147 bilhões anunciados não são injeção de recursos novos.Na maior parte das medidas, o governo está antecipando pagamentos devidos, como FGTS e 13º de aposentados, ou retardando pagamentos, como o Simples e o recolhimento de FGTS por empresas. A única medida voltada realmente para os vulnerávedis é a inclusão de mais um milhão de cadastrados no Bolsa-Família, mas com isso o governo está apenas recompondo parcialmente o universo de beneficiados que fez encolher com o “pente fino” insensível. Sem falar na discriminação contra o Nordeste, que ficou com apenas 3% dos novos incluídos recentemente.
Bolsonaro está histérico porque a tripla crise será sua prova de fogo. Ao invés de conclamar à união nacional e à solidariedade, ele prefere brigar com o vírus e com os que partiram para o enfrentamento da calamidade que ainda mal começou. Até com o ministro da Saúde, que vem cumprindo corretamente seu papel, ele agora está implicado.O governo faz e ele desfaz. Agora saiu portaria de Mandeta e Moro, prevendo a quarentena obrigatória para pessoas suspeitas. Mas como impor aos outros, se o próprio presidente se nega à prevenção?
A crise sanitária testa ao limite a inadequação de Bolsonaro para o cargo. Reconhecendo a própria incapacidade (que ele confessou no dia em que foi eleito), ele fica nervoso. Histérico. Depois de aparecer de máscara e de desaconselhar manifestações contra o Congresso e o STF no domingo, ele preferiu se expor (ou expor os outros, pois pode estar contaminado), indo se confraternizar com manifestantes na porta do Planalto. Não resistiu à compulsão, como é próprio dos histéricos.
Na política, ele sente o isolamento. Quanto mais investe contra as instituições, especialmente contra o Congresso, mais expõe suas intenções golpistas, e mais aliados perde, e mais isolado fica, contando apenas com os histéricos que disseram nos cartazes: “Fecha tudo, presidente”, em referência aos outros poderes. Aí, como sempre, ele se faz de vítima, dizendo que isolar o presidente é golpe. Quem se isola é ele, quando se afasta do compromisso com a Constituição e o Estado de Direito, cometendo seguidos crimes de responsabilidade.
Bolsonaro está histérico também porque sabe que está perdendo a batalha da comunicação junto à sociedade. Ele tem a bolha da extrema direita raivosa, que nem o medo do contágio impediu de sair às ruas no domingo. Jamais saberemos que tamanho ela teria se não houvesse o coronavirus mas agências que estudam a dinâmica digital afirmam que a bolha já não tem a mesma capacidade de influência, além de ter encolhido. Bolsonaro sabe que está cada vez mais só, e isso o deixa nervoso. Histérico.
A terceira crise, a da economia, já estava dada antes mesmo do coronavirus. Tanto é que ele deu prazo a Guedes para apresentar resultados até julho. Isso há menos de um mês, quando saiu o pibinho de 1,1% do ano passado, quando nem se falava em vírus. A certeza de que terceirizou a economia para a pessoa errada, para implantar uma política errada, também o deixa nervoso. Histérico. Ruim com Guedes, mas o que fazer sem Guedes?
Mas como todo histérico é também paranoico, ele se faz de perseguido e de vítima. Se Bolsonaro conseguir dar o golpe que claramente acalenta, será no papel de vítima, alegando que “o sistema” não o deixa governar, que tramam sua derrubada etc. e tal. Ele sabe também que, embora não existam as condições políticas para seu impeachment, também não seria fácil dar o golpe. O alerta já soou.
Nós, brasileiros e brasileiras, não estamos histéricos. Estamos todos levando a sério o infortúnio sanitário que ameaça a humanidade. Estamos espantados, isso sim, com a incapacidade mental do presidente, com sua patologia, com sua pulsão de morte que agora encontra uma oportunidade de se realizar, pela contaminação irresponsável que ele alimenta. Na mesma entrevista, anunciou que haverá festinha de aniversário para ele e a mulher no Alvorada, no final de semana.
Definitivamente, ele não acredita em medidas de enfrentamento da doença, sejam tomadas pelo Ministério da Saúde ou pelos governadores. Na entrevista à Tupi ele disse: “ Começou na China, foi para Europa, e nós íamos passar por isso. Mas o que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. E uma nação, o Brasil por exemplo, só será livre desse vírus, o coronavírus, quando um certo número de pessoas infectadas criarem anticorpos, que passa a ser barreira para não infectar quem não foi infectado ainda.”
Ou seja, espalhar a infecção é uma boa medida, porque cria resistência imunológica. Isso não vale nem para o sarampo, quem dirá para um vírus como o que está entre nós, de propagação rápida, que exige a contenção da velocidade de contágio para evitar o colapso total do atendimento e uma tragédia de grandes proporções. Bolsonaro pode não entender isso e pode até entender, mas prefere seguir na contramão de todos, seguindo a compulsão para o enfrentamento, o isolamento e aquilo que costuma ocorrer aos governantes isolado. A queda, ainda que mais tarde.
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