Lula está condenado a convocar o povo
Na luta de vida ou morte contra o fascismo, não se pode cultivar a ilusão de uma nova republica de bacharéis
Não é preciso ter muita imaginação para compreender que a guerra fascista contra o STF não pode ser vista como um conflito banal ou passageiro. Trata-se da mais relevante questão política de nossa história desde o fim da ditadura militar.
Numa país onde vigora o regime de três poderes -- Executivo, Legislativo e Judiciário -- o Brasil encontra-se uma situação de crise permanente, formada pelo choque de três forças distintas -- um governo de esquerda, um parlamento alinhado pela extrema-direita e um Supremo que nem sempre tem se mostrado cioso de prerrogativas e responsabilidades.
Quando o Senado aprovou aprovou por 43 a 21 votos um projeto de lei para demarcação de Terras Indígenas, patrocinado pelos senhores feudais da bancada ruralista, o STF não ficou de olhos fechados. Assumiu o dever de "guardião da Constituição", papel que lhe é destinado pelo artigo 102 da Carta Maior, para encarar uma missão histórica em toda sua dureza.
Por uma margem de 9 votos a 2, o Supremo declarou a ilegalidade do Marco Regulatório que pretende anular direitos fundamentais dos povos indígenas reconhecidos em 1988 para passar um trator sobre quatro séculos de luta e um oceano sangue indígena, jamais admitidos pela historiografia oficial.
A partir de então, num convívio tenso e conflituoso em forma de triângulo, o país assiste a uma crise de longa duração, que irá ocupar a cena política do próximo período. Através do ataque ao Supremo, o fascismo mostra a que veio -- planeja sabotar uma instituição que insiste em cumprir seu papel.
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Na Alemanha de Hitler
Como foi explicado em entrevista a TV 247 pelo historiador Martonio Montalverne Barreto, autor de "Prússia contra o Reich", ao defender o Marco Territorial a extrema direita colocou de pé um projeto de desgaste permanente, com uma finalidade política inaceitável.
O objetivo é criar uma situação política de caos permanente e desgaste profundo, num processo que tem um antecedente tenebroso -- a escalada de Adolf Hitler na Alemanha dos anos 193O.
Há quase um século, num esforço sem limites para desmontar aquela que era considerada uma das democracias mais avançadas da Europa, o nazismo criou um ambiente de sabotagem insurrecional.
Após anos consecutivos de provocações e conflitos violentos, o nazismo foi capaz de reduzir as forças do Estado à impotência, provocando a ruptura da ordem que permitiu a ascensão de Adolf Hitler ao poder. O resto é História, sabemos todos.
(Para os interessados em saber mais, a TV 247 exibe uma entrevista de Martonio Montalverne, disponível no Youtube).
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Eleitorado de Bolsonaro cresceu menos do que se imagina
Este é o verdadeiro filme da crise brasileira de 2023: depois do golpe contra Dilma em 2016, veio o bloqueio à candidatura de Lula em 2018, quando o Supremo dobrou-se à pressão de um comandante do Exército que fez ameaças pelo tuíte e terminou homenageado por Bolsonaro depois da posse no Planalto.
Com o voto de seis s ministros do STF -- Luiz Fachin, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Alexandre Moraes, Luiz Fux e Cármen Lúcia -- Lula foi retirado da campanha, decisão que abriu caminho para Bolsonaro instalar o primeiro governo fascista da história brasileira, colocando o país à beira de um abismo que apenas foi contornado até os dias de hoje.
Três anos mais tarde, em abril de 2021, quando Bolsonaro havia cumprido dois anos e quatro meses no Planalto, o mesmo STF reassumiu suas responsabilidades. Por 8 votos contra 3, fez as pazes com a consciência do país. Abriu a porta da prisão e permitiu que Lula retornasse à vida pública, numa decisão que produziu a magia única dos grandes momentos históricos, quando todos têm o direito de se perguntar se não estão vivendo um sonho.
Em discurso irretocável no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, mesmo local de onde fora conduzido, de helicóptero, para a cela da prisão, Lula reapresentou-se ao país, deixando claro que falava para a História. Entre os seis ministros que haviam condenado Lula por 6 a 5 em 2018, desta vez cinco deram voto favorável a Lula -- a exceção foi Luiz Fux.
Atuando em dois julgamentos que envolviam questões com alto grau de politização, obviamente semelhantes entre si, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli mostraram a coerência para reconhecer a inocência de Lula nas duas ocasiões.
Na campanha de 2022, com Bolsonaro já no poder, montou-se nova ofensiva. Já que não seria possível impedir a presença de Lula na urna com ajuda da Justiça, como ocorreu em 2018, optou-se pela barbárie mais criminosa, covarde, acobertada pela máquina estatal, que usa uniforme e armas de polícia.
Em locais escolhidos a dedo para atingir regiões de grande alta concentração de eleitorado lulista, a PRF e outras forças afins foram mobilizadas para interceptar o caminho dos eleitores às urnas e assim, na brutalidade mais animalesca e covarde, impedir o exercício do elementar direito de voto.
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Chamar o povo
Na contagem do segundo turno de 2022, Bolsonaro registrou 58,2 milhões de votos. Lula marcou 60,3 milhões, numa vitória que não deixou dúvidas, apenas uma mensagem, conhecida em outras geografias. Mesmo vencida, por uma margem de 1,8% de votos, equivalentes a 2,1 milhões de eleitores, não bastaria a força das urnas para eliminar a violência fascista, que constitui ameaça direta ao direito de voto.
Quarenta e oito horas antes do pleito de 2022, os dois principais institutos de pesquisa do país, anunciavam um quadro eleitoral de relativa tranquilidade para Lula. O Idec, ex-Ibope, cravou 54% a 48%., ou 6 pontos de vantagem. Para o DataFolha, a diferença para Lula ficou em quatro pontos, 52% a 48%. Na urna, a vitória de Lula foi confirmada sem margem para duvidas mas trouxe uma certeza -- de que será necessário livrar o país da sombra do paquiderme fascista.
Com toda prudência que o caso demanda, cabe notar que as urnas trouxeram uma noticia ruim para Bolsonaro, que partiu do eleitor que integrou sua base. O número de eleitores que foram à cabine para dar seu voto a Bolsonaro passou de 55,5 milhões em 2018 para 58,2 em 2022. Parece um crescimento mas não é.
Entre as duas eleições, o eleitorado deu um salto imenso, de 115,9 milhões para 124, 2 milhões. Foram oito milhões de votos novos nas urnas do segundo turno e, desse total, Bolsonaro cresceu menos que três milhões de votos, muito abaixo da proporção. Não capturou a metade.
O 8 de janeiro iria mostrar, contudo, que o fator eleitoral deixou de ser o único elemento essencial dos cálculos políticos contra Bolsonaro.
A lição fundamental é que não será possível restaurar a República dos Bacharéis, aquele espetáculo que nasceu em 15 de novembro de 1989 e chegou a alimentar a hipótese de manter o cativeiro de sempre, agora com novos disfarces.
Por mais de um século, alimentou-se a ilusão de que o povo iria assistir bestificado à encenação de uma democracia para poucos, justiça e jeitinho na medida para proteger os amigos de sempre, carnaval e direitos quase simbólicos para as multidões -- além eleições de quatro em quatro anos.
Se há uma lição a aprender com os movimentos ora lúcidos, ora delirantes, de nossa História, é que ela nos ensinou um fato memorável: o povo brasileiro foi até Curitiba, abriu uma cela na sede da Polícia Federal e trouxe de lá um líder capaz de despertar brasileiras e brasileiros mais uma vez.
De volta ao Palácio após uma cirurgia que todos acompanharam, cabe a Lula assumir um gesto histórico e chamar o povo para assumir seu destino.
Alguma dúvida?
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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