Hora da colheita
A primeira quinzena de novembro termina confirmando a certeza de que há coisas pelas quais vale a pena viver a vida
A primeira quinzena de novembro termina confirmando a certeza de que há coisas pelas quais vale a pena viver a vida. Cada um com as suas, no caso elenco duas: netos/as, e assistir o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva receber a medalha Henrique Morize, a mais alta comenda da Academia Brasileira de Ciências no campo da pesquisa tecnológica. A homenagem contou com a presença do comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen.
A cerimônia teve gosto de reconhecimento e sabor de reparação. Há 10 anos o cientista de renome internacional na área nuclear foi abatido pela Lava-jato. Sobreviveu, depois de condenado a 43 anos de prisão fechada por corrupção sem provas, só com as “convicções” do lawfare, cumprir 601 dias de cadeia, e ter a pena reduzida para 4 anos, 10 meses e 10 dias em 2022. Agora, o ex-presidente da Eletronuclear luta para liberar seus bens e aguarda em casa o resultado do pedido de anulação do processo junto ao Superior Tribunal de Justiça feito por seu advogado, Fernando Fernandes.
Físico e engenheiro nuclear, o almirante Othon descobriu a técnica da ultracentrifugação para enriquecimento de urânio, que possibilitou o domínio de toda a cadeia produtiva da energia nuclear e deu soberania energética ao Brasil. O país tem a sexta maior reserva mundial de uranio e o desenvolvimento da máquina ultracentrífuga viabilizou o projeto de construção do submarino nuclear para ser empregado na defesa da costa e do território nacional. O “submarino de guerrilha”, como o almirante nomeia nas internas com um sorriso maroto.
Aos 77 anos e tratando um câncer, o almirante é uma explosão energética quando fala de conhecimento científico e desenvolvimento nacional soberano. Mais uma prova de que etarismo é conversa conservadora limitada que decreta morte social a partir de certa idade porque ignora a potência contida na adolescência do segundo tempo.
A mensagem do cientista José Israel Vargas, lida pela filha Joana, professora e pesquisadora que integra a rede de combate ao lawfare, sintetizou o respeito dos/as colegas pela “extraordinária contribuição que ensejou a independência nuclear do Brasil”, e destacou o projeto da miniturbina a fio d’água que geraria eletricidade para as pequenas cidades ribeirinhas da Amazonia carentes de transmissão de energia e, portanto, dependentes de diesel.
“Posso não merecer, mas estou cheio de felicidade, feliz pra caramba”, disse o almirante retribuindo a consideração e o carinho. A corrente contínua de emoção produzida no encontro levou às lagrimas a comunidade científica e demais presentes. O acontecimento foi registrado inaugurando o Projeto Memória, criado pela bióloga molecular e presidente da Academia, professora Helena Bonciani Nader, em parceria com a FAPERJ.
Modesto e apaixonado pela investigação científica, Othon Pinheiro não abre mão de sonhar com um Brasil de grandes projetos voltados para o desenvolvimento nacional. Mas não só. A filha Maria Helena revela o maior dentre todos os sonhos recorrentes: viver para mostrar aos netos que o avô não tem culpa em nenhuma das acusações que foram atribuídas a ele. Assim como o presidente Lula prometeu para o neto, e cumpriu, Othon também espera receber seu ‘diploma de inocente’.
Nota de rodapé. A homenagem ao vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva foi realizada no dia 12. Dois dias depois, 14 de novembro, a Policia Federal executou a prisão do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e Casa Civil, e vice na chapa derrotada do Partido Liberal à presidência da República em 2022, por obstruir investigações no inquérito em que está arrolado por golpe contra o estado de Direito e magnicídio doloso.
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