"Lacração" e likes, armas da extrema direita
Ascensão da extrema-direita - sempre vazia de ideias e cheia de certezas -, coincide com o rebaixamento da Política à mesquinha busca de “likes” nas redes
Tenho dito que o melhor lugar do mundo para se viver é em Foncebadon, um “Pueblo” espanhol, localizado no município de Santa Colomba de Somoza, na província de Leon; por quê? Porque lá vivem apenas oito pessoas (onde há poucos seres humanos, o risco de se esbarrar na idiotia humana, que viceja em lugares “cheios de gente” é menor).
Não tem sido fácil conviver com pessoas que foram cooptadas pela lógica da extrema-direita e do neopentecostalismo; a maioria dos idiosubjetivados são, a priori, boas pessoas, mas são manipuladas e servem a interesses que colidentes com os seus; há, evidentemente, os muitos canalhas que assumiram pautas e narrativas da extrema-direita para atender seus interesses pessoais.
A ascensão da extrema-direita - sempre vazia de ideias e cheia de certezas -, coincide com o rebaixamento da Política à mesquinha busca de “likes” nas redes sociais, através da “lacração”, sempre com vistas à obtenção de algum tipo de lucro, seja financeiro (a tal “monetização”) ou relacionado ao fortalecimento político de uma pessoa ou grupo.
Não sei se o leitor conhece o significado de cada termo.
A gíria “lacrar” surgiu na internet como um sinônimo de arrasar ou “mandar bem”, principalmente em discussões nas redes sociais, como o Twitter e o Instagram. Quando uma pessoa lacra, significa que deixou as outras sem argumento, encerrando o assunto.
Já os likes são a quantidade de manifestações de aprovação a uma publicação; eles representam a existência do chamando “engajamento” do público com conteúdo; nesse mundo novo, os likes têm um papel crucial na sobrevivência e crescimento de uma marca.
Noutras palavras, quanto mais pessoas se envolvem (engajam) com um conteúdo, mais visto o produto é; portanto, engajamento faz com que o alcance das suas publicações aumente, aparecendo mais não só para quem participou da atividade, mas também para outros usuários.
A consequência de mais visualizações (likes e engajamento) é o aumento de vendas, pois, quanto mais pessoas entram em contato com o seu conteúdo, mais chances há de que as mensagens sejam convertidas em negócios fechados, especialmente num tempo em que a imagem parece valer mais que o conteúdo; vivemos um tempo “maluco” em que as pessoas tendem a confiar apenas em conteúdo que têm mais visualizações ou likes, na web, e isso ocorre sem análise crítica.
Essa lógica toda vale para o universo da política, tanto que um espantalho idiota como Bolsonaro chegou à presidência da república, muito graças às lacrações e aos likes.
A influência das redes sociais e de ferramentas como o WhatsApp é enorme e a extrema-direita usa com enorme competência.
Lembremos da importância das redes e das mentiras para o Brexit (processo de saída do Reino Unido da União Europeia), para a eleição de Trump nos EUA, ambos em 2016, na eleição de Bolsonaro em 2018; e nos casos de Viktor Orbán, na Hungria; de Matteo Salvini, na Itália; do partido Vox na Espanha e de Marine Le Pen, na França (todos clientes do malvado Steve Bannon).
Bannon fundou uma organização chamada “O Movimento”, com o intuito de ajudar os partidos nacionalistas europeus em suas campanhas políticas. Além disso, como pode ser visto no documentário “Privacidade Hackeada” (de Karim Amer e Jehane Noujaim, 2019), colaborou com a campanha de Mauricio Macri na Argentina, e trabalhou para Guo Wengui, um exilado chinês bilionário que se opõe ao regime de seu país.
Atualmente, a extrema-direita está bem-organizada, usa bem as redes, elege seus representantes e usa “o santo nome de Deus em vão”, sem nenhum constrangimento, para validar a maldade que representa e pratica; como o nazismo alemão dos anos 1930 - a extrema-direita está a usar democracia liberal para ocupar espaços institucionais de poder, mas é “malouquinha” para instituir ditaduras –, isso mesmo a extrema-direita não tem compromisso nem com a democracia liberal, e buscará manter-se no poder pela violência onde puder fazê-lo, Bolsonaro tentou.
A extrema-direita compreendeu que há um descontentamento enorme da sociedade com o neoliberalismo e com a democracia liberal; mas ela precisa defender o sistema, então ela, através das redes sociais, passou a estabelecer interlocução direta com um número enorme de pessoas e faz um discurso de negação da Política, dos políticos, dos partidos e de toda a institucionalidade, além de mostrar enorme capacidade de mobilização popular (lembremos das marchas de junho de 2013, do 7 de setembro de 2021, dentre outros eventos recentes).
Para enganar incautos a extrema-direita simula combater o que chama de “sistema” ou de “mecanismo”, mas ela o defende; ela é aliada do neopentecostalismo adepto das teologias da prosperidade e do domínio; quem a financia, seus movimentos e representantes, no Brasil e no mundo, são os próceres do capitalismo financeiro, por isso não há ataques ao sistema econômico hegemônico, por isso não se debate às causas estruturais de tanta injustiça.
A extrema-direita trabalha para proteger o sistema liberal, o capitalismo financeiro e o imperialismo, por isso direciona ataques aos políticos e partidos de esquerda, usa um discurso forte que transformou os ideais socialistas de uma sociedade justa, fraterna e igualitária em pecado e crime; e nós da esquerda - os únicos capazes de fazer o debate necessário com a sociedade acerca das injustiças sistêmicas e da necessidade de se buscar um caminho para além do capitalismo, do imperialismo e do liberalismo -, temos sido ineficientes (ou incapazes?).
Fato é que a extrema-direita, que perdeu a vergonha de dizer o que pensa, tem grande capacidade tecnológica para cultivar e amplificar o discurso do ódio no fértil adubo neoliberal e fala com milhões e milhões de pessoas; a extrema-direita faz isso mentindo nas redes sociais, mas os seus conteúdos ganham os corações e mentes dos incautos (se a extrema-direita é má e mentirosa, mas nós da esquerda temos sido incompetentes e não estamos conseguindo falar com a sociedade e o pior: somos pautados por idiotas como Pablo Marçal, pelos Bolsonaro 00, 01, 02 e 03, por gente como Nikolas Xupetinha e Damaris Alves).
A extrema-direita é sem-vergonha, racista, machista, misógina, antifeminista, imperialista e alimenta-se de delirantes teorias da conspiração; suas armas são as big datas e a inteligência artificial; a direita compreendeu como conversar e convencer as pessoas, ela compreendeu os medos e frustrações particulares dos abandonados de cada país e o seu sucesso decorre do uso eficiente de tecnologias para detectar medos, frustrações, traços de personalidade ou desejos, com dados obtidos de diferentes formas (informações fornecidas por amostragem estatística, através do algoritmo da Cambridge Analytica de Bannon, que a possibilita manipular populações por meio das redes sociais).
O que fazer? Ou mudamos para Foncebadon ou fazemos uma autocrítica honesta e ampliamos nossa militância em unidade, não há outros caminhos
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