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    Davi Spilleir

    Mestre em Sustentabilidade, pesquisador de Economia Solidária pelo CIRIEC e pela ABPES

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    "Magalhães", um presente à percepção

    Achei um curta que é uma preciosidade neste sentido: "Magalhães", feito originalmente como TCC pelo diretor Lucas Lazarini. Em seus pouco mais de 20 minutos (diga-se de passagem, um primoroso trabalho de recolhimento de imagens e edição), Lazarini dá corpo ao que foi os bastidores da propaganda da campanha de Magalhães Teixeira à prefeitura de Campinas, em 1992

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    A linguagem é uma variável que permeia todas as instâncias das relações humanas. Especialmente em Foucault, vê-se com especial coerência a maneira como a linguagem firma-se como o estruturador da relação do real. É através das práticas discursivas que se alicerçam as relações de poder, assim como é por meio de uma estrutura de repetição discursiva que se passa a normalizar normas, pois a repetição discursiva serve, sobretudo, para introjetar ideias, conceitos, princípios e consolidar estruturas de dominação.

    Ora, poderoso artifício que opera na dimensão da linguagem é o símbolo. O símbolo não é mera representação abstrata de algo, ao contrário, o símbolo é a própria coisa ainda que transmutada em sua forma. Acredito que um exemplo ajude a entender o que quero dizer: ao comungarem, os católicos não consomem apenas um pão, mas sim a própria personificação do corpo de Cristo, assim como o vinho (ou suco de uva), é a simbologia de seu sangue. Os espíritas veem no passe uma conexão direta com o divino e com as boas energias de seus espíritos; Os umbandistas, através do som da curimba, uma conexão direta com seus orixás e guias. Longe de ser uma mera abstração, o símbolo é a própria coisa.

    Assim, é a mistura entre símbolo e linguagem que significa e estrutura atos consuetudinários, sejam eles libertadores ou repressivos. Um momento em que essas práticas se mostram com extrema clareza é durante as eleições. São diversos mecanismos associativos, discursivos, organizacionais, propagandísticos e simbólicos que operam para criar imagens e conceitos (que, inclusive, muitas vezes estão longe de refletir a realidade). As campanhas, com seus aparatos todos, por serem parte da dita democracia burguesa, têm, por excelência a função de tecer imagens e consolidar significados. Foi assim com o caçador de marajás, foi assim com mito, foi assim com as tantas ideias de "gestores" que não são políticos, e por aí vai...

    Uma das grandes curiosidades que sempre tive, foi a de saber como opera a construção destes símbolos, sobretudo na época de campanha, afinal, tendem a sacralizar aquilo que se entende daquela personalidade em questão. Pois foi com enorme felicidade que achei um curta que é uma preciosidade neste sentido: "Magalhães", feito originalmente como trabalho de conclusão de curso pelo diretor Lucas Lazarini. Em seus pouco mais de 20 minutos (diga-se de passagem, um primoroso trabalho de recolhimento de imagens e edição), Lazarini dá corpo ao que foi os bastidores da propaganda da campanha de Magalhães Teixeira à prefeitura de Campinas, em 1992. Para além do fato de que ali ser possível encontrar figuras históricas (ainda que ao meu ver, abjetas) como Franco Montoro, Mário Covas e o então senador FHC, ainda há a participação de alguns outros que ainda hoje estão ativos na política, como Ciro Gomes, Tasso Jereissati.

    O curta é cabal em mostrar o caráter artificial e a montagem de cenas que permeiam as campanhas midiáticas e, para isso, o diretor usa de um recursos subversivo: o humor. O documentário é engraçado demais. O que poderia ser notado à primeira vista como algo maçante, burocrático, torna-se uma preciosa peça de humor. Este colunista confessa sua total incapacidade em manter a seriedade.

    Outros dois fatos também são notórios na constituição da obra: 1) ela é feita em totalidade com filmagens que são de arquivo público, doadas pela família de Magalhães para o acervo da Unicamp e 2) na concepção do diretor, que deu uma entrevista ao Canal Meteoro esta semana, seu ímpeto em gravar sobre o assunto deu-se muito ao fato de que via semelhança entre os discursos entre 1992 e 2016.

    Sou obrigado a concordar com o diretor após assistir sua obra, ainda que as nomenclaturas e termos divirjam ao longo do tempo, seu conteúdo é substancialmente o mesmo. Chavões, odes à família tradicional, a fala sobre como livrar o país do mal maior, enfim, o mesmo lenga lenga e falta de originalidade no discurso conservador.

    Um último destaque ao leitor: o curta já foi apresentado em Lisboa, Fortaleza, Recife, Rio, SP, Curitiba, Porto Alegre, Juiz de Fora, Ouro Preto e alguns outros festivais. Em cada um deles, destaca o diretor, a reação do público é diferente. Não sei exatamente qual a reação do pessoal, mas quanto à minha, só o que tenho a dizer é: ainda não me refiz do encantamento.

    "Magalhães" está disponível no Canal Meteoro.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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