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    Manuel Domingos Neto

    Historiador, professor, pesquisador na área das Forças Armadas. Foi deputado federal pelo Piauí

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    Medo injustificado

    Não cabe aos brasileiros temer a capacidade de espionagem das corporações militares. O que deveria preocupar são os propósitos da espionagem

    (Foto: ABR | Divulgação)

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    Ontem, houve quem arrepiasse de medo ao ler a reportagem da Folha de São Paulo: “Exército compra equipamento para acessar celulares e silencia sobre motivos”.

    Nada mais compreensível, neste momento em que a democracia magrinha que nos sobrou está ameaçada.

    O jornal insinua que o Exército se prepara para extrair “dados de telefones celulares, de sistemas de nuvem dos aparelhos e de registros públicos armazenados em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram”.

    Ora, isso é comezinho na inteligência militar. O jornal reportou que a galinha come milho. Impossível corporações armadas se manterem avisadas sem recursos técnicos básicos.

    O jornalista diz que, “pela primeira vez”, o Exército compra tal tipo de ferramenta. O coronel da reserva do Heraldo Makrakris emendou: trata-se de “mais uma” ferramenta.

    A reportagem é tão rasteira e enganosa que outro coronel, Marcelo Pimentel, ironizou: o jornalista devia ganhar um Pulitzer.

    O repórter fez o leitor pensar em ladroagem ao informar que a compra foi efetuada sem licitação. Não sabia que é bizarro anunciar esse tipo de compra? E que, se houve publicidade, foi intencional, como alertou o coronel Marcelo Pimentel?

    O repórter fez ainda o pobre leitor imaginar planos terríveis, ao destacar que a compra foi autorizada pelo general Paulo Sérgio, hoje ministro da Defesa dedicado a fustigar o TSE por conta de urnas eletrônicas.

    Nesses assuntos, as reportagens necessárias deveriam tratar das intenções dos vazamentos de notícias, ensina Piero Leirner, obstinado pesquisador da guerra híbrida. A atuação dos militares está dirigida para condicionamentos da sociedade. Interessa-lhes criar ambientes que chamam de “psicossociais” e, neste sentido, usam sorrateiramente a imprensa desavisada ou de má fé.

    Não cabe aos brasileiros temer a capacidade de espionagem das corporações militares. Guerreiros, quanto mais informados, melhor se preparam para suas missões.

    O que deveria preocupar são os propósitos da espionagem. Seria para acompanhar o passo a passo dos numerosos agentes estrangeiros imiscuídos em nossos negócios?

    O que deve deixar o cidadão inquieto é a obcecada preocupação do militar com o “inimigo interno”, que o transforma, para a alegria do potencial agressor estrangeiro, em caçador de cidadãos descontentes com o ordenamento socioeconômico.

    O que mete medo é o distúrbio de personalidade do militar brasileiro que, ao se dedicar à manutenção da lei e da ordem, abandona sua função precípua de preparar-se para enfrentar o estrangeiro hostil.

    O que deve assombrar os brasileiros é a dependência das corporações militares em armas e equipamentos de potências estrangeiras. Em outras palavras: a incapacidade de defender o país com armas próprias e o permanente beneficiamento de complexos industriais-militares que aterrorizam o mundo.

    Ao ocupar a mente dos brasileiros com potocas, jornalistas não ajudam a luta democrática. Atuam como transmissores de desígnios castrenses.

    Será que um dia veremos grandes jornais enviando repórteres à Washington para nos relatar o que diabo fazem as comissões das Forças Armadas brasileiras nos Estados Unidos? Isso, sim, amedronta.

    Desde a Segunda Guerra Mundial mantemos escritórios militares permanentes neste país. Os recursos públicos esbagaçados bastariam para mudar o rumo da prosa em política de Defesa.

    Estivessem as fileiras voltadas para dissuadir possíveis agressores estrangeiros, não lhes sobraria disposição para tutelar o Estado e a sociedade. A democracia estaria melhor protegida.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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