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    Rodolfo Fiorucci

    Doutor em História pela UFG, docente no Instituto Federal do Paraná – IF Jacarezinho

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    Lula virou o pirarucu pescado por Lira? A armadilha do arcabouço fiscal

    Lira brinca com Lula ao mostrar o tempo todo que faz o que quiser e que Lula está abaixo dele, como no caso da CPI do MST

    Lula e Arthur Lira (Foto: Ricardo Stuckert/PR | Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

      O governo Lula está cometendo erros crassos em relação ao chamado Arcabouço Fiscal, que é um conjunto de regras que estabelecem critérios para os investimentos públicos. Primeiramente, ter anunciado o tal arcabouço como prioridade nº 1 do governo já foi um contrassenso, pois privilegia uma pauta neoliberal de limitações orçamentárias para áreas cruciais como saúde, educação, segurança, empregos e infraestrutura, com o intuito de garantir o pagamento de juros escorchantes aos especuladores nacionais e internacionais, às custas do inferno coletivo do povo brasileiro e às custas de pautas de real interesse da sociedade mais carente.

      Em sequência, o governo ordena à sua base partidária no congresso, que foi eleita exatamente por defender o oposto do que está no arcabouço fiscal, que defenda o texto apresentado pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA). 

      Por mais realista que seja a imposição de uma frente ampla que limita as ações do governo, há lutas que são fundamentais, e essa do arcabouço fiscal é uma delas. Lula (e seu governo) quer convencer às pessoas que nele votou com intuito de desconstruir essa lógica neoliberal de Estado carrasco das classes média e baixas, que defendam medidas que advogam contra elas mesmas. Parece que a frente ampla pende apenas para a direita e contra aqueles que travaram uma luta renhida para tirar o tenebroso governo anterior do poder. 

      Arthur Lira (PP-AL) já instaurou o semipresidencialismo desde o governo Bolsonaro, exigindo o mensalão premium-plus-mega-blaster via orçamento secreto como pagamento para não travar o governo anterior. Agora se apresenta à Lula como o verdadeiro presidente do Brasil, o dono do cajado do poder, aquele que direciona o barco para o lado que quiser, impondo suas pautas e a de seu grupo econômico e de poder à revelia do executivo. Lira está humilhando Lula publicamente ao conduzir o Brasil de maneira autocrática e sem entregar nada em contrapartida para o governo. Lira brinca com Lula ao mostrar o tempo todo que faz o que quiser e que Lula está abaixo dele, como no caso da CPI do MST, na indicação do relator do arcabouço fiscal e nas falas públicas que reiteradamente faz dizendo que o congresso vai barrar os “retrocessos” de Lula. 

      O governo Lula ao priorizar o Arcabouço Fiscal e ao orientar sua aprovação tal como apresentou o relator indicado a dedo por Lira, com algemas e correntes de aço que impossibilitam o governo de governar, está repetindo o mesmo erro cometido por Dilma após sua reeleição: abandonando aqueles que o elegeram em nome de uma pretensa governabilidade que, em resumo, apenas mantém o sistema de exploração do povo e do país em prol de meia dúzia de bilionários. 

      Pululam nas redes e nos espaços de debate político críticas aos servidores públicos e aos progressistas em geral que se colocam contra esse arcabouço neoliberal. Os interlocutores do governo tentam assustar a base que elegeu Lula com falas que relembram o que aconteceu com Dilma, depois que a militância a abandonou. Ameaçam a base que elegeu o atual governo e deputados progressistas com o perigo do terror que levou a Bolsonaro se repetir. Oras, será mesmo que a base progressista que está errada ao criticar o governo por apoiar medidas que eram pauta da direita neoliberal que defende bilionário?

      Quem está errando novamente, o povo que cobra coerência política e ideológica do governo, ou o governo que mais uma vez cede aos caprichos dos faria-limers? Se era para impedir concursos, reajuste de servidores e investimentos públicos, já tínhamos um Bolsonaro. Se é para realizar política neoliberal, o povo não precisa de um Lula, pois Alckmin faz isso com mais galhardia. 

      Se lula quer de fato enveredar por esse caminho, de abandonar aqueles que travaram a luta feroz na base, em nome de chantagens canalhas pela governabilidade, depois não reclame de falta de suporte e apoio num eventual novo golpe que se avizinhe. Dilma caiu fácil porque perdeu sua base. Bolsonaro, ao contrário, não caiu via impeachment porque manteve sua base fiel, mesmo que para isso custasse destruir o Brasil. Lula vai repetir Dilma, colocando sua base nas primeiras fileiras abatidas em nome de um projeto que visa continuar a saquear o Brasil?

      Que Lula entenda que essa armadilha plantada por Lira e com certa conivência ou inocência de Haddad vai minar sua base de apoio e deixá-lo frágil no campo de batalha. Ao contrário de Dilma, o que sempre sustentou Lula foi sua base de apoio popular nas fileiras mais pobres e nas classes médias intelectualizadas e/ou de servidores públicos. Rifar esse pessoal é suicídio. 

      É evidente que o foco deve ser a camada mais pobre da população, principalmente após a catástrofe que foi o governo Bolsonaro ao inserir o Brasil novamente no mapa da fome e ao destruir a capacidade econômica do país. Contudo, não se faz política social sem apoio basal do que Gramsci chamou de intelectuais orgânicos. O governo precisa da classe média (especialmente setores intelectualizados e dos serviços públicos) como suporte orgânico na defesa das políticas públicas essenciais. Não é defendendo arcabouço que atinge exatamente essa parcela da sociedade que sofreu nos últimos 6 anos que se conquistará apoio. 

      Não se pode ignorar que aquela parcela da população historicamente fiel à Lula, das camadas mais populares, teve um grande contingente que migrou para o bolsonarismo e lá está até hoje. Não se pode esquecer que essa mesma camada da população é a que mais depende dos serviços, servidores  e investimentos públicos para terem um mínimo de dignidade. Se de fato se intenta fazer políticas que tragam o Brasil de volta para um mínimo de racionalidade, moralidade e ética, não se pode defender arcabouço fiscal ultraneoliberal. 

      Essa camada mais pobre que migrou para o neofascismo o fez porque é alvo fácil da idiotia atroz que caracteriza o bolsonarismo. A educação brasileira é muito ruim, datada, conservadora e excludente. É necessário investimentos substanciais em Educação, Ciência e Tecnologia para iniciar um processo de emancipação social capacitando intelectualmente uma grande massa populacional. Gente mal educada é má cidadã e má eleitora. 

      Lula já melhorou materialmente a vida do povo mais pobre uma vez, e deu no que deu. Porque não adianta permitir que o pobre compre uma TV e não entenda as relações econômicas e de poder que estabelecem o preço aviltante dessa TV devido a impostos sobre o consumo, enquanto os mais ricos não pagam imposto de renda. 

      Que o governo Lula desperte enquanto é tempo e remaneje o barco na direção das pautas essenciais e urgentes que melhorem a estrutura de país. Não adianta colocar figuras de extrema capacidade e importância em ministérios menores, que muitas vezes servem de política identitária de pão e circo, e entregar a chave do cofre às raposas do ‘agro é pop’ e aos engomadinhos da Faria Lima. 

      Que Lula não abandone aqueles que brigaram com familiares, foram processados, sofreram perseguições de toda ordem em função de um país melhor, em nome de uma pretensa governabilidade que, no frigir dos ovos, oferece migalhas ao povo para manter os bolsos dos bilionários cheios de dinheiro público e sem nenhuma granada.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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