Ir para as ruas adianta?
"Ficar à margem e em silêncio nesta hora, é, mais que ser resignado, ser cúmplice dos horrores vividos pelo país e da boçalidade do Genocida psicopata que habita o palacio presidencial", escreve Eric Nepomuceno
Confesso que não me lembro da última vez em que participei de uma passeata de protesto. Não me refiro a atos de campanha eleitoral ou de defesa de alguma causa: estou falando de passeata de protesto.
Pois no sábado fui. Havia um sol cálido no centro do Rio, onde eu também não ia há sei lá quanto tempo. Reencontrei gente que não via há séculos. Uma antiga e querida amiga me contou que o último abraço dado por ela foi em minha companheira e em mim, no sábado 14 de março de 2020. Que aliás, e até sábado agora, tinha sido nosso último encontro.
Fiquei impressionado com a quantidade de gente que passava pela avenida Presidente Vargas, rumo à Candelária. Estacionei ali um tempinho, o suficiente para ver grupos organizados que iam de crianças negras a veteranos de 1968.
Vi várias senhoras e senhores em cadeira de rodas, vi senhores e senhoras de bengala, de muleta. Vi garotos e garotas no esplendor da juventude. Vi de tudo, e em tudo havia um entusiasmo, uma empolgação por poder externar o sufoco que nos atinge a todos. Havia, sim, muito fumaça – mas não a insinuada pelo Genocida. O que pairava no ar e nos encobria era o resultado da indignação nos queimando por dentro. Não entrei na corrente de milhares de gentes que se dirigiam ao palco principal do protesto.
Preferi caminhar na contramão, para contemplar rostos e olhares, compartilhar lampejos de indignação e esperança. De volta em casa vi imagens de outras cidades, e me impressionaram principalmente as de Salvador, de Belo Horizonte, do Recife, de São Paulo. E desde então uma pergunta ficou rondando minha cabeça: adianta ir para as ruas?
Claro que vale o argumento de que a pandemia e o medo de contágio afastam muita gente. A pergunta é: quanta gente? Afinal, havia muitíssimos jovens que certamente ainda não levaram a segunda dose da vacina, se é que levaram a primeira. E então, cadê essa gente que poderia ter aparecido e não apareceu?
E quem estava lá o que espera que aconteça?
Afinal, com a maioria da Câmara de Deputados alugada por Jair Messias e com o Centrão se apoderando daquilo que resta do governo, a possibilidade de que um pedido de impeachment seja aprovado é quase zero.
É muito difícil saber até que ponto manifestações, ainda que multitudinárias como as do sábado, tenham impacto maior na opinião pública. E mais ainda nos donos do dinheiro, que em sua maioria continuam acalentando Jair Messias e sua corja.
Certamente impactam o Congresso, mas foi justamente por isso que a maioria se deixou alugar.
Então: diante desse quadro e da tragédia vivida pelo país cada vez mais destroçado ir para as ruas adianta alguma coisa?
Adianta. E muito. Primeiro, para se sentir vivo. Segundo, para alguma hora conseguir atrair mais e mais gente. Terceiro, para mostrar que uma parcela mais que significativa dos brasileiros não vai se resignar. E quarto, para deixar claro aos políticos profissionais que tem gente, muitíssima gente, de olho neles.
Na próxima, vou estar lá de novo. E de novo, e de novo. Para sentir no rosto a brisa da esperança e acelerar na alma o vendaval de indignação.
Ficar à margem e em silêncio nesta hora, é, mais que ser resignado, ser cúmplice dos horrores vividos pelo país e da boçalidade do Genocida psicopata que habita o palacio presidencial.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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