Informes do olho do furacão: Nestlé e Crédit Suisse
Este momento também é uma oportunidade para mostrar a pequenez e o isolamento da direita brasileira
Os últimos dias tem sido turbulentos na Suíça.
Nesta última sexta-feira, dia 17 de março, o jornal da Suíça Blick publicou uma reportagem sobre a venda dos direitos de exploração da água de uma das maiores fontes do país:
“A venda prevista da fonte de água potável ‘Mühlackern’ no cantão do Valais está sendo discutida no Parlamento Federal. Os direitos de exploração da água da nascente na aldeia de Turtmann no cantão de Valais serão vendidos à China, como o Blick tornou público. Para evitar isto, o co-líder do Partido Socialista Cédric Wermuth (37) apresentou uma moção ao Conselho Nacional pouco antes do final da sessão. (...) ele (Wernuth) quer saber como se pode impedir a venda da nossa água potável à estrangeiros. ‘É claro como a luz do dia: temos de impedir isto.’ (...) .‘É claro’, diz o líder do partido Wermuth, ‘tendo em conta a crescente escassez de água, o acesso à água potável torna-se cada vez mais importante. É por isso que infra-estruturas estratégicas como as fontes de água potável devem absolutamente permanecer sob controle doméstico’. “(1)
É muito bom saber que na Suíça um parlamentar afirme que fontes de água são estratégicas e não devem ser vendidas à estrangeiros, sobretudo em tempos de aquecimento global. Porém, ao manifestar a sua justa preocupação, o parlamentar parece ter se esquecido de que um dos negócios mais lucrativos da empresa transnacional Nestlé, com sede na Suíça, seja justamente o da venda de água explorada e engarrafada de fontes adquiridas pela Nestlé em diversos países do mundo. Esta contradição não passou desapercebida do público suíço. A matéria do Blick suscitou vários comentários, a maioria dos quais concordando com o parlamentar, porém também mencionando que o que os investidores chineses pretendem fazer na Suíça é exatamente o que a Nestlé vem fazendo há anos em todo o mundo.
Isto abre uma discussão dentro da Suíça sobre a legitimidade das operações da Nestlé e da óbvia contradição entre estas e os interesses nacionais da Suíça conforme defendidos pelo parlamentar Wermuth : como justificar agora a exploração das fontes de água de outros países pela Nestlé quando na própria Suíça se quer proibir a venda de suas fontes de água à estrangeiros? Esta abertura deve ser aproveitada por todos os movimentos que lutam pela defesa de suas fontes de água da exploração pelas grandes empresas da indústria engarrafadora de água e levar esta discussão à Suíça. É importante lembrar que o influente Water Resources Group – WRG – a instituição que reúne as grandes empresas engarrafadoras como a Nestlé, a Coca-cola e a Pepsi, entre outras – foi criado graças ao apoio do governo da Suíça através do seu orgão de cooperação internacional para o desenvolvimento, o SDC da sigla em inglês. O WRG atua principalmente para facilitar projetos de privatização da água, inclusive no Brasil onde o WRG abriu um escritório para apoiar o processo de privatização da SABESP. (2)
Este é o momento para que parlamentares e sindicatos que defendem as empresas públicas de água entrem em contato com o Partido Socialista Suíço, com os sindicatos do setor público suíços e outras entidades deste país para iniciar uma ampla discussão internacional sobre a privatização da água e do papel de empresas como a Nestlé e de instituições como o WRG neste processo. Os argumentos apresentados pelo parlamentar Cédric Wermuth são exatamente os mesmo que podem ser utilizados por qualquer outro país para defender suas reservas de água.A reação à reportage do jornal Blick indica que a população da Suíça apoiaria uma tal iniciativa.
CRÉDIT SUISSE
Mas o furacão começo mesmo no domingo, dia 19 de março, com o anúncio, em rede nacional, feito pelo governo da Suíça, das medidas para recuperar o banco Crédit Suisse e de sua venda para o UBS.
A magnitude dos valores envolvidos para sanear o Crédit Suisse gerou revolta e indignação até mesmo entre partidos políticos da direita Suíça, tradicionais defensores do mercado e do setor privado. A Confederação – o governo Suíço – e o Banco Central da Suíça colocaram nesta operação o total de 209 bilhões de francos suíços. Para dar uma idéia do que representa este valor, o PIB da Suíça em 2021 foi de cerca de 629 bilhões de dólares. O franco suíço vale aproximadamente o mesmo que o dólar – 1 franco está sendo cotado a 1,08 dólar. Deste modo, em torno de 1/3 do PIB da Suíça foi colocado à disposição do Crédit Suisse. Recorrendo à imagens tiradas da astrofísica para melhor entender a situação, é como se o Crédit Suisse tivesse se transformado num buraco negro engolindo os recursos públicos ao redor dele. Por outro lado, a fusão com o UBS criou uma entidade gigantesca. Conforme veiculado pela imprensa suíça:
“O novo UBS terá 3,4 trilhóes de dólares em ativos sob gestão e cerca de 120.000 empregados. Segundo analistas isto faz do UBS o segundo maior gestor de ativos privados do mundo, depois do Morgan Stanley. O ativo total do banco fusionado de 1,7 trilhões de dólares seria maior que o dobro do PIB da Suíça.”
E se ocorrer no futuro com o UBS uma supernova, como dizem os astronomos?
Uma supernova é uma “ explosão estelar poderosa e luminosa. Este evento astronômico transitório ocorre durante os últimos estágios evolutivos de uma estrela massiva...” (3)
O UBS tornou-se esta ‘estrela massiva’, evento perigoso quando tudo indica que estamos vivendo os ‘últimos estágios evolutivos’ do sistema capitalista. Na crise de 2008, é preciso lembrar, o UBS já teve que ser resgatado – bailout – pelo governo suíço, engolindo na época também vastas quantidades de recursos públicos.
Os valore pagos pelo Crédit Suisse aos seus diretores – os bônus – e o fato de que tanto o Governo da Suíça quanto o banco sequer mencionarem a responsabilidade destes admistradores nesta catástrofe, causou também muita revolta e indignação. E novamente as críticas mais virulentas vieram da direita. O Partido Popular Suíço – SVP da sigla em alemão – o partido com maior representação no Parlamento suíço e um tradicional partido da direita, publicou um comunicado de imprensa poucas horas após o anúncio do governo, declarando:
“As dificuldades do Crédit Suisse são o resultado de decisões de gestão fatais.(...) Entretanto, a direção pagou salários de milhões sem nunca ter de assumir a responsabilidade.(...) Os Suíços devem pagar pelos erros de gestão do CS e pelos roubos na gestão com bilhões de ativos nacionais.” (4)
Já o Senador Thomas Minder, sem partido, mas muito próximo ao SVP, comentou:
“Tem de haver responsabilidade nas empresas até ao nível do patrimônio privado. Há muito tempo que venho exigindo isto. Não é aceitável que estas pessoas não sejam processadas por tais distorções e erros. Não é simplesmente a estupidez que está por trás disso, mas a condução criminosa.”
Os executivos do CS receberam de fato imensas quantias. Segundo um levantamento feito pelo principal jornal de língua alemã da Suíça, o ‘Tages Anzeiger’, o CS teve nos últimos dez anos uma perda de mais de 3 bilhões de francos. No mesmo período, contudo, pagou 32 bilhões (!!!) de francos em bônus aos gestores no topo da instituição.
Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira devem estar morrendo de inveja dos seus colegas suíços. Responsáveis pela fraude de 40 bilhões de reais nas Lojas Americanas, estes três homens mais ricos do Brasil não podem deixar de admirar o trabalho realizado pelos seus colegas na Suíça que receberam em dez anos 32 bilhões de francos suíços como recompensa por acabarem com um banco do tamanho do Crédit Suisse! Isso sim é coisa de primeiro mundo!A gestão suíça mostra uma superioridade inegável sobre a brasileira!
As críticas contundentes da direita suíça a todo este processo são um fato novo e importante que revela a gravidade e a a amplitude da crise do capitalismo. Nem mesmo os mais sisudos e intransigentes defensores do mercado acreditam mais na legitimidade de suas próprias instituições e exigem mudanças profundas no sistema.
Lições da Suíça para o Brasil
Enquanto em um dos centros do capitalismo financeiro mundial, a ‘finanzplatz’ de Zurique, os crimes na gestão do Crédit Suisse e de todo o sistema que o defende são duramente denunciados e criticados até pela mais extremada direita suíça, no Brasil vários setores da esquerda tentam ainda contemporizar com o mercado e com seus representantes. Os jornais da Suíça publicam acusações e exigencias dos partidos de direita em relação ao neoliberalismo vigente que a esquerda brasileira em geral sequer ousa formular!
Assim como no caso na Nestlé acima mencionado, esta crise do Crédit Suisse cria uma oportunidade única para a esquerda brasileira iniciar um debate com as instituições na Suíça. Cabe aos parlamentares brasileiros, aos sindicatos – sobretudo bancários – estabelecerem pontes de diálogo com suas contrapartes suíças, ou seja, em um dos mais importantes centros do capitalismo mundial, para fortalecer uma frente internacional de luta comum contra o neoliberalismo e suas consequências.
Jorge Paulo Lemann é bem protegido pela sua cidadania suíça. Mas ele deve estar assustado com o volume e a intensidade da crítica, da revolta e da indignação na Suíça contra seus colegas. O caso das Lojas Americanas é praticamente desconhecido na Suíça, mas há o envolvimento de um proeminente cidadão suíço numa fraude que certamente causaria a mesma indignação e revolta aqui que já causou a situação do Crédit Suisse.
Este momento também é uma oportunidade para mostrar a pequenez e o isolamento da direita brasileira quando até mesmo a direita num dos países centrais do capitalismo diz ‘BASTA’.
(2) https://jornalggn.com.br/desenvolvimento/as-aguas-do-brasil-o-que-vem-por-ai-franklin-frederick/
(3) https://pt.wikipedia.org/wiki/Supernova
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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