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    Chico Teixeira

    Historiador e professor titular da UFRJ

    21 artigos

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    Jango e os arquivos da CIA

    "A construção do 'Jango abobalhado' foi uma farsa criada pela CIA e abraçada com entusiasmo pelos golpistas de 1964"

    (Foto: Fundação Leonel Brizola)

    Na verdade, temos poucas novidades sobre a História do Golpe de 1964 nos arquivos liberados na semana passada por Trump. A presença dos Estados Unidos, o papel autoatribuído de vice-rei do Brasil pelo embaixador Lincoln Gordon (como se dizia então nas hostes da UDN e dos militares golpistas: "— Chega de intermediários, Lincoln Gordon para Presidente!"). O embaixador dos Estados Unidos tornou-se o defensor do golpe, da tese de Goulart comunista e da esdrúxula forma de "ditadura sindicalista" como objetivo de Jango, tudo para justificar a derrubada violenta do regime constitucional no Brasil. Vê-se, também, a disposição de John Kennedy em patrocinar um golpe de Estado no Brasil, sem quaisquer receios ou envergonhamento. E, assim, abriram-se as portas para os demais golpes na Argentina, Uruguai, Chile e por todo o continente, com seu cortejo de horrores. 

    No mais, já sabíamos da fabricação americana, em conluio com as elites "nativas", do golpe de 1964. No entanto, há um tópico novo: a descrição de Goulart como um abobalhado que não conhecia o Brasil e "vivia no mundo da fantasia", o que, pois, permitia ser manipulado pela longa mão de Moscou. Durante décadas, após o Golpe de 1964, circularam mentiras — basta em ocultar e negar a História sob o véu de "narrativas" — descrevendo Jango como beberrão, mulherengo e "aéreo", um sem-noção no Planalto. A História nos diz que não: Goulart vivia política, respirava as lutas sociais do seu tempo. Fora Ministro do Trabalho de Vargas, em 1951; líder do PTB, o vice-presidente mais votado da História do Brasil (então o vice-presidente era eleito por voto direto), organizou uma das mais importantes campanhas populares da nossa História, o plebiscito pelo "Não" ao Parlamentarismo imposto pelo golpe militar de 1961; promoveu o maior plano de transformação do país, as chamadas "Reformas de Base", e, ao ser alijado do poder em 1964, era o político mais popular do país, com seu governo alcançando 80% de aprovação. A construção de um Jango desligado do país que buscava transformar era, e ainda é, uma forma construída pela CIA, e incorporada com alegria pelos golpistas civis e militares para justificar o Golpe de 1964. 

    O governo Jango foi o momento da maior, da esplêndida, incorporação de grandes intelectuais no processo de transformar e superar a herança colonial do Brasil, através de um programa — as Reformas de Base — que ainda hoje nos falta. Lá estavam, no ministério, Darcy Ribeiro, na Casa Civil e depois na Educação; Celso Furtado, no Planejamento; Paulo de Tarso, na Educação; Walter Sales, na Fazenda; Abelardo Jurema, na Justiça; Almino Afonso, no Trabalho; Evandro Lins e Silva, na Casa Civil; San Tiago Dantas, no Itamaraty, onde implantou, em plena Guerra Fria, a chamada "Política Externa Independente" e, mesmo no segundo escalão, estavam luminares com a grandeza de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Maria Yedda Linhares.

    Temos, pois, que ter um imenso cuidado em usar, e acreditar, nos agentes do imperialismo que amavam os grandes brasileiros à própria morte. O negacionismo, então, não tinha tal nome, mas agia encoberto pelos interesses das elites, formadas no imperialismo, que projetaram o fracasso, a desigualdade e a Ditadura como seu projeto de Brasil.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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