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    Urariano Mota

    Autor de “Soledad no Recife”, recriação dos últimos dias de Soledad Barrett, mulher do Cabo Anselmo, entregue pelo traidor à ditadura. Escreveu ainda “O filho renegado de Deus”, Prêmio Guavira de Literatura 2014, e “A mais longa duração da juventude”, romance da geração rebelde do Brasil

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    Machado de Assis no aniversário da sua morte

    Nesse 29 de setembro, completam-se os 116 anos do falecimento do maior escritor brasileiro

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    Nesse 29 de setembro, completam-se os 116 anos do falecimento do maior escritor brasileiro. No universo literário, não houve gênero que Machado de Assis não cultivasse: do romance ao conto, da poesia ao teatro, da crítica literária à crônica, até uma valiosa epistolografia. A questão hoje não é se ele foi ou não o maior, ou um dos maiores escritores brasileiros que já houve. Talvez a questão mais própria é saber em que gênero ele foi melhor. 

    Hoje, leitores internacionais se encantam com a graça e profundidade do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Muito bem. Mas nesse caso, me parece que cedem à admiração pela originalidade máxima de um defunto a escrever suas memórias. E com aquela dedicatória maravilhosa, “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”. É um choque para todos, mesmo em pleno século XXI. E aqui, duas ideias se atropelam. Tentarei organizá-las apesar da colisão. Na primeira delas, digo que Machado de Assis e a China possuem uma característica comum. Quero dizer, assim como a China é o futuro, como bem expressou o saudoso diplomata Arnaldo Carrilho, Machado de Assis é o futuro da literatura brasileira, desde pelo menos o século XIX. O que ele escreveu é mais que moderno, é futuro da inteligência e cultura brasileira. Come ele, com as suas obras, perdemos o complexo de vira-lata. Somos capazes e na mesma altura dos grandes do mundo. Ufanismo bobo? Veremos que não. 

    A outra ideia se relaciona com a primeira: nos contos, Machado de Assis é um dos maiores de todo o mundo. Falar da sua excelência, compará-lo a outros, é pensar em Tchekhov, Maupassant, Hemingway... E para que não se comparem nomes no vazio, quero dizer; leiam, releiam Uns Braços. Meu Deus, o conto é de um erotismo de arrepiar pela insinuação do que seria beijar aqueles lindos braços da companheira do dono da casa onde um jovem se hospedava. Aqueles braços nus eram uma autêntica perseguição no cérebro e pensamento do rapazinho personagem. É magnífica a atmosfera de atração e repulsa da mulher pelo jovem, até um beijo que lhe deu ou teria dado  enquanto ele dormia. 

    E o que dizer do conto “A causa secreta”? Nesse conto, um sádico, um perverso torturador de animais e de pessoas, deleita-se com a cena do amigo Garcia que, apaixonado pela esposa falecida do perverso, inclina-se “para beijar outra vez o cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços, e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato (o marido), à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa”. Repito: “Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa”. Negrito meu. Que frase! Que espírito de perversão.

    Mas para falar da grandeza do nosso maior escritor, nada melhor que o Dicionário Machado de Assis, do grande José Carlos Ruy. Nele, Ruy escreve: 

    “Os personagens de Machado de Assis refletem a liberdade com que o autor trata um extenso leque de assuntos - eles incluem desde um novelo de linha e uma agulha (de "Um apólogo"), ou um par de botas (de "Filosofia de um par de botas"), até seres mitológicos ou literários - mas principalmente seres humanos de carne e osso, quase sempre membros das classes dominantes. É um grande mostruário de grandes comerciantes de exportação e importação (alguns traficantes de escravos), banqueiros, grandes fazendeiros e senhores de escravos, negociantes, barões, deputados, presidentes de província, altos funcionários da burocracia estatal (alguns deles reconhecidos pelo Imperador e a Regente, princesa Isabel), sacerdotes, militares de alta patente, ministros, diplomatas, advogados, médicos, jornalistas - isto é, um grande mosaico formado pelas imagens daqueles que mandam. Tem também, em número menor, pequenos funcionários e comerciantes, alguns professores de primeiras letras, soldados de baixa patente...

    Tito - Um poeta de 20 anos de idade, pobre, de estatura mediana, elegante, de olhos meigos e profundos e a fronte larga. Moralmente, Tito tem um aspecto duplo - sem vícios, mas com uma fraqueza de caráter: vende suas produções poéticas de forma desonrosa e nada digna. Só tem um freguês, um sujeito rico, maníaco pela fama de poeta. (Uma excursão milagrosa, 1866)”.  

    O mais grave vem a seguir. Até agora, a leitura do Dicionário Machado de Assis é um consumo tristemente privado. Mas esperamos que a Editora Anita Garibaldi socialize logo esse fecundo livro de José Carlos Ruy. 

    Por último e menos importante: o autor destas linhas tem nova idade em 29 de setembro. Aniversariar na data da morte de Machado de Assis é mesmo um acaso bem irônico. Mas me deixa feliz ainda assim. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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