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    Marcia Carmo

    Jornalista e correspondente do Brasil 247 na Argentina. Mestra em Estudos Latino-Americanos (Unsam, de Buenos Aires), autora do livro ‘América do Sul’ (editora DBA).

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    Nada definido na eleição presidencial argentina. Urnas dirão verdade neste domingo

    "Entre os que conseguem manter a crença no peronismo, existe a esperança de que a eleição seja definida no segundo turno", diz a correspondente Márcia Carmo

    Javier Milei e Sergio Massa (Foto: REUTERS)

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    A cidade de Mar del Plata, a cerca de 400 quilômetros de Buenos Aires, a capital do país, pode ser um exemplo do voto enviesado dos argentinos nesta eleição presidencial. No domingo, um taxista, de 55 anos, que jamais votou na direita, e que nasceu e cresceu no balneário, dizia o seguinte: “Vou votar no Milei e com convicção. Cansei dos peronistas e também não quero saber do macrismo. Com eles, estamos sempre na mesma. Para mim, Milei é a minha terceira via”. Ele, o filho, de 19 anos e a mulher, de 48 anos, vão votar no ‘libertário’, como Milei gosta de ser chamado.

    O balneário de Mar del Plata costumava ser orgulhoso de sua história política, com destaque para o socialista Teodoro Bronzini (1888-1981), ainda hoje lembrado como exemplo principalmente entre eleitores de mais de sessenta anos de idade. Mas a cidade, de pesca, de fábricas de roupas de lã e de turismo nacional, deu uma guinada à extrema-direita nas eleições primárias, realizadas no dia 13 de agosto, e que antecedem o primeiro turno da votação do próximo domingo, dia 22.

    O deputado Javier Milei, da A Liberdade Avança (LLA), foi o mais votado nas primárias em Mar del Plata. No âmbito nacional, Milei venceu em 16 das 24 províncias argentinas. E a pergunta que os que não votaram nele fazem agora é: “Foi só um voto para alertar os outros candidatos, com maior trajetória política, e que não será repetido no primeiro turno, ou foi um voto com convicção?”. Durante quatro dias em Mar del Plata, ouvi taxistas, comerciantes e estudantes dizendo que vão votar em Milei. O mesmo ocorreu dias atrás na província de Entre Ríos, na fronteira com o Uruguai, e na cidade de La Plata, capital da província de Buenos Aires. “Não entendo quem pode votar em Milei. Ele quer privatizar tudo. Ele quer acabar com os tesouros que nós temos, com a saúde e com a educação pública. Se ele for eleito, será um pesadelo”, disse um economista que simpatiza com o governista peronismo.

    Só as urnas poderão dizer se Milei voltará a vencer neste domingo. Entre os que não são eleitores do presidenciável e conseguem manter a crença no peronismo existe a esperança de que a eleição seja definida no segundo turno, no dia 19 de novembro, entre o libertário e o ministro da Economia e candidato Sergio Massa. Pesquisas de intenção de voto, divulgadas nas últimas horas, como a da Atlas Intel, apontam o crescimento de Massa, superando Milei e Bullrich na preferência do eleitorado. “Mas é um cenário incerto. Tudo pode acontecer no domingo”, disse uma fonte ligada ao ministro da Economia e que está trabalhando na sua campanha. Já entre assessores de Bullrich, como o economista Dante Sica, a expectativa é que ela dispute o segundo turno com Milei – ou com Massa. Milei, por sua vez, continua vociferando que vencerá no primeiro turno e tem feito apelos aos eleitores indecisos.

    De fato, tudo pode acontecer no abrir das urnas.

    Em Mar del Plata, por exemplo, um aposentado de cerca de 85 anos tentava convencer um manobrista de aproximadamente 20 anos a não votar em Milei. “Nós já vivemos crises demais. Para que votar em alguém que cada hora diz uma coisa e que quer acabar com o Estado?”, dizia.

    Na praia, abordado pela reportagem, o vendedor Bernardo Mesina respondeu entre resignado e indignado em relação ao momento que o país está vivendo, com inflação anual de quase 140% (somente em setembro, o índice chegou a 12,7%). “Tenho 62 anos. Passei por Alfonsín, Menem, De la Rúa... Um pior do que o outro”, disse. O ex-presidente Raúl Alfonsín governou a Argentina de 1983 a 1989. Ele foi o primeiro presidente eleito após a ditadura militar (1976-1983) e é reconhecido por ter levado os ditadores ao banco dos réus. Alfonsín, porém, entregou o cargo seis meses antes do fim do mandato em meio a hiperinflações. O presidente eleito Carlos Menem assumiu a Casa Rosada e governou o país durante dez anos. Alfonsín era da União Cívica Radical (UCR) e Menem do opositor peronismo.

    O peronismo foi fundado pelo ex-presidente Juan Domingo Perón (1895-1974) e é o partido/movimento político também do presidente Alberto Fernández e da vice-presidente Cristina Kirchner. Os dois (Alberto e Cristina) mal se falam e desafiam uma das máximas de Perón – “os peronistas são como gastos. Quando as pessoas pensam que estão brigando, eles estão se reproduzindo”. O desafio à máxima de Perón é em relação ao presidente e sua vice e neste contexto desta eleição presidencial. Nas primárias, em agosto, que definiram os presidenciáveis, os três candidatos mais votados foram Milei, o peronista Sergio Massa, da governista União pela Pátria, e a ex-ministra de Segurança do governo Macri, Patricia Bullrich, da coalizão Juntos pela Mudança. Massa tem dito a amigos que acredita no segundo turno entre ele e Milei e até na vitória. Bullrich tem dito algo similar.

    Naquela conversa nas areias de Mar del Plata, o eleitor Bernardo Mesina mostrou desânimo e um raciocínio tipicamente argentino quando perguntado sobre o que acha que acontecerá no domingo da eleição: “Infelizmente, acho que vai ganhar esse transtornado (Milei) e daqui a dois anos tudo vai ir por água abaixo e veremos o que restará da nossa pátria. Eu entendo o voto da juventude (em Milei) depois do governo desastroso de Macri e deste governo. Há quem queira mudança, mas não acho que essa seja a pessoa indicada”. A história argentina é uma gangorra, com altos e baixos, na política e na economia.

    E ainda desabafou: “Após tantas decepções, se acaba votando em qualquer coisa”. Ele diz que sua vida “melhorou durante o governo de Cristina (Kirchner) e piorou (no governo Macri)”. Como os críticos do ex-presidente, o eleitor lembrou que foi durante a gestão de Macri que a Argentina adquiriu uma dívida recorde com o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Eu não sou dono da verdade. Conto minha realidade. Com Cristina (Kirchner) eu fabricava seis mil e quinhentas bandeirinhas por mês e tinha cinco costureiras. Hoje, fabrico 500 e tenho uma costureira. Tenho uma caminhonete de 2014, que comprei zero quilômetro, e agora está difícil mantê-la. Eu viajei de avião graças aos governos de Néstor e de Cristina Kirchner (2003-2015), trabalhando”, disse.

    Com cerca de 46 milhões de habitantes, a Argentina é um país no qual os índices de rejeição ao kirchnerismo e ao peronismo cresceram nos últimos tempos. O macrismo também coleciona fortes reprovações. Nesse ambiente de decepções dos eleitores surgiu Milei. Domingo, dia 22, será um dia importantíssimo para os rumos da Argentina.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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