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    Chris Hedges

    Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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    Julian Assange: a batalha mais importante pela liberdade de imprensa nos nossos tempos

    Caso ele seja extraditado e considerado culpado, o novo precedente legal acabará com a reportagem sobre a segurança nacional, escreve o jornalista Chris Hedges

    Julian Assange (Foto: REUTERS / Simon Dawson)

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    Artigo originalmente publicado no Sheer Post (conteúdo cedido ao 247)

    Tradução de Rubens Turkienicz

    WASHINGTON, D.C. – Durante os últimos dois dias, estive assistindo via uma conexão de vídeo de Londres as oitivas para a extradição de Julian Assange. Os Estados Unidos estão apelando a decisão de um tribunal de primeira instância que indeferiu o pedido dos EUA para extraditar Assange – infelizmente, não porque na visão do tribunal ele seja inocente de um crime, porém – como a juíza Vanessa Baraitser concluiu em janeiro – porque o estado psicológico precário do Assange se deterioraria, dadas as “duras condições” do sistema inumano do sistema prisional dos EUA, “induzindo-o a cometer suicídio”. Os Estados Unidos indiciaram Assange em 17 acusações sob o Ato de Espionagem (Espionage Act), acusações que poderiam aprisioná-lo por 175 anos.

    Assange, com o seu longo cabelo branco, apareceu na tela no primeiro dia da sala de videoconferência na Prisão de Belmarsh. Ele vestia uma camisa branca, com uma gravata sem nó, solta ao redor do seu pescoço. Ele aparentava estar esquelético e cansado. Os juízes explicaram que ele não estava na sala do tribunal porque estava recebendo a “uma alta dose de medicações”. No segundo dia, aparentemente ele não estava presente na sala de videoconferência da prisão.

    Assange está sendo extraditado porque a sua organização – Wikilieaks – publicou em outubro de 2010 os registros da Guerra do Iraque, os quais documentam numerosos crimes de guerra dos EUA – incluindo imagens de vídeo do fuzilamento de dois jornalistas da agência Reuters e de 10 outros civis desarmados, registrado no vídeo de assassinatos ‘Collateral’, sobre a tortura rotineira de prisioneiros iraquianos, o encobrimento de milhares de mortes de civis e o assassinato de cerca de 700 civis que chegaram perto demais de postos de controle dos EUA. Ele também está sendo visado pelas autoridades dos EUA por outros vazamentos – especialmente aqueles que expuseram as ferramentas de hacking usadas pela CIA, conhecidas como Vault 7 (Cofre 7), que permitem à agência de espionagem vigiar carros, TVs inteligentes, motores de busca na internet e os sistemas operacionais da maior parte dos telefones celulares, bem como de sistemas operacionais como Microsoft Windows, macOS e Linux.

    Caso Assange seja extraditado e for considerado culpado de publicar material classificado, isso estabelecerá um precedente legal que porá efetivamente um fim às reportagens sobre segurança nacional, permitindo que o governo use o Ato de Espionagem (Espionage Act) para indiciar qualquer repórter que possua documentos classificados e qualquer denunciante (whistleblower) que vaze informações classificadas.

    Se a apelação (recurso judicial) dos Estados Unidos for aceita, Assange será julgado novamente em Londres. Não se espera que a sentença sobre a apelação ocorra antes de janeiro de 2022.

    O julgamento de Assange em setembro de 2020 expôs dolorosamente quão vulnerável ele tornou-se após 12 anos de detenção, incluindo os sete anos passados na embaixada equatoriana em Londres. No passado, ele tentou o suicídio cortando os seus pulsos. Ele sofre de alucinações e de depressão, toma medicação antidepressiva e o remédio antipsicótico Quetiapine. Depois que se observou que ele caminhava de um lado para o outro na sua cela até colapsar no chão, que ele batia na sua própria face e batia a sua cabeça contra a parede, ele foi transferido por alguns meses para a ala médica da prisão de Belmarsch. As autoridades da prisão descobriram “metade de uma lâmina de barbear” escondida sob as suas meias. Ele chamou repetidamente a linha de ajuda contra suicídio operada pelos Samaritanos, porque pensava em matar-se “centenas de vezes por dia”.

    James Lewis, o advogado que representa o governo dos Estados Unidos, tentou desacreditar os relatórios médicos e psicológicos detalhados e perturbadores sobre Assange que foram apresentados ao tribunal em setembro de 2020, tentando caracterizá-lo como um mentiroso e um fingidor. O mesmo advogado desqualificou a decisão da Juiza Baraitser de impedir a extradição, questionou a competência dela e, de forma leviana, ignorou as montanhas de evidências de que os prisioneiros de alta segurança nos EUA - como Assange - são sujeitados à Medidas Administrativas Especiais (Special Administrative Measures – SAMs) e ficam detidos praticamente em isolamento virtual nas prisões supermax (prisões de segurança máxima), sofrem de aflição psicológica. O advogado de acusação atacou o Dr. Michael Kopelman - professor emérito do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’s College de Londres, quem examinou Assange e testemunhou pela defesa – acusando-o de enganar o ao “ocultar” o fato de que Assange gerou duas crianças com a sua noiva Stella Morris enquanto estava refugiado na embaixada equatoriana em Londres. Ele disse que, caso o governo australiano pedisse, Assange poderia cumprir o seu tempo de prisão na Austrália, sua terra natal, depois que as apelações tivessem sido exauridas, porém evitou prometer que Assange não seria detido em isolamento, ou que ficasse sujeito às SAMs.

    A autoridade repetidamente citada por Lewis para descrever as condições sob as quais Assange seria detido e julgado nos Estados Unidos foi Gordon Kromberg – o promotor público assistente do Distrito Leste da Virginia. Kromberg, é o grande inquisidor do governo em casos de terrorismo e segurança nacional. Ele expressou abertamente o seu desdém por muçulmanos e pelo Islamismo e condenou aquilo que ele chama de “islamização do sistema de justiça estadunidense”. Ele supervisionou os 9 anos de perseguição contra o ativista e acadêmico Dr. Sami Al-Arian e, num certo momento, recusou o pedido deste último para postergar a data da sua apresentação ao tribunal para após o feriado religioso de Ramadan. “Eles podem matar-se entre sí durante o Ramadan, portanto podem apresentar-se ao tribunal do júri. Eles só não podem comer antes do pôr do sol”, disse Kromberg numa conversa em 2007 - segundo uma declaração juramentada submetida por um dos advogados de Arian, Jack Fernandez.

    Kromberg criticou a Daniel Hale - o ex-analista da Força Aérea dos EUA que foi recentemente condenado a 45 meses numa prisão supermax (de segurança máxima) por haver vazado informações sobre as matanças indiscriminadas de civis feitas com drones - dizendo que Hale não contribuiu para o debate público, mas “colocou em perigo as vidas das pessoas que fazem a luta”. Ele ordenou que Chelsea Manning fosse aprisionada depois que ela se negou a testemunhar frente a um grande júri que investigava o WikiLeaks. Manning tentou cometer suicídio em março de 2020, enquanto estava detida na prisão da Virginia.

    Tendo feito a cobertura do caso de Syed Fahad Hashmi, que foi preso em Londres em 2006, eu tenho uma boa ideia do que aguarda Assange se ele for extraditado. Hashmi também foi detido em Belmarsch e foi extraditado aos Estados Unidos em 2007, onde passou três anos em confinamento solitário sob os SAMs. O seu “crime” foi que um conhecido que ficou no seu apartamento quando ele era estudante de mestrado em Londres tinha capas de chuva, ponchos e meias impermeáveis em depósito guardadas no apartamento dele. Este conhecido planejava entregar estes itens ao al-Qaida. Mas eu duvido que o governo estivesse preocupado com as meias impermeáveis que seriam enviadas ao Paquistão. Suspeito que a razão pela qual Hashmi foi visado – assim como no caso do ativista palestino Dr. Sami Al-Arian e como no de Assange – era que ele não tinha medo e dedicava-se zelosamente à defesa daqueles que estavam sendo bombardeados, alvejados por tiros, aterrorizados e mortos em todo o mundo muçulmano enquanto ele estudava no Brooklyn College.

    Hashmi era profundamente religioso e alguns dos seus pontos de vista – incluindo o seu louvor à resistência afegã – eram controversos, porém ele tinha o direito de expressar estes sentimentos. Ainda mais importante, ele tinha o direito de esperar ter a liberdade de não ser perseguido nem aprisionado por causa das suas opiniões – assim como Assange deveria ter a liberdade, como qualquer jornalista, de informar o público sobre o funcionamento interno do poder. Ao enfrentar a possibilidade de ser sentenciado a 70 anos de prisão e tendo já passado quatro anos na cadeia – a maior parte daquele tempo em confinamento solitário – Hashmi aceitou fazer uma delação premiada sobre uma acusação de conspiração para fornecer material de apoio ao terrorismo. A juíza Loretta Preska – que sentenciou o hacker Jeremy Hammond e o advogado de direitos humanos Steven Donziger – o condenou à sentença máxima de 15 anos. Hashmi ficou detido durante nove anos em condições similares às de Guantánamo nas instalações de supermax ADS (Administrative Maximum System) em Florence, Colorado – onde, se considerado culpado em um tribunal estadunidense, é quase certo que Assange seria aprisionado. Hashmi foi liberto em 2019.

    As condições de detenção pré-julgamento que Hashmi sofreu foram planejadas para quebrá-lo psicologicamente. Ele foi monitorado eletronicamente 24 horas por dia. Ele só podia receber ou enviar correio à sua família imediata. Ele foi proibido de falar com outros prisioneiros através das paredes. Lhe proibiram de participar de rezas em grupo. Lhe permitiam uma hora de exercícios por dia, numa jaula solitária sem ar fresco. Ele não pôde ver a maior parte das evidências usadas para indiciá-lo – as quais foram classificadas segundo o Ato de Procedimento de Informações Classificadas (Classified Information Procedures Act), promulgado para evitar que agentes de inteligência dos EUA processados judicialmente revelem segredos de estado, para manipular os procedimentos legais. As duras condições debilitaram a sua saúde física e psicológica. Quando ele apareceu em público no tribunal no procedimento final para aceitar a delação premiada, ele estava em um estado quase-catatônico, claramente incapaz de acompanhar os procedimentos ao seu redor.

    Se o governo dos EUA chegar ao ponto de perseguir alguém que alegava estar envolvido em mandar meias impermeáveis para o al-Qaida, o que se pode esperar que o governo faça a Assange?

    Uma sociedade que proíbe a capacidade de falar, na verdade extingue a capacidade de viver com justiça. A batalha pela liberdade de Assange sempre foi muito mais do que sobre a perseguição a um jornalista. Esta é a batalha mais importante pela liberdade de imprensa da nossa era. Caso percamos esta batalha, isto será devastador não só para Assange e a sua família, porém para nós mesmos.

    As tiranias invertem o estado de direito. Estas transformam a lei num instrumento de injustiça. Elas encobrem os seus crimes numa falsa legalidade. Elas usam o decoro dos tribunais e dos julgamentos para mascarar a sua criminalidade. Aqueles que, como Assange, expõem esta criminalidade para o público são perigosos – eis que, sem o pretexto da legitimidade, a tirania perde a sua credibilidade e nada sobra no seu arsenal senão o medo, a coerção e a violência. A longa campanha contra Assange e o Wikileaks é uma janela para o colapso do estado de direito, para o surgimento daquilo que o filósofo Sheldon Wollin chama de o nosso sistema de totalitarismo inverso, uma forma de totalitarismo que mantém a ficção da velha democracia capitalista – incluindo as suas instituições, iconografia, símbolos patrióticos e retórica – porém, internamente, rendeu-se ao controle total dos ditames das corporações globais e a segurança e vigilância do estado.

    Não existe base legal para manter Assange na prisão. Não há base legal para julgá-lo, um cidadão australiano, sob o Ato de Espionagem dos EUA. A CIA espionou Assange na embaixada equatoriana em Londres através de uma empresa espanhola – a UC Global – contratada para prover a segurança da embaixada. Esta espionagem incluía a gravação das conversas privilegiadas entre Assange e os seus advogados, enquanto estes discutiam a sua defesa. Este fato bastaria para invalidar o julgamento. Assange está sendo mantido numa prisão de alta segurança de modo que o estado – como testemunhou Nils Melzer, o Relator Especial sobre Tortura da ONU – possa continuar o degradante abuso e tortura que espera que leve à sua desintegração psicológica, senão física. Os arquitetos do imperialismo, os senhores da guerra, os braços legislativos, judiciais e executivos dos governos controlados pelas corporações e os seus obsequiosos cortesãos do setor de mídia. Prove esta verdade – como Assange, Chelsea Manning, Jeremy Hammond e Edward Snowden o fizeram – permitindo que possamos analisar os mecanismos internos do poder, e você será caçado e perseguido.

    O “crime” de Assange é que ele expôs as mais de 15 mil mortes não-relatadas de civis iraquianos. Ele expôs a tortura e o abuso em Guantánamo de uns 800 homens e meninos, com idades de 14 a 89 anos. Ele expôs que, em 2009, Hillary Clinton ordenou que diplomatas dos EUA espionassem o Secretário-Geral da ONU Ban Ki Moon e outros representantes na ONU da China, França, Rússia e o Reino Unido – espionagem que incluía a obtenção do DNA, varredura de írises, impressões digitais e senhas pessoais – como parte de um extenso padrão de vigilância ilegal que incluía a espionagem sobre o Secretário Geral da ONU Kofi Annan durante as semanas que antecederam a invasão do Iraque pelas tropas lideradas pelos EUA em 2003. Ele expôs que Barak Obama, Hillary Clinton e a CIA orquestraram o golpe militar em Honduras em junho de 2009, o qual destituiu o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya, substituindo-o por um regime militar assassino e corrupto. Ele expôs que George W. Bush, Barak Obama e o General David Patraeus executaram no Iraque uma guerra que, segundo as leis pós-Nuremberg, é definida como uma guerra criminosa de agressão, um crime de guerra, o qual autorizava centenas de assassinatos direcionados no Yemen – incluindo os de cidadãos estadunidenses. Ele expôs que os Estados Unidos lançaram secretamente mísseis, bombas e ataques de drones no Yemen, matando dezenas de civis. Ele expôs que a Goldman Sachs pagou 657 mil USD à Hillary Clinton para dar palestras – uma soma tão grande que só pode ser considerada como suborno, e que ela garantiu, em privado, aos líderes corporativos, que ela defenderia os interesses destes, enquanto prometia ao público a regulação e reforma financeira. Ele expôs a campanha interna para desacreditar e destruir o líder do Partido Trabalhista Britânico Jeremy Corbin, feita por membros do próprio partido deste. Ele expôs como as ferramentas de hacking usadas pela CIA e a NSA (National Security Agency – Agência Nacional de Segurança dos EUA) permitem a vigilância em massa do governo sobre as nossas televisões, computadores, telefones celulares e softwares antivírus – permitindo que o governo grave e armazene as nossas conversas, imagens e mensagens privadas de texto, até mesmo de aplicações encriptadas.

    Ele expôs a verdade. Ele a expôs uma vez após a outra, reiteradamente, até que não houvesse mais dúvidas sobre a ilegalidade, corrupção e falsidade endêmicas que definem a elite dominante global. E ele é culpado apenas por estas verdades.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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