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    Eugênio Aragão

    Ex-ministro da Justiça

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    Lawfare, a guerra híbrida via Poder Judiciário

    É absolutamente necessário que o rio da persecução penal retorne ao seu leito

    (Foto: Pixabay)

    Convidado para  participar do evento A Lawfare na América Latina e contra a Venezuela, em Caracas, tive a chance de falar para uma platéia formada por pessoas de várias nacionalidades que o conceito de guerra híbrida é relativamente recente e que atinge preferencialmente países com fortes forças progressistas utilizando o poder judiciário, lamentavelmente, para atender a interesses econômicos. 

    A lawfare é um tipo de agressão que não é realizada por meio de armas convencionais, mas por meio de mecanismos de inteligência social e que busca convencer uma comunidade de supostos erros de governança, para criar uma atmosfera hostil a governos legitimamente constituídos. Dessa forma, aquele que causa uma comoção política consegue impor uma mudança de poder para que o novo governo seja mais adequado aos seus interesses. Com a guerra híbrida, o objetivo final de um conflito armado de agressão é alcançado com menos predação e uma narrativa mais legítima: dominação sobre outro estado e sua submissão política e econômica a uma potência estrangeira.

    A utilização das instituições judiciárias de um Estado para engendrar a crise social é uma nova tendência neste cenário. Não que a justiça não tenha sido usada politicamente antes, mas hoje a credibilidade das decisões nos processos judiciais é usada para, com a tática de produzir escândalos, deslegitimar atores políticos e até governos. Para que isso aconteça, é preciso que juízes, promotores e polícia judiciária se tornem cúmplices do projeto de agressão híbrida. É assim que se cria a infraestrutura do que se convencionou chamar de “lawfare”, a guerra híbrida através dos mecanismos de persecução penal do Estado.

    O que facilita o envolvimento desses agentes estatais é sua visão comumente conservadora. Governos progressistas, de mudança social não correspondem à preferência política de sua maioria. Além disso, seus vínculos com esquemas informais de cooperação internacional com Estados que possuem interesses estratégicos e econômicos dissonantes com as políticas públicas da esquerda do espectro político foram fortalecidos nas últimas décadas, permitindo que órgãos como o Ministério Público mantenham contatos diretos com os governos desses Estados, sem a intermediação diplomática do Executivo que possa proteger a esfera dos interesses soberanos. Esses esquemas de cooperação formarão o veículo para a ação de golpe estrangeiro em cenários de “lawfare” em vários países latino-americanos nos últimos anos.

    A chamada “luta contra a corrupção” permitiu tal cooperação com base em convenções internacionais regionais e no nível da ONU, revestindo-se de um discurso moralista para motivar e mobilizar as massas populares. O fato de haver um suposto enquadramento (“framework”) de direito internacional servia para conferir legitimidade às ações abusivas das autoridades penais. Na Operação Lava-Jato, no Brasil, por exemplo, procuradores federais vão se comunicar diretamente com seus homólogos norte-americanos para infringir multas bilionárias da estatal Petrobras por meio da SEC, autoridade reguladora do mercado de capitais norte-americano . Eles o fizeram sem qualquer autoridade constitucional e contornando os mecanismos bilaterais convencionais entre os dois estados. Mais tarde ficou claro que a estratégia era de lucro corporativo, já que parte das multas iria para uma fundação a ser criada pelo Ministério Público Federal para garantir uma fonte adicional de lucro aos investigadores, comprada deliberadamente por autoridades norte-americanas.

    É absolutamente necessário que o rio da persecução penal retorne ao seu leito. Cobrar uma reforma que garanta não só o devido processo legal, com fiscalização dos atores judiciais em sua conduta ética e inadequadamente política, mas também a proteção do interesse soberano do Estado, para que o interesse legítimo sobre a integridade administrativa não seja desviado e o governo tornar-se uma arma de guerra para a conquista agressiva de ativos estratégicos, políticos e econômicos.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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