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    José Dirceu

    José Dirceu é advogado e ex-ministro da Casa Civil

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    Juventude Viva nas periferias de São Paulo

    Até que a histórica desigualdade social e racial do nosso país seja definitivamente deixada para trás, é dever do Estado proteger as populações mais vulneráveis da violência

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    Sensibilizada com a morte do jovem morador da periferia de São Paulo Douglas Rodrigues, atingido no domingo passado por um policial militar, a presidenta, Dilma Rousseff, prestou solidariedade à família e resumiu com muita precisão o que essa perda representa: "A violência contra a periferia é a manifestação mais forte da desigualdade no Brasil". E completou: "Assim como Douglas, milhares de outros jovens negros da periferia são vítimas cotidianas da violência".

    A declaração da presidenta, infelizmente, tem total fundamento. O Mapa da Violência 2013: Homicídio e Juventude no Brasil, divulgado em julho deste ano, confirma tendência observada em anos anteriores e aponta o aumento de homicídios contra a juventude negra, pobre e moradora das periferias das cidades brasileiras.

    Os números do estudo são desoladores. Em 2002, ocorreram 45.997 homicídios em nosso país: 18.867 vítimas (41%) eram brancas e 26.952, ou 58,6%, eram negras (incluídas nesse percentual as pessoas pardas). Em 2011, os assassinatos contra a população geral, que nove anos antes já atingiam prioritariamente os negros, intensificaram-se contra esse grupo racial: das 49.307 pessoas assassinadas no país, 13.895 (28,2%) eram brancas e 35.207 (71,4%) eram negras. Enquanto o homicídio contra os brasileiros brancos foi reduzido em quase um terço (31,3%) na última década, o número de vítimas negras cresceu 21,9%.

    A violência atinge em maior proporção os mais jovens, localizados na faixa etária de 14 a 25 anos. O Mapa da Violência 2013 registra que, de 2002 a 2011, morreram 50.903 jovens brancos e 122.570 jovens negros de mortes não naturais ou violentas -- uma diferença de aproximadamente 150%. Contudo, o índice de vítimas de homicídio juvenil entre a população branca caiu de 36,7% para 22,8% no período. Já os jovens negros, que em 2002 sofreram 63% das mortes violentas, em 2011 representaram 76,9% das vítimas.

    A associação crescente entre a mortalidade, a cor da pele e a idade das vítimas é aterradora e demonstra claramente a necessidade de políticas públicas afirmativas que possam contribuir para o desmonte desse quadro histórico de violência e injustiça praticadas contra os jovens negros e pobres do nosso país. O extermínio da juventude brasileira, sobretudo daquela que se concentra em áreas mais carentes de infraestrutura, cultura e lazer, precisa ser combatido com ações de prevenção, instrumentos de inclusão e, principalmente, através da promoção dos direitos da juventude.

    O Plano Juventude Viva, lançado pelo governo federal no ano passado, com o envolvimento de vários Ministérios e construído por meio de um processo amplamente participativo, tem como escopo exatamente o enfrentamento da violência contra a juventude brasileira, especialmente os jovens negros, a partir de ações que reduzam a vulnerabilidade destes a situações de violência -- não só física, mas também simbólica. A oferta de equipamentos, serviços públicos e espaços de convivência em territórios que concentram altos índices de homicídio e o combate ao racismo institucional fazem parte do plano, que chega em boa hora à cidade de São Paulo.

    Lançado no bairro do Campo Limpo, na zona Sul, dois dias antes da morte do adolescente que vivia no Jaçanã, o Juventude Viva terá na capital paulista imensos desafios. Embora São Paulo não figure entre as primeiras posições do ranking elaborado pelo governo federal com os 132 territórios mais problemáticos do país no que diz respeito à violência contra jovens negros, a periferia da capital está cansada de assistir a situações de violência extrema e ao massacre de sua juventude.

    Segundo o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania, Rogério Sottili, o Juventude Viva é uma tentativa de mudar a abordagem do poder público sobre os homicídios, pois não é possível continuar seguindo sempre os mesmos caminhos.

    Passou despercebido também o protocolo assinado em parceria por instituições ligadas à Justiça com o objetivo de reduzir as barreiras de acesso aos direitos e à Justiça por parte da juventude negra. Capitaneado pelos Ministérios da Justiça, Secretaria Geral da Presidência da República e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, o protocolo envolveu o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outros.

    Se é de caminhos novos que estamos falando, vale ressaltar que um dos frutos do Juventude Viva é o Projeto de Lei (PL) 4.471, apresentado pelo deputado Paulo Teixeira (PT- SP), que pretende extinguir a figura jurídica do "auto de resistência", determinando que todas as mortes e lesões causadas pelas forças de segurança do país sejam investigadas.

    Atualmente, muitos homicídios provocados pela polícia são registrados como "resistência seguida de morte", o que amplia a impunidade do agente público. O "auto de resistência" é uma aberração e, muitas vezes, serve de instrumento para encobrir a violência policial contra os jovens e a população em geral. Por isso, é crucial que a sociedade se mobilize e pressione a Câmara dos Deputados pela aprovação do PL 4.471 e para que discuta outras mudanças no aparato de segurança do Estado.

    A violência contra a juventude pobre, negra e excluída, precisa ser enfrentada de todas as formas. Nos últimos dez anos, o Estado brasileiro vem sendo reconstruído e colocado à serviço da cidadania, orientado por um modelo de desenvolvimento que visa promover inclusão e efetivar direitos. Os avanços são inegáveis -- mais de 40 milhões de brasileiros ascenderam à classe média na última década e, somente no ano passado, 4 milhões de pessoas deixaram a condição de pobreza e outros 1,8 milhão saiu da linha da extrema pobreza.

    Mas, até que a histórica desigualdade social e racial do nosso país seja definitivamente deixada para trás, é dever do Estado proteger as populações mais vulneráveis de toda e qualquer forma de violência. O Juventude Viva certamente pode ser uma ferramenta efetiva de enfrentamento da violência e das desigualdades para as periferias de todo o Brasil e especialmente para os jovens da cidade mais rica e de maior diversidade do país.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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