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    Cynara Menezes

    Baiana de Ipiaú, formou-se em jornalismo pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e já percorreu as redações de vários veículos de imprensa, como Jornal da Bahia, Jornal de Brasília, Folha de S.Paulo, Estadão, revistas IstoÉ/Senhor, Veja, Vip, Carta Capital e Caros Amigos. Editora do site Socialista Morena. Autora dos livros Zen Socialismo, O Que É Ser Arquiteto e O Que É Ser Geógrafo

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    Mesmo negando eficácia, Fiocruz abre edital para compra de 3 toneladas de cloroquina

    Jornalista Cynara Menezes informa sobre a abertura do edital da Fiocruz para compra de três toneladas de cloroquina a uma empresa indiana. "A megacompra causa ainda mais estranheza quando se sabe que, em abril, o diretor do Instituto, Jorge Souza Mendonça, afirmou não haver risco de desabastecimento de cloroquina"

    Jair Bolsonaro segurando caixa de cloroquina (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

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    Por Cynara Menezes, para o Jornalistas pela Democracia 

    No início do mês de julho, o coordenador de Epidemiologia e Vigilância da Fiocruz, Claudio Maierovitch, confirmou, em entrevista ao canal GloboNews, a inexistência de estudos que comprovem a eficácia da cloroquina e do seu derivado, a hidroxocloroquina, propagandeada por Jair Bolsonaro até para as emas do Palácio da Alvorada.

    “A Fiocruz orienta profissionais, ela afirma que não há base científica para a cloroquina, pelo contrário, há evidências de que não deve ser utilizada. Mas, se recebe comunicado do Ministério da Saúde, não pode deixar de informar seus profissionais. Internamente, é conhecido que não tem eficácia”, disse Maierovich sobre a avaliação dos técnicos da Fundação em relação ao medicamento.

    No entanto, o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) da Fiocruz abriu nesta segunda-feira, 27 de julho, um edital para a compra de 3 toneladas de cloroquina a uma empresa indiana, a IPCA Laboratories Limited, a maior produtora mundial do ingrediente ativo do medicamento. A megacompra causa ainda mais estranheza quando se sabe que, em abril, o diretor do Instituto, Jorge Souza Mendonça, afirmou ao jornal O Globo não haver risco de desabastecimento de cloroquina, já que a Farmanguinhos possuía material suficiente para produzir 4 milhões de unidades.

    Mendonça também disse na época que a instituição aguardava a evolução dos estudos clínicos sobre a cloroquina no combate ao Covid-19 para, caso se comprovasse a eficácia, aumentar a produção. Neste meio tempo, porém, a OMS suspendeu as pesquisas com o medicamento. Há uma semana, a revista científica Nature publicou um novo estudo assegurando que a hidroxicloroquina não tem eficácia contra a doença.

    Há uma semana, foi revelado pelo Jornal Nacional um documento da área técnica do Ministério da Saúde alertando para não adquirir e produzir cloroquina em massa e que já havia um estoque de 4 milhões de comprimidos. Na ata da reunião, constava que o governo iria importar “3 toneladas de insumos para a produção de cloroquina” no país “via Ministério das Relações Exteriores”. Seriam as mesmas do pregão da Farmanguinhos?

    Desde 2017 as importações da IPCA estavam banidas pela FDA, a Anvisa dos EUA, porque a agência encontrou inúmeras irregularidades em três fábricas da empresa, com sede em Mumbai, que poderiam causar “adulteração nos remédios”

    Com sede em Mumbai, a IPCA é a mesma empresa cujo embargo foi derrubado pelo governo norte-americano em 21 de março, justamente para o país poder importar cloroquina, e que havia sido propagandeada por Donald Trump pela primeira vez dois dias antes como a “cura” para a Covid-19. “Os resultados são muito, muito encorajadores”, disse Trump, minimizando os efeitos colaterais. “Se as coisas não saírem como planejado, isso não vai matar ninguém.”

    Na verdade, depois que o presidente “receitou” o medicamento, a imprensa noticiou vários casos de morte de pessoas que tomaram o medicamento sem prescrição, influenciadas pelas palavras de Trump. A mais recente delas foi uma adolescente de 17 anos com comorbidades, Carsyn Leigh Davis, que morreu no início de julho ao comparecer a uma festa em sua igreja lotada de crianças sem máscara, pegar coronavírus e sua mãe negacionista lhe dar azitromicina e hidroxicloroquina por conta própria.

    Desde 2017 as importações de medicamentos da IPCA estavam banidas pela FDA, a Anvisa dos EUA, porque a agência encontrou inúmeras irregularidades em três fábricas da empresa que poderiam levar a “adulteração nos remédios”. A Índia produz cerca de 70% da hidroxicloroquina do mundo, com os laboratórios IPCA e Zydus Cadila à frente, sendo que o primeiro é responsável por 80% do fornecimento da substância no país.

    Logo que a FDA derrubou as restrições, a reação do governo da Índia foi proibir as exportações do medicamento já no dia 25 de março, temendo que ele faltasse para os pacientes do país, não só de Covid-19 como de lúpus, artrite reumatoide e até diabetes. Nada que um telefonema de Trump a Narendra Modi ameaçando com retaliações não pudesse mudar: no dia 7 de abril, a proibição caiu e o presidente dos EUA agradeceu ao primeiro-ministro indiano no twitter.

    Mesmo tendo derrubado o embargo à importação, em junho a FDA revogou a autorização para uso emergencial da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da pandemia. “Não é mais razoável acreditar que as formulações orais de hidroxicloroquina e de cloroquina possam ser eficazes, nem é razoável acreditar que os fatores conhecidos e os potenciais benefícios desses produtos superem seus riscos conhecidos e potenciais. Por conseguinte, a FDA revoga o uso emergencial de hidroxicloroquina e cloroquina nos EUA para tratar Covid-19”, diz o comunicado.

    Já no edital da Fiocruz, a IPCA aparece como fornecedora obrigatória do medicamento e a cloroquina é apresentada como necessária ao enfrentamento da doença. “O princípio-ativo Cloroquina deverá ser comprado do fabricante IPCA Laboratories Limited., pois é o fabricante que consta no registro para a produção do medicamento Cloroquina 150mg”, diz o texto. Ou seja, é um pregão eletrônico para cumprir a legislação, mas o vencedor já está previsto no próprio edital.

    A Índia produz cerca de 70% da hidroxicloroquina do mundo, com os laboratórios IPCA e Zydus Cadila à frente, sendo que o primeiro é responsável por 80% do fornecimento da substância no país

    A justificativa para a compra de toda essa cloroquina é atender às demandas do SUS “em decorrência da Infecção Humana pelo Coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19)”. Diz o texto: “O objeto da presente licitação é a escolha da proposta mais vantajosa para a aquisição de CLOROQUINA, DIFOSFATO, para fins de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, causador da COVID-19”.

    O site entrou em contato com a assessoria de imprensa da Farmanguinhos para obter explicações sobre o edital, mas ainda não teve resposta. Também questionou o porquê de o medicamento não estar sendo fornecido pelo Exército brasileiro, que já produziu, segundo informações prestadas ao site Repórter Brasil, 2,25 milhões de comprimidos de cloroquina este ano. Os gastos de 1,5 milhão de reais do Exército para fabricar cloroquina estão sendo investigados pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

    UPDATE: a Fiocruz informou em nota que cancelou o edital para a compra da cloroquina. “O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição vinculada ao Ministério da Saúde (MS), informa o cancelamento do edital 65/2020, de aquisição do insumo farmacêutico ativo difosfato de cloroquina, para produção de cloroquina.”

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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