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    Regina Zappa

    Jornalista, escritora, criadora e apresentadora do Estação Sabiá, da TV 247. Trabalhou mais de 20 anos no Jornal do Brasil

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    “Macacos”, mais uma vez. Na vida e no palco

    Ofensa a Vini Junior mostra avanço do fascismo no mundo e nos leva à peça de Clayton Nascimento

    Vinícius Jr. durante partida do Real Madrid contra o Valencia pelo Campeonato Espanhol (Foto: REUTERS/Pablo Morano)

    Quando um estádio inteiro na Espanha, não pela primeira, nem segunda vez, grita em coro ofensas racistas contra um jogador de futebol negro, abre-se uma cratera repugnante, não apenas na sociedade espanhola, mas na humanidade como um todo. Vinicius Junior teve que suportar, em pleno século 21, um linchamento verbal gratuito, preconceituoso, hediondo por parte de milhares de pessoas que se reuniam para assistir a uma competição esportiva, ideia que veio da Grécia Antiga, onde teve início a Civilização.

    Vini Jinior vai deixar a Espanha: “Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país de racistas”. No entanto, garante que é forte e que “vai até o fim” contra os racistas. Vini tem a solidariedade de todas as pessoas íntegras do mundo contra essas manifestações fascistas da extrema-direita que, tristemente, está ganhando corpo e visibilidade em várias partes do planeta.

    Em depoimento que gravou para TV 247, Chico Buarque ressaltou a coragem de Vini Junior, seu estilo alegre de responder às ofensas no passado, mas declarou: “Chega!”

    Enquanto isso, no mundo civilizado, uma arquiteta brasileira negra, Gabriela de Matos, ganha, junto com Paulo Tavares, o Leão de Ouro de Melhor Participação Nacional na 18.ª Bienal de Arquitetura de Veneza. Brasileira, mulher e negra. É a primeira vez na história que o Pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza ganha um Leão de Ouro.

    São muitos os paradoxos, mas estamos ainda longe de alcançar uma sociedade livre do racismo e do preconceito. Por isso, recomendo, melhor, insisto em que é urgente assistir ao espetáculo “Macacos”, que tem direção, atuação e dramaturgia de Clayton Nascimento, um homem negro com uma trajetória de luta vitoriosa neste país que dá poucas oportunidades, quase nenhuma, a pessoas negras, pobres, vindas da periferia.

    Assisti à peça no último sábado. Saí do Teatro Ipanema, no Rio, com a impressão de que o mundo agora estava dividido entre aqueles que assistiram à peça “Macacos”, e os que ainda não viram. O ator, diretor e dramaturgo, sozinho no palco, atravessa mais de duas horas, quase três, sem perder o fôlego, amparado em um monólogo dramático, muitas vezes sarcástico e divertido, outras vezes trágico e emocionado, mas sempre contundente e de uma potência extraordinária. 

    Em poucos minutos de espetáculo, aos gritos de M A C A C O, Clayton já transporta a plateia para o lugar de horror habitado por mulheres, homens e crianças negras. Ao longo da peça, o ator consegue resumir de forma estruturada a história do Brasil que, como sabemos, os livros de História não contam. Ele sai do cotidiano violento das periferias e salta para a mal resolvida abolição dos escravizados, passando pelo golpe que instituiu a República para que tudo permanecesse igual.

    Como um professor arguindo seus alunos, o ator percorre os fundamentos da República apenas para arrancar dos seus alunos/plateia a resposta de que as bases em que foram criadas as leis educacionais brasileiras trataram de preservar uma sociedade extremamente desigual em que a periferia é excluída da educação formal e das oportunidades de treinamento profissional.

    Durante sete anos, Clayton pesquisou e preparou  seu espetáculo, entrevistando pessoas, mulheres negras que perderam seus filhos assassinados pela polícia, estudando a História do país, lendo e ouvindo tudo que gira em torno do racismo.

    No meio do espetáculo, uma pessoa na plateia soluçava alto, sem conseguir conter a emoção enquanto Clayton, no palco, falava de Terezinha Maria de Jesus, mãe preta que perdeu seu Eduardo de 10 anos, morto com um tiro de fuzil na cabeça na porta de casa. No final do espetáculo em que Clayton foi aplaudido de pé longamente, Terezinha sobe ao palco e pede ajuda para sua luta de anos em busca de justiça para seu filho. Era ela quem soluçava no escuro do teatro, na plateia.

    Cada um à sua maneira, Vini Junior e Clayton Nascimento vão fazendo sua revolução gradual e vigorosa, como vítimas das agressões racistas e protagonistas da reação. Eles esperam que todos se juntem a eles na indignação e na luta pela transformação.

    #justiçaparaeduardo

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