Imperialismo e cristianismo: um pleonasmo litúrgico
A igreja neo colonizadora e expansionista é um dos braços fortes do capitalismo
Por conta do artigo que escrevi discordando da ideia do presidente Lula de dialogar com os evangélicos, recebi algumas críticas com relação à gênese dos argumentos por mim apresentados na minha articulação. Uma delas se refere ao fato de eu estar associando quem crê em dogmas de fé à falta de raciocínio lógico, ignorando, por exemplo, que o padre Júlio Lancelotti e o Papa Francisco mesmo crendo em dogmas, se alinham ao pensamento progressista. Outros citaram o fato de que não podemos generalizar os evangélicos – como se eu tivesse o feito no texto – e devemos saber separar os fiéis dos lobos pastores que os “induzem” a seguir a um evangelho distorcido, como se esses fiéis estivessem sob tortura a tê-los como seus condutores. Também fui cobrado a me posicionar contra o imperialismo, ao invés de “combater” os evangélicos e me opor a um diálogo com eles. O que, na visão de tais críticos, é algo salutar à democracia.
Vamos abordar então a parte que diz respeito ao combate ao imperialismo, que, na minha opinião, não pode ser feito sem que “combatamos” também a igreja, que é um elemento tão fundamental na estrutura imperialista, que poderia provocar enormes rachaduras em seu alicerce caso fosse retirada de suas bases. A definição de imperialismo nos apresenta um conjunto de ideias expansionistas aplicadas por uma nação sobre a outra. A colonização europeia ao redor do mundo é um bom exemplo a ser utilizado. Sobretudo, no que se refere a racialização étnica e a destruição cultural que ela promoveu e ainda promove na África, com o emprego de ações colonizadoras e imperialistas. Entre elas, a catequização ou a evangelização dos indivíduos nativos dessas localidades, impostas sob a égide da salvação de suas almas a partir de uma cultura religiosa superior. Ou seja, imperialista.
Não vou expandir esse conteúdo puxando um fio na Revolução Industrial de onde se originam as ações imperialistas, porque o texto ficará extenso e prolixo. Obviamente, é importante ter esse insight no sentido de entender como ela provocou mudanças nos meios de produção e alterou as relações patronais na sociedade com o surgimento da indústria. Ficaremos apenas na resposta à provocação que me foi feita. O termo imperialismo deriva da palavra “imperium”, do latim, “poder supremo”, algo que a igreja já exerceu com maior prestígio dentro das sociedades, mas que por conta das inúmeras atitudes perversas de seus líderes, incompatíveis com o propósito inicial para a qual ela se destinava, foi perdendo credibilidade e respeito. O expansionismo das seitas evangélicas como as conhecemos hoje no Brasil, se dá através de ações imperialistas e neo colonizadoras engendradas por atores internacionais, desde a chegada da Assembléia de Deus ao país, em 1911, trazida por dois “missionários” suecos e abrigada em Belém do Pará.
Porém, segundo a historiadora e professora cearense Jaquelini de Souza, há registros históricos dando conta de que a primeira igreja protestante brasileira teria sido criada por indígenas, por volta de 1630, durante a invasão holandesa ao Nordeste e se chamava “Igreja Reformada Potiguara”. Também há registros indicando que os primeiros “missionários” protestantes a desembarcarem no Brasil vieram da França em 1557, enviados pela Igreja Reformada Francesa, o que nos sugere uma disputa imperialista com o catolicismo português pelo controle religioso da região. Tendo origem na reforma protestante de Lutero, embora seus cultos e liturgias sejam bem diferentes, a igreja evangélica brasileira é essencialmente colonial e ativamente colonizadora, o que dificulta o seu diálogo com ideologias anticapitalistas e anti-imperialistas, por ser ela, assim como a igreja católica, um dos instrumentos do expansionismo comercial europeu.
Entendo que a maioria dos fiéis evangélicos não têm conhecimento histórico a respeito do que seja o imperialismo, nem o defendem conscientemente dentro de sua fé. O que lhes chega como mensagem supostamente divina, é que tal igreja garantirá a salvação eterna a quem a ela se converter e aceitar a Jesus como salvador de sua alma. Dogma este que costuma ser defendido e preservado por meio de demônios folclóricos (o comunismo é um deles) e de um pânico moral (o casamento homoafetivo é um exemplo) promovido pelos seus líderes, a pretexto de uma luta do bem contra o mal, onde o mal é definido como tudo aquilo que se opõe ou contesta o que essa igreja e seus líderes pregam e determinam que seja feito por suas ovelhas. Levando-se em conta que religião é algo cultural e que os povos originários desta terra não eram nem católicos, nem protestantes e sofreram, juntamente com os africanos que posteriormente vieram para cá sob escravização, um processo colonizador após a invasão portuguesa, podemos afirmar que imperialismo e cristianismo é um pleonasmo litúrgico. Sendo o cristianismo neopentecostal, um dos braços fortes do capitalismo imperialista em nosso tempo. A teologia da prosperidade não me deixa mentir e nem ser acusado de intolerância religiosa ou ideológica.
A minha proposição aos adeptos do diálogo com a igreja neopentecostal imperialista é: tentem convencer os seus fiéis de que Jesus Cristo não está presente no evangelho que lhes é ensinado por pastores como Silas Malafaia, Edir Macedo, Marco Feliciano, entre muitos outros, quando alguns desses fiéis prosperaram economicamente em suas vidas, o que é raro de acontecer apenas pelo fato de eles estarem associados a uma dessas seitas. A não ser que ele seja o dono de uma delas. Contaminados na essência pela proposta imperialista da igreja e seduzidos pela pregação capitalista de seus pastores, que lhes promete prosperidade material e outros milagres conquistados por meio da fidelidade ao deus dízimo, tais fiéis os exorcizariam como fariam ao próprio diabo, acreditando estarem diante de alguém que ameaça o seu bem-estar e a sua salvação. Uma das principais recomendações dadas aos crentes por seus líderes, é para que eles não estejam em jugo desigual com os infiéis. Entre outras palavras, que não se misturem com os “mundanos”, e a esquerda, para eles, é o pecado encarnado.
Quando Jesus Cristo disse, segundo a Bíblia, “ide pelo mundo e pregai o evangelho a toda criatura”, ele não estava sugerindo que igrejas fossem construídas, mas que o espírito de Deus fosse compartilhado com todos, por aqueles que o carregavam dentro de si. Um espírito de paz, amor, união e fraternidade, sentimentos que estão cada vez mais ausentes nas igrejas. Quando foram reclamar com Jesus dos impostos que tinham que ser pagos a César, ele também não sugeriu que os seus seguidores criassem um partido ou que se organizassem em grupos políticos para criarem ou defenderem leis que melhor os favorecessem, como faz a bancada evangélica que é majoritariamente alinhada aos interesses capitalistas e contrária à classe trabalhadora. O seu “à César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, significa respeito ao Estado laico e democrático de direito, que deve estar separado das crenças religiosas pessoais de cada um.
E é sempre bom escurecer que o cristianismo que queimou pessoas vivas na fogueira santa, que apoiou e se beneficiou da escravização de seres humanos, que é um dos braços fortes do capitalismo imperialista e que hoje apoia o fascismo, se posicionando contra governos de esquerda que defendem a inclusão social e o assistencialismo aos mais vulneráveis e apoiando governos conservadores, genocidas e propagadores de ódio, violência, preconceito e intolerância, não tem nada a ver com o evangelho de Cristo. O evangelho de Jesus ficou na igreja primitiva que era perseguida pelo Império Romano e cujo culto era espiritual, interno e não voltado para nada visível. Diferentemente da religião romana, a partir da qual se concebeu o cristianismo de estado sob as vestes da Igreja Católica e seus altares e imagens de culto. Embora os neopentecostais tentem se associar à igreja primitiva em parte do seu discurso, principalmente quando tentam sugerir uma perseguição a eles por pregarem a “verdade”, suas ações, assim como a outra parte do seu discurso, os afastam completamente da originalidade e essência do culto primitivo à Jesus Cristo.
Corrompidos por convicção e crença, a eles só resta agonizarem sob a distopia colonizadora e imperialista dos seus últimos dias, sofrendo e fazendo sofrer por saberem que o mundo inteiro nunca se renderá às suas “boas intenções” e ao seu evangelho pentateuco que defende a violência, o preconceito, a exclusão e até a morte de pessoas em nome de um deus que eles criaram a imagem e semelhança de suas essências humanas. Toda espécie de divisão e contenda que existe sobre a terra foi criada pelos religiosos fundamentalistas, sob a inspiração de um deus interior mal adaptado a uma fraterna convivência com as diferenças. Era preciso ter o domínio sobre o outro, impor a ele a sua ideia de superioridade, de unção divina e desejo de poder. Os “profetas” da Bíblia não me deixam mentir, quando sugerem que Deus fala com eles porque os consideram seres superiores aos demais. E quantos evangélicos não repetem essa mesmo comportamento nos dias de hoje, seja em forma de patuscada ou pantomima? Deus me revelou, Deus me mostrou, Jesus me levou ali, o espírito santo me trouxe aqui, eu profetizo em nome do senhor. Várias formas de exaltar a si mesmo como preferido ou preferida do senhor, sob a capa de uma humildade que lhe faz superior aos demais porque “Deus quis assim”. Faces de um imperialismo que pode ser mais antigo do que se imagina.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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