História da mineração de sal-gema em Maceió: um desastre anunciado
Esse texto é a primeira parte de um roteiro que estou escrevendo sobre o desastre causado pela mineração da Braskem
Victor Mafra
Era 1941, durante a Terceira República, no governo Vargas, quando, na cidade de Maceió, foram iniciadas sondagens na Laguna Mundaú em busca do petróleo.
A busca não obteve sucesso, porém foi encontrado um leito de sal-gema de alta pureza, uma rocha sedimentar quimiogênica que é composta por cloreto de sódio, cloreto de potássio e cloreto de magnésio.
Um grupo internacional obteve uma concessão de 22 anos do leito, porém a concessão tornou-se obsoleta e um empresário baiano chamado Euvaldo Luz obteve-a em 1966. Foi formada a firma Salgema LTDA.
Dois anos depois, a empresa norte-americana, Dupont, entrou no projeto com uma participação de 50%, com autorização da Superintendência do desenvolvimento do nordeste, a SUDENE.
No mesmo ano, foram realizadas pesquisas na região para saber a quantidade de sal-gema que havia abaixo do solo, foram descobertos cerca de 20,5 bilhões de toneladas.
Somente em 1970, no regime militar comandado por Emílio Garrastazu Médici, o governo passou a permitir a sua extração.
Já em 1971, o Banco Nacional de Desenvolvimento preparou a estatização da empresa. O BNDE obtinha cerca de 10% das ações, enquanto Dupont e o Grupo Euvaldo tinham 45% cada um. O banco dobrou seu investimento e o Grupo Euvaldo não conseguiu acompanhar e se retirou do investimento, vendendo suas ações para o BNDE
No ano de 1974, começou a ser construída a fábrica de cloro-soda, em plena época do AI-5, na ditadura militar sob comando de Geisel. Claro que houve uma bela propaganda já que a moda na época era o tal “milagre econômico” e para Alagoas, um estado majoritariamente dependente da agricultura da cana-de-açúcar, ter uma empresa petroquímica iria levantar o ânimo da economia de um estado tão pobre.
Foi um assunto bastante falado neste ano, pessoas com esperanças de obter empregos e, quiçá, uma vida melhor. Já que com a atuação da empresa no estado, seriam gerados cerca de 100.000 empregos, diretos e indiretos.
Mesmo que esse tal “milagre econômico’’ tenha se sustentado no confisco de renda dos trabalhadores, a importação do capital estrangeiro e uma grande quantidade de exploração, a população maceioense se animou. O PIB realmente cresceu durante a ditadura, mas o crescimento alcançou apenas 10% da população, o salário mínimo teve uma perda significativa e a dívida externa do brasil saltou de 4 bilhões de dólares para 90 bilhões. Os fatos mostram que o entreguismo dos militares acabou com o desenvolvimento econômico do Brasil, que vinha desde Vargas. Entregou recursos nacionais aos países imperialistas, coisa que está mais ligada ao desastre que acontece em Maceió do que muitas pessoas imaginam.
Em 1975 o BNDES repassou suas ações para a Petroquisa, que passou a ter o controle estatal da empresa, dividido com a empresa estadunidense Dupont.
Somente no final dos anos 70 que a empresa começou sua produção, mais precisamente em 1977, mas em 76 eles já haviam iniciado a extração da salgema nas áreas próximas da Lagoa Mundaú.
A fábrica se localizava na praia da avenida, nessa época a mais badalada da cidade, após a chegada da fábrica, todo o turismo que havia nos arredores sumiu, hoje em dia pode-se perceber isso, o local é esvaziado e, mesmo com uma praia maravilhosa, é raro ver alguém se banhar naqueles arredores.
A população ficou com medo da localização da fábrica, tendo em vista que a petroquímica produz químicos extremamente perigosos. Claro que isso não cairia bem com a capital de Alagoas, uma cidade turística, que moveu o turismo litorâneo para a região mais ao norte, nas praias de Pajuçara, Ponta Verde e Jatiúca, que hoje em dia se tornaram os bairros com mais tráfego de turistas a fim de conhecer as belezas naturais do estado.
A construção foi realizada no governo federal de Geisel, enquanto o governo estadual era de Divaldo Suruagy, o governador emedebista nomeado pela assembleia legislativa do regime militar. O coordenador do projeto de implantação da fábrica era Beroaldo Maia Gomes, um economista. Ele afirma que a insistência em construí-la na Praia da Avenida era vinda de um grupo de norte-americanos da Dupont.
Um fato curioso, no mínimo, é que o general Ernesto Geisel, após deixar o cargo de ditador, assumiu a superintendência da Salgema.
“Eles acharam que o único lugar adequado, possível na época, seria onde hoje está instalada. Era lá ou em nenhum outro local. Eu ainda sugeri outras áreas. Mas não foi possível dissuadi-los. Eles garantiram que não haveria riscos para a população”, afirmou Beroaldo Maia sobre a exigência da empresa.
Os empresários ainda falaram que caso Alagoas não quisesse que a fábrica se localizasse na Praia da Avenida, eles iriam para Sergipe. Era um blefe, mas como o estado já havia perdido a oportunidade de ter a Petrobrás no estado, os governantes e a burguesia local também não queriam perder mais uma empresa.
Nos anos 80, vários jornalistas começaram a denunciar o que poderia ocorrer na empresa e em seus arredores, como Érico Abreu que em 1985 falou tanto sobre explosões na fábrica quanto sobre possíveis desabamentos no local. Isso pois em dezembro de 1984 ocorreu uma explosão em uma petroquímica indiana.
A planta da fábrica da antiga Salgema era a mesma da Bhopal, na Índia, onde ocorreu o maior desastre industrial da história. A fábrica de pesticidas era da Union Carbide India Limited, uma empresa estadunidense, o restante da participação da empresa era de alguns bancos indianos. Mais de 500.000 pessoas da cidade foram expostas ao Isocianato de metila, que inclusive foi a primeira arma química usada na primeira guerra mundial. O gás ao entrar em contato com a população de Bhopal provocou mortes aterrorizantes, cegueiras, falta de oxigênio no sangue e várias outras atrocidades. O CEO da Union Carbide Corporation, Warren Anderson, teve seu processo judicial arquivado e a empresa pagou ao estado o pífio valor de 470 milhões de dólares, cerca de um bilhão hoje em dia. Como se a vida de milhares de pessoas e ferimentos permanentes possuíssem algum valor que possa ser calculado em capital. Hoje, cerca de 150 mil pessoas sofrem com as consequências da explosão, e ainda há uma segunda geração de pessoas que nasceram afetadas pela exposição de seus pais aos gases tóxicos.
Após o acidente de Bhopal, os jornalistas Érico Abreu e Mário Lima fizeram um levantamento do investimento publicitário da Salgema nos jornais impressos da imprensa burguesa, já que a planta da fábrica da Bhopal era a mesma da fábrica da Salgema, e nenhum jornal se perguntou se isso poderia ocorrer em Maceió. O que os jornalistas descobriram foi que o investimento da Salgema nos jornais burgueses foi 10 vezes maior um mês antes do acidente em Bhopal e um mês depois, mostrando claramente um suborno para que a imprensa se calasse.
Já nos anos 90, época de forte privatização no setor petroquímico já que a bola da vez era o formato mais necrosado do capitalismo, o neoliberalismo. A Salgema não se safou dessa. Em 1996, segundo ano do governo FHC, a Salgema foi privatizada e passou a se chamar Trikem, sendo controlada pela Odebrecht, empresa que nos anos 2000 passou a monopolizar o ramo petroquímico no Brasil.
Para piorar, em 1995 o estado de Alagoas concedeu a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços para a empresa, com a desculpa estapafúrdia de que a sede da empresa é na Bahia, e como a energia vem de Paulo Afonso, BA, a mercadoria não circula entre os estados. Logo, não há débito com o ICMS. Como disse o jornalista Érico Abreu “coisas de Maceió”
Para instalar a empresa em Maceió, o estado de Alagoas, entre 1979 e 1980, pegou um empréstimo que hoje se soma no valor de 500 milhões. Com a privatização da empresa, é a população da cidade que paga essa dívida.
Só em 2002, a Trikem se une com outras empresas do ramo e passou a ser controlada pela Novonor e a Petrobrás, mas a empresa continuou privada, sendo uma sociedade anônima e empresa de capital aberto, nasce a Braskem.
Continua…
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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