Juros do BC podem enterrar reeleição de Bolsonaro
No Brasil e nos EUA, juros altos são um caminho conhecido para a derrota dos governantes, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia
Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia
Ao anunciar um aumento de 1,5 pontos na taxa básica de juros, o Banco Central mergulhou o Brasil num oceano de incertezas. Além de quebrar a economia e impor sacrifícios pesados a maioria da população, especialmente os mais pobres, uma medida dessa natureza costuma punir os próprios governantes.
Com o aumento, a taxa básica de juros fica em 7,5% -- patamar altíssimo num país com desemprego nas alturas e um padrão social pavoroso.
A derrota de José Serra para Lula, em 2002, que deu início a um ciclo de quatro mandatos consecutivos de governos do Partido dos Trabalhadores no Planalto, foi pavimentada por um conjunto de vários fatores combinados.
Um dos mais importantes foi uma taxa de juros de 22% no índice Selic -- a mais alta de nossa história -- que estrangulou a atividade econômica, produzindo um desastre que funcionou como o golpe final contra a herança do PSDB. Num esforço máximo de submissão da política econômica aos projetos de austeridade do império, FHC entregou o país ao monitoramento do FMI.
Dez anos antes, uma experiência semelhante ocorreu nos Estados Unidos. A vitória do democrata Bill Clinton sobre o republicano George Bush, pai, foi produto numa virada histórica, explicada por uma frase que entrou para os anais do marketing político: "é a economia, estúpido!", como dizia o publicitário James Carville, titular da campanha democrata.
O curioso é que ao longo do mandato Bush chegou a ter a popularidade em 90% de aprovação, patamar vitaminado por operações militares no exterior, como a vitória na primeira Guerra do Golfo, no Kuwait.
Com a economia submetida a taxa de juros do Federal Reserve, referência de banco central independente em todo o planeta, os negocios permaneciam mornos e a taxa de emprego não saía do chão. Os juros chegaram a 10% no início do mandato, caíram para 3% no final, quatro anos depois, com várias oscilações no caminho, e nem assim a economia se aprumou.
O ambiente econômico tornou-se tão ruim que, num episódio inédito, o bilionário Ross Perot chegou a lançar uma candidatura independente à Casa Branca, alcançando 18% dos votos -- marca inédita para uma candidatura à margem dos partidos tradicionais.
Depois de iniciar o pleito como candidato a perdedor, Bill Clinton venceu Bush pai com 43% dos votos contra 37%. Inconformado, o candidato republicano amaldiçoou o presidente do FED, Allan Greenspan, a quem chamou de "preguiçoso" pela demora em rebaixar a taxa de juros para recuperar a economia.
A lição foi esta. Entregue ao mercado financeiro, o Banco Central cuidou dos interesses do mercado, abandonando o presidente republicano à própria sorte.
Anunciando, desde já, um novo aumento na taxa de juros para o fim do ano, o Banco Central de Roberto Campos Neto deixa claro que pretende seguir o mesmo caminho.
Detalhe. Mesmo que, confirmando todas pesquisas eleitorais de hoje, Lula seja vitorioso em 2022, pela legislação em vigor o mandato de Campos de Neto na presidência do BC irá prolongar-se até 2024, como um enclave neo-liberal no coração financeiro de um possível governo petista.
Isso quer dizer que Lula terá de enfrentar um inimigo dentro de casa nos dois primeiros anos de mandato, armadilha celebrada sem pudores pelo banqueiro André Esteves no escandaloso diálogo divulgado com exclusividade pelo 247.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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