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    Tereza Cruvinel

    Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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    Lula foi vitorioso em 2023 mas será mais difícil tourear o Congresso em 2024

    "O que se avista é um ano político mais difícil, que exigirá cada vez mais a atuação direta de Lula na articulação política", diz a jornalista Tereza Cruvinel

    Lula (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil | Pedro França/Agência Senado)

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    Para um presidente de esquerda, eleito por escassa margem de votos e minoritário num Congresso amplamente conservador, Lula foi inegavelmente vitorioso em seu primeiro ano de mandato.  Mesmo negociando pauta a pauta, cedendo espaços no governo, pagando pedágio com a liberação de emendas e engolindo algumas derrotas, ele conseguiu aprovar o essencial de sua agenda política. Os bons resultados econômicos coroam uma travessia que parecia mais difícil. Mas, em 2024, a relação com o Congresso promete ser mais desafiante.

    Um sinal disso está sendo dado nestas últimas horas do ano, com as primeiras reações políticas (e empresariais) às  medidas fiscais compensatórias anunciadas nesta quinta-feira, 28, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Especificamente, pelo anúncio de uma medida provisória que busca contornar a perda de R$ 20 bilhões imposta pelo Congresso ao aprovar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. Lula vetou a lei integralmente e o Congresso derrubou o veto. A proposta de Haddad revogará a lei, substituindo a desoneração plena, para 17 setores econômicos, por uma reoneração gradual.

    A gritaria está aí. Parlamentares já falam em “afronta ao Congresso” e entidades dos setores empresariais beneficiados divulgaram uma nota dura, mencionando falta de diálogo e sensibilidade, lembrando os efeitos positivos da desoneração para a geração de empregos.

    Antes de assinar a MP, que parece fadada à rejeição, pode ser que Lula e Haddad reavaliem o custo político. Pode ser que paguem para ver. Essa é o primeiro conflito contratado para 2024. E na esteira dele, pode ser que o Congresso derrube também os vetos a este escandaloso PL do veneno, que mesmo com os 14 vetos, é um atentado à saúde e ao meio ambiente. E ao próprio agronegócio, que o patrocinou,  pois em breve o mundo estará falando na toxidade dos grãos brasileiros.

    Todos já sabem o que é a desoneração. Desde Dilma, estes setores pagam não 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários, mas de 3% a 5% sobre o faturamento bruto. São calçadistas, construção civil, vestuário e confecções e...comu nicações, entre outros. Não por acaso a primeira entidade que assina a nota é a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão). Ou seja, a decisão de Haddad enfrentará a ira do Congresso, dos empresários e da mídia.

    As outras duas medidas compensatórias não despertaram a mesma reação. Haddad quer limitar as compensações tributárias (adiar a devolução de impostos já cobrados mas derrubados na Justiça) e cortar ao meio as vantagens concedidas a empresas aéreas e de eventos, o tal Perse. Mas isso renderá apenas a metade da perda de receita, fundamental para o cumprimento da meta  de déficit fiscal zero. Ou próxima disso.

    Estes são prenúncios para 2024. O que se avista é um ano político mais difícil, que exigirá cada vez mais a atuação direta de Lula na articulação política.

    Costuma-se dizer que, se o governo vai bem na economia, o Congresso fica mais dócil. Já foi assim, mas os tempos mudaram. Estamos assistindo a um empoderamento crescente do Congresso, que lhe confere autonomia em relação ao desempenho do Executivo.

    Não é favor algum reconhecer que o governo termina o ano colhendo excelentes resultados econômicos, desmentindo todas as previsões pessimistas. A inflação fechará dentro da meta, o PIB crescerá 3%, a bolsa está bombando, o dólar e os juros caindo, os empregos aparecendo. A percepção internacional da economia brasileira, que voltou a ser a nona do mundo, também está em alta, como demonstram as reclassificações positivas feitas pelas agências de risco.

     Some-se a isso a recriação dos programas sociais que haviam sido descontinuados ou esvaziados na era Bolsonaro,  iniciativas bem recebidas, como o Desenrola, e a promessa de grandes investimentos, com os projetos do PAC.

    Some-se ainda a exitosa reinserção internacional do país, para a qual contribuíram tanto a diplomacia profissional como a diplomacia presidencial de Lula.  O Brasil voltou a ser levado a sério nos fóruns internacionais, está fazendo bonito na questão ambiental e climática, reconstruiu as relações bilaterais e multinacionais relevantes e até pagou nossa vexaminosa dívida para com as organizações multilaterais.

    Apesar de tudo isso, a popularidade de Lula não cresce de forma condizente com os resultados do governo. Isso acontece, a meu ver, porque a polarização calcificou-se. Os bons resultados do governo não conseguem dissolver a resistência dos que foram capturados pela extrema-direita, que continua ativa e viva. Quando se pergunta a um bolsonarista o que está achando da queda dos preços dos alimentos, ele é capaz de dizer que isso ainda é consequência do desgoverno de Bolsonaro,  ou que tinha que acontecer mesmo, sem explicar por que.

    Apesar de todos os bons resultados, o Congresso continuará sendo uma pedreira para Lula. Não se trata de mera hostilidade da maioria conservadora ao atual governo que, mesmo sendo amplo, tem DNA de esquerda.  Trata-se do empoderamento estratégico iniciado há alguns anos, através do controle do Orçamento. Sob Dilma, o Legislativo tornou impositivas (de liberação obrigatória) as emendas individuais. Com Temer, tornaram impositivas as de bancada. Com Bolsonaro, criaram o orçamento secreto. Lula o desmanchou com a ajuda do STF mas agora turbinaram os valores (que chegaram a R$ 53 bilhões para 2024) e fixaram o calendário para empenho e liberação.

     As emendas impositivas (soma das individuais com as de bancada), passaram de R$ 9,7 bilhões em 2015 para R$ 28,9 bilhões em 2023. Um crescimento de 197%. O nome disso é poder. Poder sobre os recursos públicos. Apropriação de prerrogativas executivas  do presidente pelo Congresso, a  parlamentarização do sistema presidencialista. Como sabido, só se pode mudar o sistema de governo através de novo plebiscito, mas o Congresso vem passando o trator sobre seguidos governos.

    Em 2024,  ano eleitoral, a fome do Congresso não vai diminuir, pelo contrário.  Lula conta com a banda direita,  o Centrão, em algumas matérias. Em outras, essa banda impõe sua pauta, expressando seus outros alinhamentos. Principalmente, o compromisso com o agronegócio, que converte seu poder econômico em força política, através da poderosa Frente Parlamentar da Agricultura, a FPA, que conta com mais de 300 deputados.

    Por que o agro tem tanto apoio no Congresso?  Essa é uma pergunta que precisamos nos fazer. O que ganham todos os que se batem tão fortemente em defesa do agro?  Mas isso é outro assunto.

    A conclusão aqui é que, na política, 2024 deve ser mais difícil para Lula. Ele terá que continuar negociando caso a caso, terá que colocar a mão na massa, atuando pessoalmente, engolirá alguns sapos e precisará reforçar a articulação política.  Mas de olho na rua. Sua popularidade (derivada da eficiência do governo) é que poderá mitigar um pouco a fúria do touro. E um bom desempenho da frente de esquerda nas eleições também ajudará.  

    Lula é criticado à esquerda, dentro e fora do PT, pelas concessões que faz, pela condescendência e paciência com este Congresso voraz. Mas, no lugar dele, o que fariam os críticos? Governo minoritário não cutuca a onça com vara curta. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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