Lucro em tempo de guerra?
Em meio à guerra, Ucrânia está ocupada em fazer acordos de negócios com uma empresa nuclear falida dos EUA para construir mais usinas nucleares
Por Linda Pentz Gunter, publicado originalmente em Beyond Nuclear International. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247.
Você poderia pensar que, estando no meio de uma guerra, a última coisa que você contemplaria seria construir mais usinas nucleares. Mas isto não parou a Energoatom – a operadora nuclear estatal ucraniana.
No início deste mês, a Energoatom assinou um novo acordo com a Westinghouse – dentre todas as empresas, é a corporação estadunidense que foi à falência ao tentar construir quatro dos seus reatores AP1000 nos estados da Carolina do Sul e da Georgia. Os dois na Carolina do Sul foram cancelados em plena construção, enquanto os dois na Georgia estão atrasados em anos no cronograma e custaram bilhões de dólares além do seu orçamento.
Porém, como um bom abutre corporativo, a Westinghouse mergulhou na Ucrânia para agarrar uma oportunidade de ouro. Já sendo a fornecedora de combustível nuclear para quase a metade dos reatores da Ucrânia, a empresa planeja aumentar aquele compromisso para cobrir todas as 15 usinas, substituindo a Rosatom russa; para estabelecer um Centro Técnico e de Engenharia; e, a coisa mais louca de todas, para construir nove novos reatores AP1000 lá.
A Westinghouse já tem o contrato para construir mais reatores na usina de energia nuclear de Khmelnytsky, a qual tem dois reatores que permanecem parcialmente completos.
Segundo este negócio, a Westinghouse trabalhará primeiramente no Khmelnitsky 3 – que está 75% completo – antes de fazer os 25% para completar a unidade 4. As conversações deste mês também avaliaram a possibilidade da Westinghouse construir mais dois reatores naquela planta.
Quinze reatores em operação numa zona de guerra – aparentemente, sete deles ainda estão funcionando na Ucrânia – já é um risco suficiente. Mesmo que um destes reatores fosse completamente violado, ou se a sua piscina de combustível pegue fogo ou sofra uma explosão – seja devido a um ataque, um acidente ou devido a uma fusão causada por uma falha na rede – a quantidade de radioatividade liberada faria o desastre de Chernobyl de 1986 parecer diminuto.
A Unidade 4 de Chernobyl era um reator relativamente novo quando explodiu, em 26 de abril de 1986 – liberando potencialmente até 200 milhões de curies no meio-ambiente. Pelo menos 100 mil quilômetros quadrados de terra foram significativamente contaminados pela chuva radioativa. Além da Ucrânia, da Rússia e da Bielorrússia, até 40% da Europa receberam chuvas radioativas do desastre. Certas plantas e animais permanecem inseguros para serem comidos até hoje – incluindo na Alemanha, na Lapônia e, até recentemente, no Reino Unido também.
A contaminação causada por Chernobyl e os efeitos resultantes e espalhados sobre a saúde, potencialmente durarão para sempre. E tudo isso – como Phil Webber, da organização Cientistas pela Responsabilidade Global disse num recente seminário – “pareceria uma festa de chá” comparado à devastação que ocorreria se um dos reatores mais antigos da Ucrânia sofrer uma catástrofe durante esta imperdoável guerra.
Nós já vimos a planta com seis reatores em Zaporizhzhia ser atacada e incendiar-se, por misericórdia não em um dos reatores ou numa piscina de combustível. Zaporizhzhia provavelmente ficará permanentemente ocupada pelos russos, à medida que eles entrem mais profundamente no território da Ucrânia a partir do leste.
Mais recentemente, houve incidentes de mísseis russos voando baixo – baixo demais -, primeiro sobre a planta com seis reatores de Zaporizhzhia e depois sobre os três reatores da usina de energia nuclear do Sul da Ucrânia. A catástrofe humanitária que já está se desdobrando na Ucrânia seria ampliada para além da imaginação se um desses mísseis tivessem um defeito e atingissem uma usina nuclear – eu uso o termo 'defeito' porque ainda presumimos que nem Putin seria suficientemente imprudente para deliberadamente dar ordens para atacar um reator nuclear. Porém, não podemos contar com isso.
Mesmo assim, no meio disso tudo, a Ucrânia está ocupada em fazer acordos de negócios com uma empresa nuclear falida dos EUA – a qual tem um histórico de custos que excedem os orçamentos, de desafios técnicos e de tempos de entrega muito atrasados.
Tudo isso testemunha a herança perdida ainda detida por qualquer coisa nuclear. De alguma maneira, tanto a posse de armas nucleares quanto de usinas de energia nuclear são vistos como sinais de prestígio. Efetivamente, a Energoatom anunciou o seu mais recente negócio com a Westinghouse da seguinte maneira: “Cada um destes eventos de energia promove a vitória da Ucrânia!”
Não está realmente claro o que trará vitória à Ucrânia – se algo o fará – e a que preço. Porém, construir mais usinas de energia nuclear lá apenas consegue fazer uma coisa: isto coloca o povo da Ucrânia em um perigo ainda maior, com ou sem guerra. Reatores são vulneráveis a falhas e produzem dejetos mortalmente radioativos e letais por centenas de milhares de anos. Nada há de vitorioso em se perpetuar isso. É pura loucura.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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