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    William Robson Cordeiro

    Jornalista, músico e Professor. Doutor em Jornalismo pela UFSC e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)

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    Lembraram do "fake" e esqueceram do "news"

    Jornalismo (Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/ABr)

    Paradoxalmente, a credibilidade alcançada pelo jornalismo ao longo das décadas vem servindo de empacotamento para a difusão da desinformação e pela consequente proliferação do discurso de ódio em tempos de ascensão (ou aparente derrocada) da extrema-direita.  O fenômeno das ditas fake news emergiu como combustível estratégico da política da intolerância. Porém, esta semana tem sido marcada por episódios de contra-ofensiva, entre elas, a aprovação da urgência sobre projeto de lei, que regulamenta a ação das chamadas big techs. No entanto, o assunto exige uma interseccionalidade, que passa pela educação midiática nas escolas e também pelo principal instrumento de combate e enfrentamento a ser levado em conta neste instante: o jornalismo.

    Fala-se que o jornalismo enfrenta crise no modelo de negócio, no consumo e na sua conduta. Que princípios deontológicos da atividade devem ser fortalecidos e que os jornalistas persigam competências de novos gêneros jornalísticos gestados na hipermídia. O cenário é mais complexo e não se trata de crise, porém, de oportunidade de solução. O jornalismo, em verdade, é uma prática social – por isso, sujeito às intempéries de toda sorte da sociedade –, mas é, sobretudo, uma instância filosófica. É por aí que deve ser compreendida.

    Desde que o jornalismo se estabeleceu como instrumento necessário para a sociedade (podemos observar esta característica até mesmo na primeira tese de doutorado da área, desenvolvida pelo pesquisador alemão Tobias Peucer, em 1690), a tecnologia serviu para “materializá-lo”. Assim, ocorreu inicialmente com o papel, com as ondas sonoras do rádio, a televisão e, recentemente, a internet e suas entranhas. Nenhuma dessas tecnologias foi criada para o jornalismo; o jornalismo sempre fez uso delas no intuito de relatar as “novidades” sob protocolos deontológicos definidos, como apuração, reportagem, checagem, entrevista,  reflexão e publicação.

    A rigor, o jornalismo é mais do que necessário no mundo da “pós-verdade”. É jogar luz na escuridão das fake news. É fortalecer a sociedade democrática com informação gerada sob este rigoroso processo formal de produção.  Por que não utilizá-lo a nosso favor em meio a este período tenebroso?

    A imprensa noticiou que o Ministério dos Direitos Humanos criou grupo de trabalho para propor estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo. Uma das jornalistas da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, especialista no tema, foi convidada como consultora informal. O grupo é coordenado por outra jornalista, a ex-deputada Manuela D´Ávila. Se a matéria-prima do jornalismo é a informação, nada mais adequado que duas profissionais nestas discussões. Trata-se de reação importante e necessária, um bom começo. 

    Este grupo tem um adversário claro a ser enfrentado: a desinformação. Como citado, as fake news (eufemismo para mentiras), se apresenta como notícia. É empacotada como tal para enganar. Tem título, texto, foto, legenda, aspas, linha-fina, tudo a fim de capturar a audiência que acredita no jornalismo. Tem tudo isso, mas não é. Seu uso é indevido e descarado. É preciso reagir com jornalismo forte, pleno e verdadeiro. Aí surge o desafio: como, se tudo parece crer que o jornalismo não reage? Esta questão faz todo sentido.

    Por exemplo, a Reach, maior editora de jornais e revistas do Reino Unido, que publica os jornais Daily Mirror e Daily Express, está avaliando utilizar a tecnologia de inteligência artificial ChatGPT para produção de notícias. Robôs produziriam textos que os editores consideram “padronizados”.  Ou seja, o jornalismo caminharia para a fria automação?

    Por outro lado, o cerco se fecha para as big techs, que se eximem deste mundo de desinformação e intolerância. O olhar blasé das grandes empresas da internet está sob escrutínio. 

    A Suprema Corte dos Estados Unidos discute o que tem sido chamado de “futuro da internet”. Um processo analisado nesta quarta-feira (22) envolve o Twitter ao ajudar e incitar o grupo Estado Islâmico em ataque que matou 39 pessoas por não policiar o conteúdo publicado na plataforma. O Twitter alega que não produz conteúdo. Deveria, pelo menos, atestar a qualidade da informação  que permeia o seu suporte (mas, aí é outra discussão).

    O que deve ser observado é que na sociedade da (des) informação a saída passa pelo jornalismo. Passa pelo estímulo aos profissionais da área (enquanto categoria), às empresas jornalísticas (com a contrapartida do conteúdo utilizado pelas big techs), aos coletivos (com mais incentivos e editais específicos), às escolas de comunicação (com mais investimentos em pesquisa, pesquisadores, bolsas), aos órgãos estatais em todas as instâncias (com departamentos específicos e sólidos de assessoria de imprensa) e à democratização da comunicação (interiorizando o jornalismo nas áreas de deserto de notícias por todo país). É o caminho a ser trilhado por um projeto de médio e longo prazos.

    O Estado tem papel fundamental no combate à desinformação, sendo necessário atravessar algumas etapas. A primeira, reconhecer estar diante de uma distorção que acomete a todos: a desinformação. Parece bem claro e bastar que percebamos as experiências desastrosas decorrentes disso. 

    Em seguida, observar o seu antagonista: a informação jornalística.  Igualmente claro. Uma sociedade bem informada, envolta de imprensa forte, atuante e livre, com jornalismo revigorado capaz de reagir às investidas antidemocráticas, é um ingrediente de forte relevância que o Brasil não pode se dar ao luxo de abrir mão.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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