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    João Ricardo Dornelles

    (Professor de Direito da PUC-Rio; Coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; membro do Instituto Joaquín Herrera Flores/América Latina; membro do Coletivo Fernando Santa Cruz)

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    Não é preciso gostar do Maduro para estar do lado certo

    O que se espera é que a soberania da Venezuela seja plenamente respeitada, sem ingerências e pressões internacionais

    Na História, uma boa razão para ficar ao lado de Maduro (Foto: REUTERS/Marco Bello)

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    Desde o último dia 28 de julho a Venezuela não sai da pauta da imprensa e dos debates políticos. 

    As opiniões se dividem, não apenas entre a esquerda e a direita, como dentro da própria esquerda. Os ânimos se exaltam, as discussões se elevam e os dedos em riste se apontam com acusações mútuas de passar pano para ditadores ou de fazer o jogo do imperialismo. 

    O pleito venezuelano cumpriu o calendário eleitoral que, possivelmente, transcorreria sem grandes transtornos, sobressaltos e alaridos, se o país em questão não fosse detentor das maiores reservas de petróleo do planeta, não se localizasse no “quintal dos Estados Unidos”, não tivesse um governo de esquerda, resultado de uma revolução que se iniciou há 25 anos. 

    Mas é justamente neste país em que ocorreram estas últimas eleições - mais de 30 processos eleitorais nestes 25 anos.

    Ninguém precisa gostar do Nicolás Maduro, do Hugo Chávez ou mesmo da Revolução Bolivariana para perceber o que está em jogo na Venezuela. 

    Os ataques da direita e extrema-direita sempre são esperados. Seria estranho se não viessem, já que existe uma longa tradição intervencionista dos Estados Unidos, com o apoio dos seus vassalos nativos, na vida política e nos rumos das sociedades latino-americanas, principalmente nos casos de governos que não se alinham às determinações do Departamento de Estado ou do Pentágono. 

    Esta parte do mundo, ao sul do Rio Grande, sempre foi alvo das investidas intervencionistas mais violentas por parte do Grande Irmão do Norte. O que fundamenta tais intervenções é a interpretação que acabou por prevalecer da Doutrina Monroe, de 1823, e o expansionismo do capitalismo ascendente dos Estados Unidos sobre territórios além das suas fronteiras, a começar pela anexação violenta de terras mexicanas, o envolvimento na luta de independência de Cuba na guerra contra a Espanha, a presença econômica e militar nos países da América Central e, posteriormente, na América do Sul. 

    Apenas à título de informação, a Doutrina Monroe foi anunciada pelo Presidente estadunidense James Monroe (1817 a 1825), em mensagem ao Congresso no dia 2 de dezembro de 1823, como uma proclamação de que as potências europeias não mais poderiam exercer o seu poder colonial sobre a América, usando a frase “América para os americanos”. Essa proclamação de caráter anticolonial acabou por servir como o impulso para o expansionismo intervencionista do Estados Unidos sobre toda a América. 

    Voltando às eleições venezuelanas, o que é interessante, além da histeria da mídia hegemônica e do eixo ocidental (Estados Unidos, União Britânica e União Europeia e seus lacaios), é o debate que se estabeleceu entre os segmentos progressistas. Diversas vozes da esquerda vieram à público para dizer que não se pode apoiar um ditador sanguinário como Maduro e que é uma vergonha que o governo Lula não tenha se pronunciado denunciando a fraude no processo eleitoral venezuelano e não reconhecendo a vitória de Nicolás Maduro. Fora do Brasil, o Presidente do Chile, Gabriel Boric, logo nas primeiras horas se juntou à oposição venezuelana, aos Estados Unidos, União Europeia, Javier Milei e os membros do Grupo de Lima, não reconhecendo a lisura das eleições venezuelanas e apontando a vitória do oposicionista Edmundo González Urrutia. 

    A argumentação destes segmentos progressistas contém uma contradição, pois são os mesmos que, animadamente, se emocionaram e aplaudiram a possibilidade da candidatura de Kamala Harris nos Estados Unidos para derrotar Trump. E aqui não se trata de questionar que, nesta conjuntura, momentaneamente, possa ser mais conveniente para o Brasil e para a América Latina a vitória de Kamala, no entanto sem ter ilusões de quem são os democratas e do que também são capazes de fazer no futuro. O curioso foram os argumentos usados de que Kamala é mulher, negra, pró-aborto e filha de um economista marxista jamaicano. Pelo que eu saiba, posicionamento político e ideológico não se passa por DNA, mas tudo bem. Para essa parte da esquerda é muito bom votar na Kamala para derrotar o Trump, embora a nossa esquerda não vote nos Estados Unidos, mas é péssimo apoiar Maduro para derrotar a oposição na Venezuela, pois não se pode compactuar com um ditador sanguinário. 

    Ok, pessoal, Kamala talvez seja a única opção existente para derrotar o ultra-fascista Trump. Ok, ela é uma mulher, negra, pró-aborto, com um pai marxista, mas não podemos omitir também que ela é de direita, reacionária, punitivista, belicista, ligada ao complexo industrial-militar dos EUA, sionista, tem apoiado o genocídio na Palestina. Este mesmo pessoal que acha fantástico apoiar Kamala, diz que não se deve apoiar Maduro. Cheguei a ver gente que se diz de esquerda afirmando que María Corina Machado e Edmundo González são políticos de centro. 

    Outros se colocam em uma posição de equidistância olímpica. São todos ruins e não se deve apoiar ninguém. 

    É importante que todas as pessoas saibam quem são María Corina Machado, Edmundo González Urrutia e a direita venezuelana. São de extrema-direita, neofascistas, ligados ao Vox da Espanha, ao Fórum de Madrid, que articula a Internacional Neofascista, do qual fazem parte Bolsonaro, o Chega de Portugal, Javier Milei, Steve Bannon, Elon Musk e Trump. A fina flor fascista do século XXI. Corina esteve diretamente envolvida no golpe que prendeu Chávez por 48 hora em 2002, como também nos processos de desestabilização do governo através de meios violentos com a participação de grupos paramilitares. Edmundo González, por sua vez, segundo documentos desclassificados em 2009, foi agente da CIA enquanto estava na embaixada venezuelana em El Salvador, entre 1981 e 1983. Teve um papel importante na Operação Centauro, que assassinou ativistas de movimentos populares, indígenas e religiosos. Durante a presença de Edmundo González em El Salvador foram realizados o Massacre de El Mazote, matando mais de 900 pessoas, incluindo crianças e mulheres, o Massacre de Rescate, com dezenas de mortos e Massacre de Copapayo, com a morte de cerca de 150 pessoas. Também foi o momento da formação de esquadrões da morte paramilitares contra camponeses, militantes de movimentos sociais e a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. Trata-se, portanto, de um criminoso contra a humanidade.  

    Se para derrotar o fascista Trump é interessante apoiarmos Kamala, sem grandes ilusões, não entendo porque não se pode apoiar Maduro para derrotar a extrema-direita neofascista venezuelana. 

    A receita da extrema-direita em sua aliança com a direita neoliberal, pretensamente democrática e civilizada, já está definida há muito tempo e tem sido colocada em prática em todas as eleições venezuelanas anteriores, como também no Estados Unidos, no Brasil, na Argentina etc: “Se o nosso candidato não vencer, não reconhecemos os resultados”. Só existe um resultado possível, a vitória do candidato da direita. Nas eleições anteriores na Venezuela foi assim. Trump, Bolsonaro, Milei fizeram o mesmo e, agora, Corina-Edmundo, com aval dos Estados Unidos e Ocidente, repetem a fórmula. É a receita. Esperemos o que acontecerá nas nossas eleições brasileiras em 2026.

    Semanas antes das eleições na Venezuela, foi firmado um acordo entre todos os candidatos e partidos políticos com o compromisso de respeitar o resultado das urnas. Corina-Edmundo não assinaram o acordo. Logo que as urnas foram fechadas, na noite do dia 28 de julho, já anunciaram que existia fraude e que eles tinham documentos que comprovavam que Edmundo González teria vencido com cerca de 70% dos votos. Não mostraram os documentos – e não mostrarão nunca, como até hoje esperamos documentos que comprovariam fraude nas eleições de 2013 e que até agora não apareceram. Mas tiveram a oportunidade para tal, já que na 5ª. feira, dia 1 de agosto, quatro dias após o pleito, Nicolás Maduro deu entrada com um recurso junto ao Supremo Tribunal de Justiça, solicitando que o órgão convocasse todos os candidatos para que os mesmos apresentassem os documentos sob sua posse. Na 6ª. feira, dia 2 de agosto, os candidatos compareceram à sessão da Corte. O único ausente foi o candidato Edmundo González. 

    Na busca de uma solução, Brasil, Colômbia e México emitiram um comunicado conjunto em que afirmam estarem acompanhando atentamente os desdobramentos e conclamando a que as autoridades eleitorais da Venezuela exponham a regularidade do processo eleitoral.  

    Imediatamente o Estados Unidos, através de Anthony Blinken, reconheceu a vitória de Edmundo González e, juntamente com a União Europeia, exigiu a renúncia de Nicolás Maduro, em uma repetição da auto-proclamação de Juan Guaidó alguns anos antes. Ok, qualquer um pode dizer que é Napoleão, o perigo é quando isso é ratificado pelas maiores potências do Ocidente. 

    O que se espera é que a soberania da Venezuela seja plenamente respeitada, sem ingerências e pressões internacionais, para que o povo venezuelano possa construir os caminhos de solução pacífica para a crise que se arrasta por muito tempo.  

    Como escreveu Carol Proner no seu artigo “Venezuela sem autoritarismo”, publicado no 247 no dia 04/08/24: “A situação de crise, extremamente agravada pelos embargos econômicos, deve ser resolvida no âmbito interno de um país soberano”.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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