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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Ministro do Superior Tribunal Militar protocola denúncia que pode levar Bolsonaro a perder patente de capitão

    Caso o aditamento seja acatado e Bolsonaro considerado culpado, além da prisão ele pode perder também a patente de capitão e, como consequência, o soldo

    Bolsonaro participa das comemorações do Dia do Exército, em Brasília (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

    O ministro Flávio Flores da Cunha Bierrenbach protocolou um aditamento à denúncia que foi oferecida no Supremo Tribunal Federal, pela Procuradoria Geral da República, pedindo a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, por crime militar de “incitamento à tropa”. Se condenado, Jair perde a patente, é expulso do Exército e perde o soldo.

    Ele se dirige ao “Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral da República”, na qualidade de “ministro aposentado do Superior Tribunal Militar” para apresentar “NOTITIA CRIMINIS que envolve representação contra o senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, cidadão brasileiro, investido nas funções de Presidente da República Federativa do Brasil na época dos fatos a seguir narrados, então domiciliado no Palácio da Alvorada e ainda hoje residente em Brasília, DF, pelos motivos de fato e de direito e para os fins a seguir anunciados: 

    No dia 19 de abril de 2020, diante do Quartel General do Exército Brasileiro, em Brasília, DF, quando manifestantes pediam intervenção militar para fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, o representado pronunciou discurso que configura delito tipificado no Código Penal Militar. De fato, ao participar de ato público, destinado a tentar cooptar militares para atuação contrária aos princípios constitucionais que estabelecem a separação dos poderes, o representado cometeu crime de incitamento à indisciplina”.

    Bierrenbach apela para a Constituição Federal, no seu artigo 2º, que diz: “São poderes da União, independente e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. 

    Ele segue demonstrando que a tripartição dos poderes são a base sobre a qual repousam todas as demais instituições do País. E chama a atenção para o fato de: “como reza o Artigo 142 da mesma Constituição Federal: As Forças Armadas constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. 

    E segue: Também assim estabelece o Art. 2º do Estatuto dos Militares, ao sublinhar, no mesmo sentido:

     “As Forças Armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica; e destinam-se a defender a Pátria e a garantir os poderers constituídos, a lei e a ordem. São instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”.

    Ao endossar manifestação contrária à índole do artigo 2º da Carta de 1988, o então Presidente da República, além de eventualmente ter incidido em crimes comuns e de responsabilidade, cometeu delito expressamente previsto no Código Penal Militar, que dispõe:

    “Art. 155 – Incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar.

    Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”.

    No entender do ministro, A hierarquia e a disciplina representam “elementos axiológicos de caráter fundamental, sem os quais as Forças Armadas se desorganizam e – uma vez desorganizadas – haverão de perder sua capacidade de cumprir os fins para que se destinam: a defesa da Pátria e dos poderes constitucionais. “A disciplina é a honra do soldado”, como disse Ruy Barbosa.

    “Um exército sem disciplina é instituição insuficiente para a guerra e perigosa para a paz”, advertia em 1870 o marechal Moltke. O general Mallet, ao tempo da Guerra do Paraguai,

    afirmava que “a disciplina digna tem a honra como princípio e a glória como recompensa”.

    Caso o aditamento seja acatado e Bolsonaro considerado culpado, além da prisão ele pode perder também a patente de capitão e, como consequência, o soldo, isto é, um salário em torno de 35 mil.

    O ministro busca também reforçar que “a lei é a fórmula da ordem”, e cita a Constituição de 1988, para lembrar que “o poder do povo, segundo o dogma do artigo 14 da Carta de 1988, que define como será exercida a soberania popular no Brasil, é consagrado mediante as instituições da democracia representativa, alicerce do Estado de Direito. Vociferar em público contra a ordem constitucional e incitar o crime é uma infração penal per se, felonia contra a República, afronta que não pode permanecer coberta pelo manto da impunidade. A jurisprudência dominante no Superior Tribunal Militar dá amparo à tese desta representação. O mesmo pode ser afirmado em relação à doutrina, inclusive recente. As provas – praticamente todas – são de domínio público. Estão disponíveis na imprensa e na internet”, afirma em seu “aditamento”. 

    Bierrembach desenvolve a tese já acatada, inclusive na denúncia do PGR, de que “há prova inconteste de que a criminosa destruição do patrimônio público, nas sedes dos três Poderes da República, não passou de um crime-meio, num iter criminis cuja finalidade era solapar as instituições, gerar um clima de caos, provocar a intervenção das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem e, assim, estimular a aventura de um golpe militar, como dasafortunadamente tem ocorrido na crônica de nossa frágil democracia intermitente. O incitamento ao crime, portanto, foi um passo decisivo nessa cadeia de desatinos”. 

    Em sua opinião, as provas são “tão abundantes, e suficientes”, que “revelam-se os elementos para caracterização de materialidade e de autoria que, no caso em apreço, foi dispensada a abertura de Inquérito Policial Militar, providência que poderia ter sido desde logo requerida pelo Ministério Público, na forma do artigo 10º, “c”, do Código de Processo Penal Militar”.  

    Bierrembach cita exaustivamente o Estatuto dos Militares, onde, aponta, “está estabelecido que a disciplina constitui valor essencial para permitir o integral cumprimento do dever. Ora, o dever dos militares é defender a Constituição e não enxovalhar a farda com tramas golpistas. A separação de poderes é cláusula pétrea, faz parte do cerne fixo invulnerável da Constituição e, como consta expressamente do art. 60, § 4º, III, qualquer tentativa de sua abolição é considerada inadmissível. Quem brada na porta de um quartel – de qualquer quartel – contra a independência e harmonia entre os Poderes da República comete crime grave contra a autoridade e a disciplina militar. Embora sem previsão legal, a afronta poderia ser até considerada uma circunstância moral agravante, por ter ocorrido diante de Quartel General do Exército Brasileiro, máxime na data nacional de 19 de abril, em que a História do Brasil celebra a Batalha de Guararapes”. 

    O fato se agrava, segundo o ministro, porque o Estatuto dos Militares proclama que “a autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico”, toma vulto, neste caso, a responsabilidade do senhor ex-Presidente da República, então autoridade suprema das Forças Armadas, circunstância que deverá ser ponderada, quando vier a ser condenado, na dosimetria da pena”, prevê.

    E, nesse trecho, demonstra toda a sua indignação por não ter Jair Bolsonaro, até hoje, sido punido por tão grave falta, ao mesmo tempo que destaca o papel agora nas mãos do STF, de fazê-lo: “Tanto a Justiça quanto a História haverão de julgar outros delitos e seus eventuais cúmplices. Compete ao Supremo Tribunal Federal o julgamento do representado, por ter cometido crime militar, ex vi regras constantes do artigo 9º do Código Penal Militar, notadamente o disposto em seu inciso III, alínea “a”, combinado com a norma do artigo 13 da mesma lei substantiva, em conexão com os demais crimes cometidos e que vêm sendo apurados perante a Suprema Corte. 

    De fato, a ordem administrativa militar, consoante os mandamentos da lei, não haverá de ser oposta às finalidades das Forças Armadas. Estas, na forma da Constituição, são instituições e devem garantir os três Poderes da União. 

    Como será simples demonstrar, a participação do senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, ex-Presidente da República, nas manifestações de 19 de abril de 2020, diante de Quartel General do Exército Brasileiro – reitere-se – não configurou apenas apoio tácito às palavras de ordem ilegais ali proferidas ou ostentadas em faixas e cartazes. Foi além: seu discurso feriu o Código Penal Militar. Dele resultaram atos criminosos, como exemplos mais eloquentes os distúrbios perpetrados em 8 de janeiro de 2023. Dele haverá de resultar processo. Trata-se de conduta subsumida na lei, que perfaz crime propriamente militar, cujo corolário será a persecutio criminis in judicio”.

    E repisa a sua convicção de haver necessidade de uma punição a tal ato do ex-presidente: “O representado, naquele ato público subversivo, na porta de uma organização militar, diante da turbamulta que vituperava as instituições da República, não permaneceu passivo, limitado à mera conivência. Uma simples atitude contemplativa, aliás, já teria bastado para configurar grave crime de prevaricação, igualmente definido na lei substantiva. Entretanto, ultrapassou-a, ao subir à caçamba de camioneta branca – adrede estacionada em local proibido e cuja placa parece ter sido ocultada de propósito, na edição dada a público (supostamente pela SECOM), – e bradar ipsis verbis, dentre outras diatribes:

    “...não queremos negociar nada (...) acabou a época da patifaria (...) agora é o povo no poder”.

    Não ficou nisso. Seu palavreado – de hábito chulo e vulgar – esmerou-se na ofensa às instituições, de forma hábil até a camuflar o crime de incitação, que tem permanecido impune. Mas não esquecido, nem perdoado”.

    Nesse ponto do seu “aditamento, o ministro aclara o fato de que cabe ao STF julgar o presidente da República. Mas, ressalta que nesses “custos legis”, há “competência exclusiva para a propositura de ação penal militar, velando ao pé dos artigos 128 e 129 da Carta Magna. Note-se, a propósito, que o artigo 102, I, “b” do texto constitucional defere especialmente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento do senhor Presidente da República nas infrações penais, dentre as quais se inserem os crimes militares, em contraposição aos crimes políticos, competência que incumbe ao Poder Legislativo, sem prejuízo da norma estabelecida no art. 124 da Constituição Federal”.

    E esclarece que “a presente representação”, portanto, “é para que seja oferecido um aditamento à denúncia já apresentada, no sentido de que na ação penal a se iniciar venha a ser incluído o delito militar, nos termos do artigo 29 do Código de Processo Penal Militar, contra o senhor JAIR MESSIAS BOLSONARO, capitão reformado do Exército Brasileiro, investido nas funções de Presidente da República quando dos fatos acima aludidos, por haver cometido crime militar e para que seja julgado na forma da lei”, conclui. 

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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