Lula sabe o que diz quando condena intervenção de militares na política
Declaração é feita quatro anos depois de o petista ser impedido de disputar a presidência por um tuíte do general Villas Bôas, lembra Paulo Moreira Leite
Por Paulo Moreira Leite
Vale a pena recuperar as palavras de Lula no comício de Curitiba, sábado. Ele falou com clareza e sem nenhuma ambiguidade sobre um ponto fundamental da política brasileira -- a pretensão de setores das Forças Armadas em tutelar a democracia brasileira, atitude que explica o esforço de interferir até na apuração dos votos da eleição presidencial.
-- Não queremos as Forças Armadas se metendo nas eleições do nosso país, nem querendo controlar urna, disse Lula.
E prosseguiu, lembrando os mandatos anteriores:
-- Nós já lidamos com as Forças Armadas e as tratamos com muito respeito. E é preciso que alguns lá tratem a sociedade civil com respeito, porque nós sabemos de nós e não precisamos ser tutelados.
A referência de Lula aos governos do PT é instrutiva. Produto de uma das grandes lutas de massa do século XX -- a campanha pelas diretas-já -- a democratização do país após 20 anos de ditadura militar permitiu que o povo brasileiro recuperasse o direito de escolher o presidente da República em urna, com base numa Constituição que assegurou o mais amplo grau de liberdades públicas de nossa história, inclusive para a formação de partidos de trabalhadores e a construção de centrais sindicais, organizações vetadas pela legislações anteriores.
A verdade é que não se atingiu a democratização de forma completa, o que seria demonstrado um quarto de século mais tarde após a promulgação da Constituição, numa intervenção militar aberta, de caráter golpista, que liberou o caminho para o governo Bolsonaro.
Quando o país se preparava para celebrar a sétima eleição presidencial sob o regime democrático, um tuíte do Comandante Villas Boas, do Exército, levou o Supremo Tribunal Federal a renegar o princípio da presunção da inocência por 6 a 5 e assim impedir Lula de disputar a presidência pela terceira vez.
A decisão, por margem tão estreita, abriu caminho para a candidatura de Jair Bolsonaro, que até ali só comia poeira atrás de Lula nas pesquisas, numa desvantagem de 20 pontos, 40% maior que a atual.
Numa cena didática, em janeiro de 2019, ao tomar posse, Bolsonaro cumprimentou Villas Boas num agradecimento respeitoso, dizendo-lhe sem qualquer constrangimento que era um dos responsáveis por ter chegado ao Planalto. Ninguém ousou desmenti-lo.
Com uma tragédia fresca na memória -- o passo seguinte foi a prisão de Curitiba, onde passaria 580 dias -- a declaração de Lula, no Paraná, Estado que foi berço da Lava Jato, toca num ponto que cedo ou tarde o país será levado a discutir, a preservação de uma democracia sem ressalvas nem reparos.
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