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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    La Honte!

    "O mundo não precisa de uma nova guerra fria. Precisa de mais paz e espírito olímpico", escreve Marcelo Zero

    Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024 (Foto: Reuters/Benoit Tessier)

    Como se sabe, as olimpíadas surgiram na antiga Grécia como forma de buscar paz e conciliação entre as diferentes cidades-estados.  

    A competição pelos jogos visava substituir a competição pela guerra.

    As chamadas olimpíadas modernas, ressuscitadas pelo Barão de Coubertin, também seguiam o mesmo princípio.

    Como havia escrito em artigo anterior que publiquei em março deste ano (“A (Morte do Espírito Olímpico”), o espírito olímpico começou a morrer quando os EUA e aliados boicotaram as Olimpíadas de Moscou de 1980, alegando, como motivo, a intervenção soviética no Afeganistão.

    Uma hipocrisia sem tamanho, vinda de um país tão intervencionista quanto os EUA, o qual, por uma dessas ironias da história, passou mais de duas décadas invadindo o mesmo Afeganistão. 

    Milhares de atletas foram prejudicados severamente. Anos e anos de treinos duros foram jogados fora. Patrocínios foram cancelados. Sonhos viraram pesadelos.

    Em 2020, o então presidente o Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach, que fora atleta na época das Olimpíadas de Moscou, comentou sobre o clima da época:

    O então chanceler alemã, em um debate sobre o tema, iniciou a reunião com militares de alto escalão para mostrar o mapa onde havia tanques, oleodutos e tudo mais, e construindo um cenário onde ele então disse no final algo como: “E se você quiser arriscar uma Terceira Guerra Mundial, então é melhor ir para Moscou.” 

    A pressão política contra essas olimpíadas foi enorme. Thomas Bach não conseguiu competir. Em nenhum momento, a opinião dos atletas foi consultada.

    Agora, nas Olimpíadas de Paris, atletas russos e bielorrussos podem até competir, mas em condições humilhantes, que contrariam o espírito olímpico.

    Tais atletas, além de não poderem usar uniformes de seus países, não poderem envergar quaisquer símbolos vinculados às suas nacionalidades e não poderem ouvir seus hinos, não podem também ter manifestado qualquer apoio a seus países, em relação ao conflito com a Ucrânia.

    Na prática, é um novo boicote aos atletas. Saliente-se que, por força dessas circunstâncias, apenas 15 atletas russos vão competir em Paris, um número absolutamente ridículo. Normalmente, são centenas. 

    Entretanto, surgiu agora um novo boicote, ainda mais grave: o boicote aos jornalistas russos e bielorrussos. 

    Alegando razões de segurança e medo de espionagem, a França negou credenciais para muitos jornalistas e bielorrussos.

    Tais alegações são um tanto ridículas. O que esses jornalistas iriam fazer? Transmitir informações sigilosas sobre as táticas dos times de outros países? 

    Na realidade, é retaliação política pura e simples. Uma retaliação que, obviamente, contraria compromissos internacionais da França.

    Por exemplo, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), da qual a França faz parte, dedica-se, entre outras coisas, a promover a liberdade de informação e de imprensa.

    Independentemente da opinião que se possa ter do atual governo russo ou do conflito na Ucrânia, os jornalistas russos e bielorrussos deveriam ter o direito de trabalhar, assim como os atletas deveriam ter o direito de competir de forma livre, independentemente de nacionalidade e de quaisquer posições políticas que possam ter.

    Estranhamente, instituições que defendem usualmente a liberdade de informação e de imprensa permanecem silentes.

    Mas há aí um problema de fundo, que é o do comprometimento da neutralidade de instituições internacionais.

    Esse boicote se assemelha bastante ao boicote financeiro contra a Rússia pelo sistema SWIFT, o qual, em tese, deveria ser neutro.

    Por óbvio, as olimpíadas deveriam também ser neutras, respeitando os princípios que as fundaram. Não deveriam ser terreno para disputas geopolíticas, boicotes e sanções. 

    À luz do direito internacional, enfatize-se, quaisquer sanções só são legítimas quando aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

    E à luz dos compromissos internacionais sobre liberdade de informação e dos princípios que criaram as olimpíadas, jornalistas e atletas deveriam trabalhar e competir sem restrições. 

    O mundo não precisa de uma nova guerra fria. Precisa de mais paz e espírito olímpico. 

    La Honte!

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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