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    Lejeune Mirhan

    Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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    Israel sofre a sua maior derrota em 75 anos

    "A aura que protegia o sionismo, até com base no mito de “povo escolhido e terra prometida por deus” acabou", escreve o professor Lejeune Mirhan

    Joan Donoghue, presidente da Corte Internacional de Justiça (Foto: Reprodução)

    O dia 26 de janeiro vai entrar para a história como o dia que Israel sofreu a sua maior derrota política e diplomática desde que foi criado em maio de 1948, como um estado anômalo, quando a entidade sionista foi instituída. A Corte Internacional de Justiça – que é parte constitutiva do sistema das Nações Unidas e pilar de todo o direito internacional exarou um conjunto de decisões que impuseram uma derrota acachapante, humilhante, jamais vista.  

    A Corte Internacional de Justiça abriu seus trabalhos esta manhã, com a leitura às 9h – horário de Brasília – quando a presidente do Tribunal leu o veredito do colegiado de 17 juízes. Todas as manchetes dos principais jornais nacionais e internacionais, após a decisão, publicaram manchetes que jogavam para baixo a retumbante decisão que a Corte tomou contra Israel1. 

    Vejam por exemplo a manchete que a Folha de S. Paulo estampou durante todo o dia “Corte frustra os palestinos ao não pedir um cessar-fogo”2. A leitura foi feita pela presidente da Corte, a juíza novaiorquina Joan Denoghue3. A primeira polêmica ao final da leitura veios de setores que não compreenderam a dimensão dessa histórica decisão.

    Disseram-se frustrados porque a Corte não pediu o cessar-fogo, “apenas” ordenou que Israel não pratique com seus soldados um genocídio do povo palestino e ordenou ainda que Israel garanta a sobrevivência da população de Gaza com o imediato ingresso de ajuda humanitária, alimentação, medicamentos, materiais básicos de infraestrutura, garantia de água tratada e religamento da energia elétrica. O termo técnico para isso foi dito com as seguintes palavras: “provenha condições para a existência do povo palestino”.

    Mas o veredito lido foi muito mais além. Nos seu preâmbulo, preliminares e condicionantes da decisão, a Corte disse estar consciente dos estragos, dos danos materiais causados e as mortes dos palestinos em Gaza. A Corte rejeitou o pedido da defesa de Israel para o arquivamento do processo proposto pela África do Sul. 

    A Corte rejeitou ainda o que Israel argumentou, que a CIJ não tem qualificação para julgar um eventual crime de genocídio. A presidente assegurou que a Corte é sim o fórum legítimo para julgar acusações de genocídios, por ser ela o instrumento das Nações Unidas, de acordo com o Artigo 92 da Carta da ONU de 1945, que julga a ação dos Estados membros das Nações Unidas. E, a Corte é o órgão da ONU que acompanha a aplicação da Convenção de Prevenção de Genocídios, assinada em 19484.

    A CIJ é  absolutamente legítima com relação a julgar o pedido em discussão, de forma que a Corte acolheu o pedido feito pelos advogados que representavam a África do Sul. Mas, a Corte tomou algumas medidas preliminares, também acatando pedidos constantes no requerimento inicial.

    Pessoalmente, eu entendo que a CIJ não explicitou a ordem de cessar-fogo, porque ela deve ter entendido que isto compete às Nações Unidas ou à Assembleia Geral ou ao Conselho de Segurança. Na justificativa que fez para julgar o pedido a Corte disse claramente que há indícios, há evidências suficiente para sustentar a acusação de genocídio. 

    Sem dúvida, isso aponta para uma perspectiva de um acatamento da decisão de genocídio, ainda que não saibamos se ela vai usar exatamente essa palavra em sua decisão final. Acho muito difícil Israel escapar de uma condenação relacionada com a caracterização do genocídio.

    Eu havia vaticinado algumas vezes no transcorrer da semana, que seria provável que a Corte pedisse um cessar-fogo, mesmo que usasse outra terminologia equivalente. Mas, ao ela dizer que Israel tem que garantir o acesso à comida, medicamento, produtos de primeira necessidade, ou seja, Israel tem que liberar as passagens para Gaza voltar a ter uma vida normal. 

    Como tudo isso seria possível sem um cessar-fogo? Aliás, o próprio Netanyahu, por iniciativa do seu governo, está pedindo um cessar-fogo de 60 dias para seguir a troca de prisioneiros (aliás, se não for por troca, não se libertam prisioneiros de guerra).

    É preciso esclarecer que quando a juíza lê esse veredito, não é a opinião dela pessoal. Esse texto foi submetido aos juízes, ao coletivo. Um outro aspecto foi a crítica feita pela Corte à linguagem desumanizante adotada por Israel contra os palestinos. No veredito foram mencionados várias frases que comprovam isso, sendo a mais destacada dessas a do ministro da Defesa, Yoav Gallant, que diz que os palestinos “não são humanos e que estão lidando com animais” (sic). 

    A decisão foi muito clara e no sentido de que os palestinos têm todo o direito à proteção contra atos de genocídio. Na essência, a corte acatou a preliminar da África do Sul que pede garantias imediatas de sobrevivência para o povo palestino. 

    Foi uma vitória retumbante, que, infelizmente, parte de pessoas do nosso campo, ditas de esquerda, não viram como vitória. Aliás, ao contrário. Muitas chegaram a dizer que os palestinos sofreram uma “derrota na Corte” (sic). 

    Incrível essa visão negativista. Incrível uma análise dessa envergadura. Eu vejo completamente de forma oposta. Nunca em 75 anos, Israel sofreu tão contundente derrota. E essa é a opinião da própria resistência palestina.

    Volto a dizer: Israel nunca esteve tão isolado como agora. No entanto, não bastasse o seu isolamento, submeteram-se a uma Corte de Justiça das Nações Unidas – na condição de réus – e eles não poderão não acatar. 

    Se assim o fizerem, em meu entendimento, correm o risco de serem banidos do sistema das Nações Unidas. Já vieram inclusive sinais que Israel dará de ombros para todas essas decisões. É um risco que eles assumem. 

    Um risco imenso. Israel sempre foi um estado pária, um estado bandido, que não acata decisões das Nações Unidas. Mas, agora, as coisas mudam completamente de figura, pois seria um desrespeito a uma Corte que é parte da ONU, criada com ela justamente para julgar seus estados-membros. 

    Em meu entendimento, não há como uma nação, membro da ONU, não cumprir uma decisão. Mal comparando, seria como um juiz em primeira instância proceder a um julgamento a uma pessoa por um crime, condenar essa pessoa e determinar a sua prisão e a pessoa dizer: não estou nem aí para essa decisão. Não irei preso.

    Mas esta já é a segunda derrota de Israel. A primeira derrota foi justamente a humilhação para o estado sionista, opressor e genocida, que está cometendo um holocausto contra os palestinos, de sentar-se no banco dos réus. 

    Por certo, só o julgamento final dirá, finalmente, se Israel é criminoso ou não, pois a sentença ainda não foi proferida. Mas ela já é ré. Israel sentado no banco dos réus foi o que de mais importante aconteceu no Oriente Médio desde 1948, desde a criação daquele Estado sionista. E agora, uma quase condenação por genocídio em andamento.

    Preliminarmente, ainda não se entrou no mérito do pedido da África do Sul, sobre se Israel comete crime de genocídio. No entanto, também preliminarmente, a Corte determina que Israel mude imediatamente a sua conduta, que é um tipo de cessar-fogo e permita que a vida em Gaza volte ao normal e os palestinos tenha acesso a coisas básicas. 

    Eles estão bebendo água suja, água não tratada, água com barro, estão cozinhando com água contaminada; não há energia elétrica; não há telefonia. Doenças infecciosas graça por toda a Faixa de Gaza. Tudo isso foi mencionado nas preliminares.

    Publico a seguir, um pequeno resumo, com a linguagem do veredito, da sentença, as principais decisões da Corte Internacional de Justiça:

    • 1. Prevenir a prática de atos que matem ou causem danos físicos ou mentais graves aos palestinos. Os atos estão especificados no Artigo 2 da convenção sobre o genocídio;
    • 2. Garantir que seus militares não cometam nenhum dos atos acima mencionados;
    • 3. Prevenir e punir qualquer incitamento público e direto a cometer genocídio;
    • 4. Permitir a prestação de serviços básicos urgentemente necessários e assistência humanitária aos palestinos em Gaza;
    • 5. Impedir a destruição de qualquer evidência relacionada a alegações de atos de genocídio;
    • 6. Apresentar um relatório ao tribunal sobre todas as medidas tomadas ao cumprir estas ordens.

    A Corte determinou ainda que Israel entregue-lhes um relatório detalhado em 30 dias sobre o cumprimento e andamento da aplicação de todas as decisões da Corte. A Corte determinou ainda que sejam preservadas todas as evidências e provas que possam servir para julgamento futuro da acusação de crime de genocídio.

    É preciso dizer que nem todas as decisões foram unânimes. Algumas foram tomadas por 16 a 1 ou 15 a 2. Mas, temos que registrar para a posteridade, em todas as decisões proferidas, uma juíza de Uganda, cujo nome é Júlia Sibutende. Lamentável.

    Conclusões no calor dos acontecimentos

    Acabei de completar agora em dezembro de 2023, meus 67 anos. Jamais imaginei que veria algumas coisas que tenho visto. Uma delas é mais de 200 mil refugiados israelenses, vivendo em barracas de lona. Jamais imaginei que Israel perderia – como vem perdendo – uma guerra para jovens guerrilheiros, ela mesmo que ostenta ter “vencido” (sic) todas as guerras que teve com os árabes (eles jamais usam o termo palestinos).

    O número de soldados mortos nesta guerra contra os palestinos que ultrapassa 110 dias é um segredo de estado. Fontes não oficiais falam de 250 (que Israel admite) até pelo menos seis vezes esse número. Mutilados são milhares (como anunciou o jornal sionista Yedioth Ahronot). A resistência abateu mais de 800 blindados e tanques.

    Israel não consegue cumprir nenhum dos objetivos fixados no início da guerra contra os palestinos, quais sejam: 1. Ocupar Gaza; 2. Acabar com o Hamas e 3. Libertar todos os reféns. Passados mais de 110 dias e terem assassinado mais de 26 mil palestinos, dos quais 70% mulheres e crianças, todos os jornais ocidentais dizem que no máximo 20 a 30% dos combatentes palestinos foram mortos5. 

    Sobre a ocupação de Gaza, jamais conseguiram ocupar sequer o Norte da Faixa de Gaza, que dirá o Sul, onde tem bombardeado muitas concentrações de palestinos, aumentando o peso sobre as acusações de genocídio. Será impossível ocupar Gaza e extinguir o Hamas. Não se extingue a resistência de um povo, ainda mais este sendo um povo milenar de mais de cinco mil anos de história.

    Por fim, sobre a libertação do que a mídia chama de “reféns”, cujo termo tem profunda conotação pejorativa. É como se esses israelenses, em poder da resistência, tivessem sido sequestrados. Não. Foram capturados em combate e são prisioneiros de guerra. 

    Da mesma forma o que a mídia chama de “prisioneiros palestinos”, tentando passar a imagem de que eles teriam cometidos algum crime em Israel, eles são, na verdade, prisioneiros de guerra e verdadeiros reféns das famílias, para que estas não lutem pela libertação. Os únicos prisioneiros de guerra palestinos que foram soltos, foram na verdade trocados na proporção de um para três. Em momento algum pode-se atribuir ao governo do sionista fascista Nethanyahu, o mérito por essas libertações. 

    Agora, acuado por ataques ao Norte de Israel pela guerrilha da resistência libanesa, acossados ao leste por guerrilheiros que atacam nas colinas de Golã, Israel vê-se isolada de toda a ligação com o comércio marítimo internacional, deixando seu maior porto de Eilat às moscas. Isso porque a guerrilha Houthi, em um movimento de solidariedade aos palestinos, fechou completamente o Mar Vermelho.

    E os EUA, o maior aliado e incentivador do genocídio praticado por Israel, vê-se na obrigação de abrir uma nova guerra – desta vez contra o Iêmen – saindo em defesa do estado sionista. Apelam até para a China, para que esse país ajude na abertura do Mar Vermelho, o que não vai ocorrer. 

    Se por tudo isso não podemos afirmar que nunca Israel esteve em situação tão dramática como hoje, não sei mais o que precisaria ocorrer para afirmarmos isso. Israel já perdeu essa guerra. A aura que protegia o sionismo, até com base no mito de “povo escolhido e terra prometida por deus” acabou. 

    Tudo isso como prova cabal de que já vivemos em um mundo multipolar.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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