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    Edson Santos

    Vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PT

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    Negacionismo racial

    Um crescimento tão grande daqueles que se autodeclaram pretos, em tão curto espaço de tempo, é um indicativo de que as políticas estão na direção certa

    (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

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    O Censo do IBGE mostrou significativo aumento no percentual da população que se autodeclara preta, de 7,4%, em 2012, para 10,6%, em 2021. O salto nitidamente revela a elevação da autoestima dos negras e negros brasileiros, resultado de séculos de lutas contra a desigualdade, o racismo e a discriminação racial.

    Todo o mérito é dos movimentos políticos e culturais negros que, em meio a tantas lutas e opressões, foram capazes de formular ousadas políticas para enfrentar a desigualdade, articulá-las nacionalmente e incluí-las num projeto de governo democrático e popular.

    Foi o que aconteceu há 20 anos, após a primeira eleição de Lula, que chegou ao Planalto com projeto de promoção da igualdade racial formulado por intelectuais e lideranças negras, incluindo a professora Matilde Ribeiro, que viria a ser a primeira ministra da Igualdade Racial.

    O compromisso com a causa era tamanho que, não por acaso, a primeira sanção de Lula, em janeiro de 2003, foi a da Lei nº 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de todo o país. Em março daquele mesmo ano veio a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), para coordenar políticas transversais em todos os ministérios da Esplanada.

    Naquele momento, o Estado assumiu a responsabilidade pelo enfrentamento ao racismo e pela eliminação de todas as formas de discriminação.

    Na esteira desse compromisso vieram outras medidas importantes, como a ampliação da política de cotas raciais – iniciado na UERJ e na UnB, em 2001 – para universidades de todo o Brasil, a aceleração da titulação das terras quilombolas e o Estatuto da Igualdade Racial. Foi realizado ainda o mapeamento das comunidades de terreiro, para adoção de medidas para preservar a cultura religiosa de matrizes africanas. Além de inúmeras políticas de valorização da cultura negra, como a que possibilitou que a capoeira passasse a ser reconhecida como desporto nacional.

    Ainda há um longo caminho a percorrer até alcançarmos a plena igualdade em nosso país. Porém, um crescimento tão grande do número daqueles que se autodeclaram pretos, em tão curto espaço de tempo, é um eloquente indicativo de que essas políticas estão na direção certa.

    Contudo, há aqueles que lamentam o sucesso destas políticas e que preferem enxergar nelas o suposto propósito de “dissolver a consciência da mestiçagem que sustenta nossa identidade nacional”. É o caso dos sociólogos da casa grande que, diante dos números do IBGE, viajaram ao passado da terra plana para resgatar o mito da democracia racial e o elogio à miscigenação.

    É óbvio que um país pluriétnico como o Brasil tende a se tornar “mestiço”. A crítica contudo não se aplica, pois as políticas de promoção da igualdade racial nunca propuseram ideais de pureza étnica ou a perpetuação de guetos. O que se busca com elas é superar as desigualdades e discriminações para possibilitar que todos, pretos, brancos, indígenas, ciganos, orientais ou pardos possam partir do mesmo patamar de direitos e oportunidades.

    É preciso reconhecer ainda que esse amálgama racial ocorre com muita naturalidade na base da sociedade, e é bom que assim o seja, mas o mesmo fenômeno não se repete no ápice da pirâmide social.

    A abolição, há 135 anos, não integrou os libertos pela educação, pelo trabalho assalariado ou pelo acesso à terra. Os pretos, os pardos e seus descendentes – cujo somatório resulta na população negra, segundo o critério do IBGE, e que totalizam 55,9% dos brasileiros – continuam em situação de extrema desigualdade. Mais suscetíveis à miséria, à violência e à discriminação, estão ainda sub representados em todos os espaços de poder, como o parlamento, a justiça, a academia e a direção das grandes empresas.

    A mera declaração formal de que somos todos iguais perante a lei, inscrita na Constituição, até aqui pouco nos ajudou. Oprimido justamente por sua raça, cumpre aos negros e negras tomarem consciência dela, para que possam exigir ser reconhecidos como iguais, como pontuou Sartre em “Reflexões sobre o racismo”.

    Seguindo a presente toada, é uma questão de tempo, consciência do processo histórico e correta aplicação políticas públicas até que possamos enfim alcançar uma democracia “morena” e igualitária, que terá como única regra racial reconhecer-se com um ser humano igual, para além de todas as diferenças.

    Aos que negam o racismo pela compreensão açodada de que somos um país mestiço, recomendo uma leitura mais atenta da obra “O povo brasileiro”, na qual Darcy Ribeiro observa que no peculiar racismo brasileiro a “mestiçagem não é punida, mas louvada”, provavelmente porque nosso povo surgiu do estupro de “multidões de mulheres índias e negras” por “uns poucos brancos”.

    “Essa situação não chega a configurar uma democracia racial, como quis Gilberto Freyre e muita gente mais, tamanha é a carga de opressão, preconceito e discriminação antinegro que ela encerra. Não o é também, obviamente, porque a própria expectativa de que o negro desapareça pela mestiçagem é um racismo em si”, lacrou Darcy.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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