Lula, não leve serpente para casa
"Um ministro do STJ tem poder para influenciar julgamentos cruciais", alerta
A política sobrevive de alianças, concessões e trocas de favores, mas há escolhas que ultrapassam os limites do pragmatismo e colocam em risco valores fundamentais. A indicação de um novo ministro para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é um desses momentos em que o presidente da República precisa decidir se dará prioridade à qualificação e ao compromisso com a Justiça ou se cederá às pressões do fisiologismo político.
A vaga aberta no STJ é destinada ao Ministério Público e conta com três candidatos na lista tríplice:
- Carlos Frederico Santos, subprocurador-geral da República, com histórico de atuação firme na defesa da ordem democrática, incluindo sua participação nos processos contra os responsáveis pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
- Sammy Barbosa Lopes, procurador de Justiça do Acre, que conta com o apoio direto do ministro do STJ e corregedor-geral Mauro Campbell.
- Maria Marluce Caldas, procuradora de Justiça de Alagoas, cujo maior trunfo não é sua experiência jurídica, mas as alianças políticas que construiu, especialmente com Arthur Lira, João Caldas e JHC, figuras de forte influência no bolsonarismo.
O loteamento político e o peso de Arthur Lira
Um dos nomes que tem ganhado força — para a tristeza da Justiça e dos próprios eleitores de Lula — é o de Maria Marluce Caldas, uma bolsonarista de carteirinha que, ao ver seu nome na lista tríplice, tratou de apagar às pressas seus posts exaltando o ex-presidente e suas pautas "patrióticas". Mas por que, afinal, ela estaria sendo cogitada para a vaga? Seria por sua qualificação excepcional? Por sua vasta experiência nos tribunais superiores? Ou por representar um avanço na participação feminina na Justiça?
A resposta é um sonoro não. Sua nomeação não tem nada a ver com mérito ou capacidade, mas sim com um jogo de poder e interesses políticos, que no fundo favoreceriam os inimigos da democracia.
Maria Marluce Caldas é um nome que, tecnicamente, não se destacaria para uma vaga em um dos tribunais superiores mais importantes do país. Sua trajetória no Ministério Público não inclui experiência robusta em instâncias colegiadas, tampouco títulos acadêmicos como mestrado ou doutorado. Foi promovida a procuradora de Justiça apenas em 2022 e, quando tentou uma vaga de desembargadora no Tribunal de Justiça de Alagoas, seu próprio órgão a rejeitou na lista sêxtupla enviada ao TJ-AL.
No entanto, a política opera em outra lógica, onde influência muitas vezes pesa mais do que mérito. Seu nome chegou à lista tríplice do STJ com o apoio de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e sua família, que tem longa trajetória de alianças de conveniência e práticas nada republicanas.
Seu irmão, João Caldas, é um ex-deputado federal com condenações por corrupção e envolvimento no escândalo da máfia dos sanguessugas, que desviava recursos da compra de ambulâncias. Seu sobrinho, JHC, prefeito de Maceió, foi um dos principais entusiastas do bolsonarismo no Nordeste e, até recentemente, fazia questão de se posicionar como um bastião da direita na região, compartilhando fotos com Michelle Bolsonaro e reforçando discursos contra Lula.
Esse cenário levanta um questionamento inevitável: por que uma figura que não conseguiu apoio do próprio Ministério Público estadual para uma vaga no TJ-AL está agora prestes a ocupar uma cadeira no STJ? A resposta está na barganha política conduzida por Arthur Lira e aliados, que enxergam essa indicação como uma moeda de troca valiosa para manter sua influência sobre um dos tribunais mais importantes do país.
O cinismo do oportunismo político
O que mudou para que a família Caldas, outrora tão ligada ao bolsonarismo, de repente se tornasse "aliada" do governo Lula? Nada além de conveniência. Desde que o nome de Maria Marluce passou a ser cogitado para o STJ, JHC abandonou a postura de opositor ferrenho ao PT e começou a circular por Brasília, frequentando eventos ligados ao governo e se aproximando de figuras do alto escalão petista.
As redes sociais, que antes eram recheadas de postagens contra Lula e em defesa do bolsonarismo, passaram por uma "limpeza". Mas a internet tem memória, e vídeos antigos continuam disponíveis, mostrando JHC declarando apoio ao impeachment de Dilma Rousseff, reproduzindo discursos de Bolsonaro contra o STF e defendendo a prisão de Lula.
Esse tipo de guinada ideológica repentina não é novidade na política brasileira. Quando há um cargo vitalício em jogo, muitos deixam de lado suas "convicções" e abraçam quem quer que esteja no poder. A dúvida que fica é: uma vez empossada, Maria Marluce defenderá os interesses democráticos ou manterá sua fidelidade aos padrinhos políticos que a colocaram lá?
O perigo de minimizar a agenda bolsonarista
Bolsonaro, enquanto esteve no poder, nunca deu espaço para nomes ligados à esquerda ou ao PT ocuparem cargos estratégicos na Justiça. Suas indicações foram todas alinhadas à sua ideologia, fortalecendo um projeto político que minava a democracia. Agora, ao contrário do ex-presidente, Lula tem a oportunidade de escolher entre um candidato ligado ao combate ao autoritarismo e uma candidata sustentada por nomes que não esconderam seu apoio a um governo que atacou sistematicamente o Judiciário, a imprensa e os direitos fundamentais.
O bolsonarismo não acabou. Ele se infiltra, se disfarça e se adapta. Dar um cargo vitalício a alguém que foi alçada a essa posição por meio de um esquema puramente fisiológico é um risco que pode custar caro no futuro. Oportunistas de ocasião não hesitam em mostrar gratidão ao governo que os indicou enquanto isso for conveniente. Depois, quando o poder mudar de mãos, não terão qualquer compromisso com a agenda democrática.
A escolha está nas mãos de Lula
O presidente tem total liberdade para escolher qualquer um dos três nomes da lista tríplice. Mas sua decisão terá consequências de longo prazo. Um ministro do STJ tem poder para influenciar julgamentos cruciais, definir entendimentos sobre crimes contra a democracia e consolidar ou enfraquecer o combate à corrupção.
A nomeação de um aliado de Arthur Lira e de uma família que por anos defendeu Bolsonaro poderia representar um erro estratégico irreparável. A democracia não pode ser loteada para atender a interesses de ocasião. Se Bolsonaro estivesse no lugar de Lula, será que ele indicaria um petista para um cargo vitalício no Judiciário? A resposta é óbvia.
A escolha possivelmente se dará até sexta-feira. O presidente pode escolher entre manter sua coerência ou ceder à pressão de um grupo político que, até ontem, o via como inimigo. Se a segunda opção prevalecer, não será surpresa se, em poucos anos, os mesmos que hoje estendem a mão fecharem o punho contra a democracia outra vez.
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