"Não chore ainda não"
Um crime hediondo, até onde se soube por motivo torpe e, em que as vítimas, colhidas de surpresa, não tiveram chance de reação
Na noite dessa última sexta-feira, dia 10/01/2025, fomos aviltados pela morte de mais uma liderança do MST e seus companheiros. Enquanto famílias do Assentamento Olga Benário, localizada no município de Tremembé, estavam juntas numa reunião pacífica, dentro dos domínios de uma terra produtiva e produtora, homologada pela Reforma Agrária, um bando de criminosos invadiu o local e atirou contra essas famílias e assassinaram, de imediato, duas pessoas, deixando outras 6 feridas, algumas em estado crítico.
Um crime hediondo, até onde se soube por motivo torpe e, em que as vítimas, colhidas de surpresa, não tiveram chance de reação. Uma das vítimas fatais, era um líder dos agricultores dessa região, destacando-se através das lutas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
Por obra do acaso, havia lido nesse mesmo dia, o artigo de Stédile (ver em https://www.brasil247.com/blog/celebrando-a-reforma-agraria), publicado no portal do Brasil247, contando seu discurso na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul ao receber a Medalha Farroupilha, com o título “Celebrando a reforma agrária”. Nesse discurso, o sr. João Stédile destacando lideranças da luta pelo Direito à Terra no Brasil, luta tão bem representada pelo MST, nos lembra quantos tombaram, dobrados pelo tempo ou interrompidos por assassinatos, como o de Tremembé. Mas também, nos lembra que essa luta tem uma honra suprema, traduzida pelas palavras de Antônio Cândido:
“Na bravura do MST em sua luta histórica, palpita o coração do Brasil.”
Certa vez, passei uma tarde num assentamento e me lembro, entre todas as marcantes experiências daquele dia, do profundo e repousante silêncio que tomou conta do meu espírito naquele ambiente. Ali tem gente que luta e labuta de sol a sol, literalmente. Gente que luta por seu Direito à Terra e uma Vida Digna pelo trabalho no campo, (https://www.brasil247.com/authors/regina-aquino).
No mesmo lastro das coincidências, vimos no dia 5 de janeiro, a atriz brasileira, Fernanda Torres, carinhosamente chamada de Fernandinha por Paulo Beti, premiada por sua atuação no filme "Ainda estou aqui". Ouvi vários relatos contando que o resultado da premiação naquele dia parecia Copa do mundo, com gritos de comemoração ecoando na madrugada da Cidade.
Esse filme fala da luta de Eunice Paiva em busca de seu amado marido, que levado em 1971, preso pela ditadura militar, na vigência do AI-5, continua desaparecido até hoje.
Todo mundo progressista no Brasil reclama da falta de mobilização popular, dos partidos que não mobilizam sua base ( principalmente o PT), da dificuldade de comunicação do governo Lula, e por aí vai… Alguns até exaltam o engajamento da extrema direita, como se dedilhar obsessivamente numa tela de celular e disseminar notícias sem filtro ou critério fosse "mobilização popular". A elite econômica mundial criou um mundo paralelo, virtual, para substituir as ruas, e nós caímos nessa esparrela!
As ruas são feitas de sangue e suor do povo trabalhador desde os que caem " na contramão, atrapalhando o sábado" até os que testemunharam "cada paralelepípedo da velha cidade se arrepiar". E vamos combinar: "elite" não gosta de povo, em qualquer lugar do mundo. (não deixe de ver em https://www.letras.mus.br/blog/construcao-chico-buarque-analise/ e em https://memorialdademocracia.com.br/card/vai-passar-a-noite-da-ditadura-militar )
A comunicação não é só material\digital como quer nos fazer acreditar, a elite econômica controladora do mundo virtual, ao criaram um mundo que, afinal, é controlado abertamente pelos donos das plataformas digitais e redes sociais, através dos algoritmos, das supressões intencionais de certos temas e inclusões de outros, alienados do nosso cotidiano de vida real e ainda, através da famosa "liberdade de expressão" que exalta o fascismo, o nazismo, a mentira.
A comunicação entre líderes e povo é feita pelas escolhas políticas e amalgamada pelas emoções. Não emoções fúteis e fugazes mas as profundas e perenes, que marcam a memória, que se transformam na bagagem de nossas vidas.
Outro dia, um velho amigo, uma década mais jovem do que eu, reclamava tristemente que "a esquerda estava morrendo na América Latina". Calma aí, amigo!, exclamei e num ato de solidariedade, enviei para ele o áudio da música “Olê, Olá” de Chico Buarque, publicada em 1969, em plena vigência do Ato AI-5, que pede em seus versos um pouco mais de resiliência, cantando "Não chore ainda não que eu tenho um violão e nós vamos cantar". Ou se quiser, nas minhas palavras, “não desista ainda não, que temos ferramentas e muito a fazer”.
Chico, como outros companheiros daquela geração, foi a voz e o sentimento do povo brasileiro que ansiava por liberdade e democracia. O sr. Stédile, em seu discurso, lembra que foi pedido ao Chico uma música para o MST. Ele fez duas, uma delas “Assentamento” tem o seguinte verso “Quando eu morrer cansado de tantas guerras, morrerei de bem com minha terra.” https://www.youtube.com/watch?v=GmmxC0-0NZQ
Precisamos da arte e seus artistas para nos embalar, nos empolgar e nos alegrar. Está na hora de convocar nossos artistas para que, mais uma vez, venham contar, em verso, prosa e canções, as nossas dores, nossos sonhos, nossas lutas. Para que sejam a voz da nossa poesia. E então, quem sabe, a cidade tenha força para ir às ruas e se juntar ao Povo do Campo, pelo Direito à Terra, o Direito à Moradia, pelo Direito do trabalhador a uma Vida Digna.
- “Não chore ainda não,
que eu tenho a impressão
Que o samba vem aí
É um samba tão imenso que eu às vezes penso
Que o próprio tempo vai parar pra ouvir
Luar, espere um pouco, que é pra o meu samba poder chegar
Eu sei que o violão está fraco, está rouco
Mas a minha voz não cansou de chamar
Olê, olê, olê, olá”
(Trecho da letra da música “Olê, Olá” de Chico Buarque, retirado de https://www.letras.mus.br/chico-buarque/45157/)
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