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    Roberto de Aquino Neves

    Advogado, líder do escritório Advocacia Combativa

    5 artigos

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    "Marighella": apenas um bom filme de ação!

    "Faltou contextualizar suficientemente os atos de violência revolucionária praticados pelos opositores da ditadura à época"

    (Foto: divulgação)

    No filme "Marighella" - que padece das mesmas falhas ridículas de todos os outros filmes feitos sobre a ditadura militar brasileira - afinal, o que faltou ?! 

    Faltou contextualizar suficientemente os atos de violência revolucionária praticados pelos opositores da ditadura à época. 

    O filme em questão até tentou fazer isso em tímidas linhas escritas logo no início da película. Como se o brasileiro médio tivesse o hábito  ou a paciência para exercitar a leitura! Ou, como se umas míseras linhas escritas logo na introdução ao filme, pudessem fazer frente ao turbilhão de IMAGENS vívidas e brilhantes, de atos violentos praticados pela resistência. Coisas que os espectadores iriam vivenciar ao longo do filme!

    Intriga-me sobremaneira, como pessoas oriundas da 7ª arte, não terem ainda fixado a informação de que "uma imagem vale mais que mil palavras!"

    O diretor desejava mais que um filme de ação?! Então, por qual motivo repetem a mesma fórmula ineficiente e surrada de todos os outros filmes sobre a Ditadura Militar? E, até de forma mais branda ainda!? Focam em tiroteios e em umas poucas cenas de tortura, e acham que isso é o bastante para convencer?! Sem contextualizar os violentos atos revolucionários, transforma-se a resistência armada e seus heróis em meros bandidos, psicopatas e neuróticos fugindo da polícia!

    O pensamento seguinte de quem não viveu uma ditadura é: que mal faz, torturar e matar bandidos e fugitivos da polícia?! Afinal, todo agente estatal tem a natural legitimidade e autorização legal para praticar atos violentos para conter condutas "ilegais"! 

    Ou seja, o Estado tem a natural e legal autorização para exercer o monopólio estatal da violência! Portanto, sem discutir com profundidade a legalidade e legitimidade desses atos, não há como transformar revolucionários em heróis!

    E em países como o nosso, que herdaram da ditadura militar (vigentes até hoje), um certo arcabouço normativo e "moral", de justificação de atos ditatoriais, como é o caso do Brasil, isso ocorre mais ainda!

    De que adianta mostrar truculência e assassinatos ilegais praticados pela repressão, ainda mais contra oponentes que também usavam a mesma violência e truculência? Sabemos que a violência praticada pela resistência era legitima defesa. Mas como exigir que um jovem que não vivenciou uma ditadura possa entender isso sem contextualizar a violência praticada pela resistência? Mais que só contextualizar: tem que se "mastigar" e entregar pronto aos nossos jovens!

    Em ditaduras que não foram depostas pelo povo, mas que caíram de podre, ou como dizia Marx "desmancharam no ar", cria-se uma certa cultura de leniência  deletéria (im)moral, de que não devemos nos opor à violência praticada contra opositores!

    Em suma, por mero amadorismo em comunicação com as massas, nesse filme a esquerda brasileira perdeu a oportunidade histórica, de ganhar a narrativa sobre os fatos que ocorreram em 1º de abril de 1964(Dia da Mentira). 

    Perderam inclusive a piada pronta, muito embora não corressem nem o risco de perderem um amigo por isso! E se afirmo que perdemos a narrativa, é porquê muito embora tivéssemos largado na dianteira ( por já nos termos adentrado ao regime democrático), fizemos tudo errado repetindo de forma até piorada, a fábula da corrida entre o coelho e o jabuti. Não só paramos de correr para fazer presepadas, mas fizemos tudo errado!

    FALTOU FAZER O “DEVER DE CASA”

    Estivemos 23 anos governados por presidentes que foram opositores históricos à ditadura militar: Fernando Henrique Cardoso (im memoriam, rsss), Lula e Dilma. Mas só para começar, em nenhum momento se criou um só Museu da Ditadura no País, quando na realidade deveriam ter sido criados no mínimo um desses museus, em cada estado da federação, com data de visita anual obrigatória, para todos os estudantes do ensino fundamental ao terceiro grau!

    FALOU-SE MUITO EM TORTURA E POUCO EM DEMOCRACIA

    Por outro lado, falou-se muito em tortura e muito pouco em democracia, e principalmente: como elas morrem!

    Não se fez um único estudo sobre o fenômeno e as técnicas psicológicas e de persuasão empregadas para sufocar a democracia brasileira em pleno dia da mentira! Tanto, que hoje somos vítimas da mesma narrativa e estratégia, que não tiveram nem a grandeza de serem atualizadas. Mas atualizar para quê? Se seriam aplicadas novamente em opositores tão toscos e desorganizados?! Estamos arriscados a cairmos nas mesmas mentiras por duas vezes seguidas! E por pura imbecilidade de nossos líderes!

    VOLTANDO AO FILME

    Como disse acima, perderam a piada pronta de que o golpe fora perpetrado às vésperas do dia da mentira. 

    E faltou também mostrar na película, as cenas que descortinariam a mentira, mostrando que o golpe teve como seu primeiro ato da parte dos civis uma farsa e várias mentiras! 

    1º foi a farsa ocorrida que obrigou o então parlamentar Tancredo Neves a gritar por várias vezes seguidas "canalhas, canalhas,canalhas", ao presenciar o presidente da casa legislativa à qual participava, lançar a mentira que foi o 1º ato formal para desencadeamento do golpe civil/militar: Afirmou mentirosamente que o Presidente João Goulart (Jango) havia se ausentado do Brasil sem pedir autorização ao Parlamento. Tal ato se fosse verdade legalmente desencadearia a vacância da cadeira de Presidente da República, com a respectiva perda do cargo pelo titular, se fosse realmente verdade essa ausência! 

    Mas o fato é que Jango encontrava-se no Rio Grande do Sul, portanto, encontrava-se em pleno território nacional!

    2º fato que faltou também mostrar em cena, foi o General Kruel recebendo duas malas recheadas de dólares americanos para endossar e apoiar o golpe contra Jango. Em fevereiro de 2014, o coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira declarou à Comissão da Verdade de São Paulo que a Fiesp subornou Kruel com US$ 1,2 milhão para que traísse Jango. Tal fato é um ato de corrupção! É uma coisa que depõe contra toda a narrativa moralista anticorrupção e anti-imperialista que campeava nos discursos pro golpe de outrora e até nos discursos golpistas de hoje!

    O 3º fato que precisaria ter ser abordado de forma enfática no filme é a participação decisiva dos EUA  no golpe, com o fato concreto de que efetivamente enviara frota marítima ao Brasil para apoiar o golpe. Tal frota que no entanto voltara na metade do caminho, ao saberem da ausência de resistência do Jango ao golpe! 

    Não se trata de teoria da conspiração: é fato documentado, que veio a público após final do sigilo legal dos documentos que foram tornados públicos pelo governo americano em data relativamente recente!

    E a 4ª verdade que precisaria ter sido abordada em todos os filmes sobre o tema (inclusive em Marighella) era o fato de que a luta armada empreendida pela esquerda brasileira era bem posterior a quebra da normalidade democrática empreendida pelo golpe militar de 1964. Antes disso, sequer se poderia falar em movimento armado da esquerda brasileira. Simplesmente não existia. Tal fato por si só quebraria a retórica golpista atual e de outrora no sentido de que o golpe não seria golpe, mas contragolpe.

    Só após abordado de forma contundente esses 4 fatos, é que se poderia introduzir e contextualizar a figura heroica de Marighella! Antes disso, é jogá-lo às feras da opinião  pública, vitaminada pela narrativa golpista da imprensa tupiniquim.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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