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    Cynara Menezes

    Baiana de Ipiaú, formou-se em jornalismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e já percorreu as redações de vários veículos de imprensa, como Jornal da Bahia, Jornal de Brasília, Folha de S.Paulo, Estadão, revistas IstoÉ/Senhor, Veja, Vip, Carta Capital e Caros Amigos. Editora do site Socialista Morena. Autora dos livros Zen Socialismo, O Que É Ser Arquiteto e O Que É Ser Geógrafo

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    Íbis, o coronel comunista da PM

    Jornalista Cynara Menezes, do Socialista Morena, traça o perfil do coronel que passou à reserva ano passado e diz que ele traz esperança à área de segurança pública. "De esquerda, se define como 'comunista herético', também é a favor da descriminalização das drogas", afirma

    (Foto: Reprodução/Socialista Morena)

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    Por Cynara Menezes, no Socialista Morena 

    O coronel Ibis Pereira, da PM do Rio de Janeiro, combina de encontrar comigo, numa manhã ensolarada de inverno, em uma charmosa livraria-café do centro da cidade, ao lado da Assembleia Legislativa. Chego na hora e dou de cara com ele lá dentro, folheando livros. Me cumprimenta com dois beijos na face e comenta, alisando a capa de um dos volumes expostos à sua frente:

    – Adoro Eça de Queiroz.

    O perfil do coronel de 54 anos, que passou à reserva no ano passado, tinha capturado minha atenção durante a campanha à prefeitura do Rio, em 2016, quando atuou como consultor de Marcelo Freixo, candidato do PSOL. Formado em Direito e Filosofia, com mestrado em História, Íbis acaba de se filiar ao partido. Mas sua ligação com o pensamento progressista é anterior ao PSOL, a Freixo e à própria polícia.

    Como você se aproximou do progressismo? Porque a imagem que as pessoas têm da polícia é que todo mundo ali é conservador.

    O que não é verdade, tem uma massa considerável na polícia que é progressista. Eu venho de uma militância católica, de juventude operária católica. Apesar de morar no Rio de Janeiro e a nossa igreja sempre ter sido muito conservadora, eu vivia num bairro muito próximo da Baixada Fluminense e a gente tinha a influência das igrejas da Baixada, de Nova Iguaçu, Caxias, que eram mais progressistas. Então a Teologia da Libertação sempre foi uma marca muito forte na minha trajetória, na compreensão da minha própria fé, que é algo que me acompanha até hoje. Se não fosse por este movimento, acho que eu não estaria mais no cristianismo. Católico, pelo menos, não. Quando entrei na polícia, já vinha desse movimento. E entrei em 1983, num momento de renovação, junto com os primeiros governadores eleitos depois da ditadura. O governador eleito aqui foi Leonel Brizola, que escolhe como comandante-geral da Polícia e como secretário de Estado da Polícia um homem que para mim foi decisivo: o coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira, um progressista.

    Ideologicamente, como você se define?

    Sou um comunista místico, um marxista herético (risos). Porque sou basicamente um marxista, mas não totalmente porque não sou materialista. Creio em Deus, sou uma mistura de Cristo com Karl Marx. Penso que se Deus existe e nós todos somos irmãos, essa sociedade não comporta senhores e escravos, dominantes e dominados. E ninguém pensa uma política de segurança pública sem uma concepção de como a sociedade deve se organizar. Estamos falando do coração do Estado, não é possível uma visão técnica apenas. A primeira violência é a miséria, a exclusão, e elas só se resolvem rumando para uma sociedade mais igualitária, mais justa.

    ***

    O coronel Cerqueira, um policial visionário, à frente do seu tempo, que foi secretário de Brizola nas duas vezes em que governou o Rio, seria assassinado em 1999 com um tiro no olho direito no saguão do prédio onde trabalhava o advogado Nilo Batista, ex-governador do Estado. O crime foi atribuído a um sargento, executado em seguida com um tiro na nuca supostamente pelos seguranças do prédio. Mas o assassinato nunca foi completamente elucidado.

    Primeiro comandante negro da Polícia Militar do Rio, Cerqueira foi pioneiro em falar de direitos humanos na área de segurança pública. Numa reunião do governo, Brizola colocou as diretrizes pelas quais seria massacrado na mídia: proibiu a polícia de entrar nos barracos das favelas sem ordem judicial. No dia seguinte, os jornais cariocas o atacavam dizendo: “Brizola proíbe a polícia de subir o morro”.

    Brizola acertou em sua política de segurança?

    Acertou. Para você ter uma ideia, a aula inaugural do meu curso de formação foi exatamente sobre a relação entre polícia e direitos humanos, que era uma marca que Brizola trouxe. Isso já está lá na Carta de Lisboa, em 1979. Cerqueira era uma pessoa fantástica, que tinha a visão de uma polícia imbricada com a civilização, com a democracia. A polícia é filha do Estado Democrático de Direito. Das instituições do Estado Democrático de Direito, talvez seja a mais nova. Antes disso não tem polícia, tem bando. E é isso que muita gente, muitos policiais ainda não compreendem: quanto mais um Estado promove a lei, mais a polícia é forte. Muitos policiais ainda entendem que estados fortes, duros, estados policiais, favorecem a polícia. É exatamente o contrário. E essa foi uma questão que Brizola e Cerqueira procuravam vincar bastante, esse respeito que o policial deve ter pela legislação, pela casa como asilo inviolável, pelo barraco como residência. Isso em 1983 era uma coisa que soava como conivência com o crime. Até hoje tem policial no Rio de Janeiro dizendo que Brizola proibiu a polícia de subir o morro, de enfrentar o crime. Uma mentira. O que ele proibia é que você fizesse operação em favela sem planejar e entrar na casa dos outros sem determinação. Quando entrei na polícia, você podia entrar num domicílio pela determinação de um delegado. A Constituição de 1988 é que tornou exclusivo do mandado judicial. Quando se começou a discutir se poderia entrar em uma casa sem determinação judicial, o que Brizola já falava em 1983, foi um horror. As pessoas diziam que a polícia não podia mais trabalhar, que agora o serviço policial estaria inviabilizado e até hoje se tem dificuldade de compreender isso. Tem juiz que emite mandado de busca para todas as residências de uma favela. Em 2017, no Rio de Janeiro, ainda tem isso. Brizola tentou coibir naquela época e pagou um preço muito grande.

    Mas então o que faltou? Continuidade? Porque Brizola sai e em vez de elegerem Darcy Ribeiro, os cariocas se deixam influenciar pela Globo e elegem Moreira Franco…

    Para a gente entender por que não vingou, a gente tem que entender que Brizola não era apenas alguém que vinha do exílio, não era apenas um inimigo da ditadura, era o grande inimigo da ditadura. Mais que o próprio Goulart, mais que Arraes, que qualquer outra figura. E sempre ficou muito claro, pelo menos pra gente, que o objetivo do Brizola era o governo brasileiro. Com seis meses de governo, há uma reportagem da revista Veja associando o governo Brizola ao caos, ao horror, às invasões, uma capa assustadora. O governo dele foi boicotado desde o início. Nós tivemos grandes ideias de transformação das forças policiais, mas essas grandes ideias não foram acompanhadas da alocação dos recursos que seriam necessários para essas transformações. Em função de uma decisão política, que era apostar na educação (e ele estava certíssimo neste ponto), e também em função da crise econômica, faltou dinheiro.

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    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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