Mães em luta
''Parem de nos matar''. É o brado que as une na busca inconformada por justiça
Uma conversa com as autoras do livro Mães em Luta marcará o pré-lançamento do livro de autoria do coletivo Movimento Mães em Luto da Zona Leste, sábado próximo, dia 8, às 10h30, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.
''Parem de nos matar''. É o brado que as une na busca inconformada por justiça. Por entre histórias, poemas e cartas, a dimensão testemunhal do massacre/genocídio de jovens negros em curso em São Paulo e o enlaçamento afetivo sustentaram a construção de um coletivo de dezessete mulheres compromissadas com a produção deste livro, um Livro-Luta por Justiça e Memória: Mães em Luta. (Editora Fábrica de Cânones)
As Mães contam o seu livro:
“O Movimento Mães em Luto da Zona Leste foi criado em 2016, depois da execução de nossos filhos e sobrinho por policiais nas periferias. Viemos relatar nossas histórias, o que nos deu força para não deixar que os casos dos nossos filhos e sobrinho caiam no esquecimento. Uma mãe segurando a mão da outra, entendendo a dor da outra, se fortalecendo para não cair e seguir buscando justiça pelo seu filho … começamos a nos conhecer e a dialogar sobre nossas dores. Tudo foi dividido e juntamos um pouquinho de cada dor e revolta nos textos, nos bordados, nos traços de cada desenho.”
“A investigação dos crimes e punição dos responsáveis não existe”. A frase é de Paulo Sérgio Pinheiro, reconhecido porta-voz da luta pelos direitos humanos, e é complementada por seu depoimento para a orelha do livro: “Este livro, Mães em Luta, reúne diversos depoimentos de mães que perderam seus filhos e deve servir para romper o silêncio e a inação dos governos diante desses crimes. São testemunhos candentes, plenos de lembrança das vidas de seus filhos, que todos os defensores da vida e da dignidade da pessoa humana nesse país têm a obrigação de ler e divulgar.”
“No Brasil não há pena de morte” é o que expõem no prefácio Damazio Gomes da Silva e Valdênia Aparecida Paulino Lanfranchi, defensor e defensora de direitos humanos: “Nas narrativas de cada mãe podemos reviver junto com elas os momentos de dor ao tomar conhecimento da notícia das mortes, a busca pela verdade, os caminhos percorridos atrás de provas que demonstrem a violência desmedida por parte da polícia. (…) Elas lutam para afirmar que no Brasil não há pena de morte e que todos têm o direito de receber um julgamento justo.”
1. Eram jovens e, como todos jovens, sonhavam
No primeiro capítulo, as lembranças dos sonhos, dos planos, das esperanças com o que o futuro lhes reservava compõem a tônica desses depoimentos. Guilherme sonhava com carros; Kaique era bom aluno; Douglas queria estudar administração; Josias tinha enorme facilidade de aprender; Peterson era cheio de vida, adorava se divertir; Victor quis ser bombeiro; Luan era o melhor aluno da classe.
“Não ouvia nenhuma reclamação dele ... E não tinha nenhuma nota ruim. Eu brincava com ele e dizia com Lu: com esse sorrisão acho que está pedindo para algum CDF prá tirar nota boa''.
(Maria Medina Costa Ribeiro)
“Ainda guardo o combo do filme Velozes e furiosos por ser um filme voltado a quem gosta de dirigir. Olhando este objeto, as lágrimas rolam no meu rosto. Escutando as escritas das mães, as
lágrimas rolam no meu rosto. Carregamos a mesma dor, a mesma saudade.” (Gilvânia Gonçalves)
“Filho, como eu te protegi no meu ventre, como eu o amava sem saber o quanto eu sofreria hoje com toda essa história cruel e horrível. Lembro exatamente desse dia que está aqui na minha mente e na minha alma, e que só vai deixar de existir… sabe quando? NUNCA...Você vive em mim. PETERSON SILVA DE OLIVEIRA, para sempre.” (Tatiana Lima Silva)
2. Nos abraçamos no luto e nos enlaçamos na luta
“Até quando vamos ver jovens negros morrerem assim? Até quando vão matar nós? É muita hipocrisia dizer que a lei é feita para todo mundo e em nome de todos, quando na verdade ela é feita por alguns e não é aplicada de maneira justa para todos.” (Miriam Damasceno da Silva)
3. Por que você atirou em mim?
''A você que matou meu filho''. Dois relatos. Um de dúvida, a razão do tiro na nuca de Douglas ainda é desconhecida. O outro de perplexidade por ter o vídeo de seu filho, no chão e com as mãos para o alto, sendo executado com três tiros. “Não precisava falar diretamente comigo, mas falasse com alguém da minha família: ‘Olha, fala para a mãe do Douglas que foi um disparo acidental’. Mas, pelo contrário, nas três, quatro vezes em que a gente se encontrou você só me olhou com raiva no olhar. Na corregedoria você me olhava de rabo de olho, o tempo todo de cabeça baixa. Uma atitude não de arrependimento. Eu senti como se fosse de medo de me encarar, medo de eu ir pra cima e ficar te questionando: Por que você matou o meu filho?” (Rossana Martins de Souza)
“Por que não deu a oportunidade de meu filho pagar pelo seu erro? Por que você não fez o serviço correto? Por que você decidiu ser o delegado, o promotor, o juiz, o jurado e decidiu dar a sentença de morte para meu filho? Como você consegue dar três tiros em uma pessoa toda encolhida no chão? Encolhida no chão e já com a mão erguida para o alto, se entregando: você executou o Victor com três tiros.” (Solange de Oliveira Antonio)
4. Que justiça é esta?
O quarto capítulo é composto por cartas às autoridades, àqueles que acham que se faz justiça dando poder de matar aos agentes de Estado e a um Juiz do Tribunal de Justiça. É um capítulo que reforça e ressalta a larga conivência com as recorrentes execuções de jovens negros no Brasil.
Na carta às autoridades do Brasil, a começar pelo presidente da república, as mães relembram falas de João Dória e Jair Bolsonaro incentivando o exercício arbitrário e tirânico da força policial: “A letalidade produzida pela violência policial é autorizada por muitos governantes. O governador João Doria, de São Paulo, quando tomou posse em primeiro de janeiro de 2019, falou claramente que a polícia ‘tinha que atirar para matar’. O Presidente Jair Bolsonaro, em 2018 declarou: ‘ [O policial] entra, resolve o problema e, se matar 10, 15 ou 20, com 10 ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado, e não processado' ''.
5. Onde vive a palavra hoje?
O quinto capítulo retrata o processo de escrita do livro. “A dúvida é a seguinte: o policial que atirou pelas costas de um ser humano sem poder se defender não se arrepende? Dúvida que não sai da minha mente e nem do coração: essa pessoa agiu por impulso próprio?” (Sidinéia Santos Souza)
Os depoimentos das corajosas mães em luta, autoras desse livro emocionante são estes:
Gilvania Reis Gonçalves, 49: “Trabalhei muito tempo como empregada doméstica, ajudante geral e vendedora. Hoje estou na informalidade, vendendo tapioca. Estou militando na luta por moradia desde 2015 onde aprendi que minha voz precisa ecoar.”
Maria Medina Costa Ribeiro, 47: “Trabalho num bar e restaurante, desde quando o Luan morreu. Antes era cozinheira de hospital, gostava muito desse trabalho e pretendia fazer o curso de técnica de nutrição, mas de repente tudo mudou e desanimei.”
Miriam Damasceno da Silva: “Sou graduada em Administração e pós em gestão de qualidade. Também estou na luta contra o luto causado pelo genocídio, junto com o Movimento Mães em Luto
da Zona Leste e juntas vamos erguer nossas vozes dizendo: PAREM DE NOS MATAR!”
Rossana Martins de Souza Rodrigues, 52: “Sou mãe do Douglas Martins Rodrigues, que partiu dia 27 de outubro de 2013, com 17 anos. Minha profissão é costureira, continuo costurando para
trazer o sustento da minha casa.”
Sidineia S. Souza, 53: “Venho tentando sobreviver como autônoma, com costura e vendas de produtos femininos, entre lingerie e roupa. Não trabalho com carteira assinada, apresento problema de saúde.”
Solange de Oliveira Antonio, 50: “Fui para a luta quando o Estado executou meu filho Victor, com 20 anos, e sigo sobrevivendo como mãe e avó. Trabalhei para fundar o Movimento Mães em Luto da Zona Leste, em maio de 2016. Nossa luta é por justiça e memória: acompanhamos as mães em seu doloroso trajeto pelo sistema de justiça brasileiro com o objetivo de não deixar essas mortes em vão. Lutamos para que os jovens da periferia tenham respeitado o seu direito de ir e vir.”
Tatiana Lima Silva, 42: “Trabalho como atendente e hoje me encontro sobrevivente nessa sociedade, pois estou na luta para esquecer o luto.”
Ficha Técnica
Título: Mães em luta
Palestrantes na conversa de sábado próximo: Sidneia Santos Souza, Solange de Oliveira Antonio, Tatiana Lima Silva, Claudia Cristina Trigo de Aguiar e Cristiane Fernandes Tavares
Autoras do livro: Gilvania Reis Gonçalves, Maria Medina Costa Ribeiro, Miriam Damasceno da Silva, Rossana Martins de Souza Rodrigues, Sidineia Santos Souza, Solange de Oliveira Antonio, Tatiana Lima Silva
Prefácio: Damazio Gomes da Silva e Valdênia Aparecida Pauino
Lanfranchi
Orelha: Paulo Sérgio Pinheiro
Coordenação do Projeto de Escrita: Claudia Cristina Trigo de
Aguiar e Maria Cristina Gonçalves Vicentin
Coordenação das Oficinas de Escrita: Cristiane Tavares
Mediação das Oficinas de Escrita: Cristiane Tavares, Geruza Zelnys e Rioco Kayano.
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* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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