Impeachment é previsto na Constituição e juízo não se compra na farmácia
Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia, reage à declaração do senador Jaques Wagner, que pediu “cautela” ao falar de impeachment. “Como superar a Covid-19, tendo um pau-mandado do presidente que o senhor quer conservar, trabalhando para que a população não seja vacinada? Como ter paz? Como falar em normalidade?”, indaga
Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia
O impeachment, palavra inglesa que significa impedimento, objetivamente, consta na Constituição Federal brasileira como o ato pelo qual se destitui, mediante decisão do Poder Legislativo, o ocupante de cargo governamental suspeito/acusado de praticar atos graves (crimes de responsabilidade) contrários aos deveres funcionais.
O Brasil passou por três. O primeiro foi o que tirou do poder a dupla Carlos Luz e Café Filho, em 1955. Em dezembro de 1992 foi a vez de Fernando Collor de Mello, que renunciou ao cargo, mas o processo seguiu, cassando os seus direitos políticos por oito anos. Collor foi acusado de corrupção pelo seu próprio irmão, Pedro Collor de Mello. Por último, em 2016, foi a vez da presidente Dilma Rousseff, que depois de dois anos de intenso bombardeio da mídia – desde 2014, quando o senador e candidato derrotado à presidência, naquele ano, não reconheceu a derrota e jurou que ela não teria um dia de trégua para governar – foi apeada do cargo, sob o pretexto de ter cometido “pedaladas fiscais”, não comprovadas.
O preâmbulo é para deixar bem claro, que em nenhum canto da Constituição Federal está escrito que para ser retirado do cargo o dirigente precisa estar em queda nas pesquisas ou ter “falhado” na condução da economia. Tampouco é exigido o apoio das ruas para a sua saída. Em resumo: um impeachment é legal, ou ilegal. É justo ou injusto. E não se pode mudar isto. O que se pode é escrever de forma honesta sobre o fato, acompanhando o passo a passo no Congresso, a compilação de provas e o desenrolar do processo. Quem julga precisa se ater aos autos, apenas. E quem reporta, não pode se integrar à torcida. É preciso se ater aos fatos.
A rua, a carga emocional produzida na mídia, são apenas – ou deveriam ser – complementos, detalhes. Não entram no processo. Ficarão, isto sim, na memória dos que deles participaram pró ou contra, numa escalada dolorida, que deixa banguela a democracia, embora se dê – é de se supor – dentro do seu curso e dos dispositivos constitucionais previstos.
Há impeachments injustos, desnecessários, traumáticos, como foi o da presidente eleita democraticamente, e há os urgentes, prementes, feitos em nome de um país refém de um algoz que tenta repetir contra os brasileiros o que Hitler fez com os judeus na Alemanha. Levar a população à morte, de forma premeditada – conforme demonstrado em pesquisa coordenada pela professora Deyse Ventura, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP –, não é apenas motivo para dar início a um processo de retirada de Bolsonaro, do poder. Torna-se imperativo. É questão de redução de danos. É caso de vida ou morte. É estancar as estatísticas que nos apontam a perda de cerca de mil brasileiros/dia.
E, nesse momento de tamanha dramaticidade, vem alguém e escreve que é necessário dar uma “ajeitada” na história, para reparar a “injustiça” cometida contra Dilma Rousseff. Até aí, é de se esperar. A pessoa trabalhou para tal desfecho e deve estar desconfortável no papel desempenhado. O que não se entende é como alguém do mesmo campo político da ex-presidente, como o senador Jaques Wagner, pode vir a público – ele é mestre em entrar em cena na hora certa, para dizer o que não se coaduna com o roteiro – para um discurso do tipo:
“Eu prego cautela pois o centro das atenções do povo brasileiro hoje é a superação da Covid-19. A democracia precisa de paz e estabilidade. Quando eleito um presidente, o normal é viver quatro anos e, se ele não está se saindo à altura, mudar a partir do processo eleitoral. Agora, se o país está entrando em um processo de desemprego e quebradeira da economia não podemos permitir que o país vá para o fundo do poço”.
Desculpem, mas a hora é de perguntar: senador, o senhor viajou para outro planeta? Como superar a Covid-19, tendo um pau-mandado do presidente que o senhor quer conservar, trabalhando para que a população não seja vacinada? Como ter paz, assistindo a cenas na TV, de pacientes se atracando com médicos, pedindo uma gota de oxigênio? O mesmo solicitado ao ministro, naquela semana, quando ele preferiu providenciar cloroquina?… Como falar em normalidade, quando a anormalidade se instalou na cadeira presidencial? Como esperar 2022, se não sabemos se no meio do caminho este senhor vai dar um cavalo-de-pau na história e mudar o rumo das eleições? E, por fim, como contar para o senhor, que o país já está no fundo do poço?
Não satisfeito, o senador Wagner ainda prossegue: “em uma crise como a da Covid, evidentemente a culpa não é dele, mas, a responsabilidade de sair dela é. Então, eu preferia que o presidente tomasse juízo e fosse governar. Vá comprar vacina, que a que chegou só dá para janeiro. Ficou esperando e chegamos atrasado na fila. Espero que através do Butantan e da Fiocruz, dois institutos de grande qualidade no Brasil, consigamos produzir o suficiente para imunizar o povo brasileiro”, desejou.
A esta altura, senador, a quem cabe estar à procura de “culpados” é ao Dr. Augusto Aras, o PGR. Até ele, do alto da sua tibieza puxa-saco-interesseira, já pediu investigações sobre a atuação do ministro Eduardo Pazuello – para não mirar no principal. (Afinal, o futuro no STF pode estar ali mesmo).
Sabe como as pessoas estão saindo da “crise”, senador? Mortas. E o senhor pede que ele tome, aquilo que ele nunca teve, nem nunca terá? Juízo??? O senhor o convida a comprar vacina, onde??? A que preço??? Estamos no fim da fila do último biscoito do pacote, senador. E sabe, aquele seu “desejo”? O de que o Butantan e a Fiocruz produzam vacinas suficientes para o povo brasileiro? Pois bem. Sente-se. Preciso lhe dar uma notícia muito ruim. Não há insumos suficientes para isto, senador. E os países que podem nos vender, a China, por exemplo, está muito magoada com aquele que o senhor quer manter no poder, para ver se ele cria “juízo”. Desconfio que tem mais alguém sem juízo nesta história…
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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