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    Denise Assis

    Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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    Ministro José Múcio joga o Projeto Calha Norte no colo do Centrão

    "Com o arrepio nas fileiras militares, o ministro José Múcio vem tirando de cima dos seus ombros a autoria da ideia de transferência", escreve Denise Assis

    José Múcio Monteiro (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

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    O ministério da Defesa transferiu o Projeto Calha Norte, criado em 1985 - com o objetivo de levar serviços de saúde e educação aos rincões, bem como trabalhar pela interiorização da população e sua permanência em regiões isoladas -, para o ministério do Desenvolvimento Regional. 

    Desde a sua criação, o projeto foi gerido pelos militares. A oficialização dessa mudança se deu no dia 4 de setembro, com a participação do ministro Waldez Góes, da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) e a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck. A partir dessa reunião, foi criado um Grupo de Trabalho Interministerial, com o objetivo de transferir a gestão do Programa para o MIDR. A notícia irritou os meios militares, mas agradou em cheio ao Centrão, que irá se beneficiar do polpudo orçamento do projeto, através de emendas e transferência de verbas para as suas prefeituras, agora responsáveis por fazer o programa andar.

    No entender dos chefes militares, a exclusão das três Forças do funcionamento do projeto Calha Norte deixa vulnerável regiões consideradas cruciais para a defesa nacional, como as áreas de fronteiras. Eles alegam que isto pode afetar a nossa soberania e segurança na Amazônia Legal. Mas, nesse choro, pode também estar embutida a mágoa por verem reduzidas as verbas gerenciadas por eles. Embora a reunião que formalizou a transferência tenha ocorrido no dia 4 de setembro, o assunto só agora, com o esperneio no meio militar, desperta interesse.

    O MIDR assume o Calha Norte em 1 de janeiro de 2025 e seguirá, de acordo com o ministro Góes, cumprindo os seus objetivos de executar obras de infraestrutura, por meio de parceria entre os poderes Executivo e Legislativo, em dez estados: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na promoção do desenvolvimento sustentável. Aí é que mora o perigo. Pois, se o Centrão já saiu poderoso das eleições municipais, o ministro da Defesa, José Múcio, acaba de jogar no colo deles um orçamento para lá de atraente.

    O Calha Norte continuará sendo administrado pelo Ministério da Defesa, mas o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) já se prepara para assumi-lo em janeiro, o que trouxe à tona preocupações quanto à capacidade de um órgão civil gerir um projeto intimamente ligado à defesa nacional. Outro dado importante, que vem sendo apontado por militares da reserva, é que o Calha Norte engloba 85% da população indígena brasileira em uma área territorial que corresponde a 99% da extensão das terras que estes possuem. E com o seguinte agravante: para um governo que está em busca de redução de gastos, a mudança vai requerer a criação de uma nova estrutura regimental de ambas as partes e dos respectivos quadros de cargos e funções.

    Com o arrepio nas fileiras militares, o ministro José Múcio vem tirando de cima dos seus ombros a autoria da ideia de transferência. Mas é bom lembrar que a primeira vez que se falou nisto foi em janeiro, numa entrevista dele ao Globo. Sua alegação era a de que o projeto envolvia os militares em questões políticas, o que ele não via com bons olhos. Chama a atenção é que desde que o programa roda, em 1985, pouco ou nada se ouve falar nesse sentido. 

    Conforme mencionado acima, o ministro da Defesa, José Múcio entrega, assim, ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, comandado por Waldez Góes e área de influência do Centrão, esse cobiçado orçamento para um indicado ao cargo pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), favorito para comandar o Senado a partir do ano que vem. O senador é do Amapá, um dos estados beneficiados pelo Calha Norte. 

    “Houve uma decisão do presidente Lula para o ministro Múcio, para a ministra Esther e para mim, que foi de cuidar da parte legal e administrativa de transferir o programa para o MIDR, uma vez que quase 100% do que o Calha Norte faz tem relação direta com o Desenvolvimento Regional. Então é uma organização administrativa do Estado para que as políticas públicas sejam mais bem aplicadas”, disse o Ministro Waldez Goes, à revista Sociedade Militar. Foi o bastante para agitar as fileiras. Devemos concluir que elas vinham sendo mal aplicadas? Talvez seja esse o ponto que não caiu bem.

    Vejam: “Em fóruns e grupos de militares que discutem segurança nacional e desenvolvimento da Amazônia, a decisão e aparente anuência dos comandantes militares têm despertado admiração e curiosidade. Ouvidos pela Revista Sociedade Militar, alguns mencionam também a questão da gestão dos recursos financeiros, já que atualmente, nas mãos dos militares, o programa executa suas ações mediante a transferência de recursos orçamentários de forma direta para as Forças Armadas e por intermédio de convênios firmados entre o Ministério da Defesa e os estados ou os municípios abrangidos em sua área de atuação”, diz um trecho da reportagem.

    Desde sua criação, em 1985, o Programa Calha Norte (PCN) tem atuado na preservação e na defesa e o desenvolvimento da Amazônia Legal, cobrindo mais de 780 municípios em uma área equivalente a 59% do território brasileiro. Atualmente o programa atua com infraestrutura e suporte à segurança feito pelos próprios militares das Forças Armadas, beneficiando comunidades em áreas bastante remotas. Como serão cumpridas todas essas ações, sem a ajuda das Forças? O MIDR terá capilaridade para cobrir todos esses estados? Com que recursos? Mais contratações de pessoal? 

    O ministro Waldez Góes não explicou de forma detalhada o motivo de deixar de fora do programa os militares. Apenas declarou que “a transição para o MIDR se alinha ao objetivo de focar no desenvolvimento regional”, considerando que grande parte das operações do PCN beneficiam a infraestrutura local.  Sem contar que, conforme especialistas e autoridades militares questionam, o MIDR não terá capilaridade e treinamento para executar funções tradicionalmente ligadas à segurança nacional. Em grupos ligados às Forças Armadas questiona-se por que um projeto que funciona perfeitamente desde os anos de 1980 será modificado? 

    “O Programa Calha Norte sempre teve como objetivo não só o desenvolvimento, mas também a presença militar em áreas estratégicas para a soberania nacional”, declarou um oficial das Forças Armadas.

    O MIDR anunciou o desenvolvimento de um plano detalhado para a continuidade do PCN sem interrupções. Falam em garantias de que o MIDR manterá a estrutura que permitiu ao Calha Norte operar com eficácia por décadas. Difícil será garantir que os recursos, geridos pelo Centrão, irão dos cofres da União para o PCN, sem intermediários que podem usá-los eleitoralmente.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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