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Pedro Benedito Maciel Neto

Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.

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Miséria e sofrimento: meras externalidades para o neoliberalismo

O governo FHC representou uma selvageria neoliberal, dizimou patrimônio público nacional, deixou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres

(Foto: NACHO DOCE / REUTERS)

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Qualquer análise crítica do Plano Real e dos anos FHC gera enorme comoção entre os adeptos do neoliberalismo e até mesmo entre os críticos; posso afirmar isso porque os dois artigos que o 247 publicou, denominados, respectivamente: “30 anos do Plano Real” e “O que veio depois do Real?”, despertaram alguma controvérsia no meu ecossistema relacional; o pessoal ligado ao neoliberalismo disse, em resumo, que as minhas opiniões são enviesadas, que só leio economistas de esquerda, etc., e o pessoal mais à esquerda “bateu” em mim dizendo que sigo excessivamente condescende com os governos FHC.

Vou seguir refletindo sobre os fatos, de forma honesta intelectualmente, mas sempre aberto a recuar diante de evidências do meu equívoco, pois, ao contrário do que escreveu o médico José G. Camargo no espeço dedicado à opinião dos leitores aqui no CORREIO, jornal aqui de Campinas, não sou dado a “devaneios esquerdistas” e nem me julgo “professor” ou “dono da verdade”, ao contrário, sou discípulo do educador Paulo Freire, para quem “O bom professor é o que consegue, enquanto fala trazer o aluno até a intimidade do movimento do seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma cantiga de ninar. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas”, portanto, quando um artigo causa debate, inquietação, dúvidas, discordâncias e incertezas, creio estar cumprindo o meu papel.

Vamos em frente.

Lendo na FOLHA o artigo do Demétrio Magnoli, com quem guardo enormes discordâncias, talvez eu tenha encontrado uma explicação para meus artigos serem uma unanimidade, afinal, não agradaram ninguém. Demétrio citou Spinoza - filosofo de quem o meu pai gostava tanto (eu não lia Spinoza e dizia que não gostava dele apenas para contrariar o meu pai): "Não rir, nem lamentar, nem odiar, mas compreender”, essa frase de Spinoza pode nos guiar, pois, nessa era das redes sociais, as pessoas desistiram de decifrar os fenômenos e sentem-se confortáveis em afirmar convicções de forma irrefletida e, quando se manifestam “dedicando-se à tarefa banal de exprimir indignação moral perante suas bolhas ideológicas”.

Tendo isso em perspectiva e apesar de não saber jogar truco ou pôquer, dobro o aposta e afirmo: o governo FHC representou uma selvageria neoliberal, dizimou patrimônio público nacional, deixou os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, esse é o legado do consórcio PSDB|PFL; há ainda aspecto dos mais relevantes: todo o processo de desestatização foi acompanhado da maior corrupção da história do Brasil, movimento tão grande, tão bem elaborado e executado, que faz corar de vergonha o esquema corrupto que ocorreu na Petrobrás sob a “batuta” do PL, PP, PT e MDB.

A meu juízo o legado dos tempos do PSDB|PFL foi: (a) destruição do patrimônio público; (b) concentração de renda e (c) corrupção, fatos o que não tem relação direta com o êxito do Plano Real, o qual, ainda no governo Itamar Franco, debelou a hiperinflação.

Um paralelo necessário: estamos indignados, com razão, com os áudios que revelaram que Jair Bolsonaro colocou a Receita Federal, a ABIN e o ministro de segurança institucional à disposição das advogadas de seu filho Flávio, com o objetivo de livrá-lo de um processo sobre a apropriação de dinheiro público através das “rachadinhas”, contudo, nos tempos de FHC aconteceu a mesma coisa: empresas de fachada e contas em paraísos fiscais foram abertas para garantir o sigilo dos valores recebidos como propina a cada empresa pública que era privatizada.

Um esclarecimento: não me oponho a toda privatização, pois a constituição federal, que deveria orientar a construção cotidiana da nossa nação, prevê no artigo 173 que: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”, que “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (artigo 174), e que, “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (artigo 175). Ou seja, desestatizar, conceder, permitir etc. (assim como reestatizar e rescindir concessões e permissões), são instrumentos que os governos podem usar tendo em perspectiva o objetivo constitucional previsto no artigo 3º da Carta Magna: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Acredito que governos, como os nossos corpos, podem desenvolver tumores malignos, focos de corrupção, patrimonialismo e outros tantos malfeitos, mas a presidência de 1995 a 2002 foi um câncer como um todo, pois, ignorou o comando constitucional, deu de ombros aos objetivos da república e serviu aos interesses do mercado financeiro, quase que exclusivamente.

FHC não conduziu um projeto de desenvolvimento nacional, pois esse projeto nunca existiu, ele foi servil zelador do roteiro do consenso de Whashington, submisso à logica neoliberal para a qual a miséria e o sofrimento humano são mera externalidade.

Essas são as reflexões.

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