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    Roberto Amaral

    Cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004

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    No Brasil o pobre passa fome e o rico ri à toa

    A retomada de desenvolvimento com progresso social está a depender de a futura nova ordem governante – na expectativa de um governo de centro-esquerda – dispor, ademais de firme decisão política, de sustentação em uma nova maioria, de que careceram os governos Vargas (1951-1954), Jango e Dilma, com as consequências conhecidas

    (Foto: ABr)

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    Em meio à revolução tecnológica – alterando profundamente o caráter da sociedade moderna –, a humanidade vive a transição da hegemonia ocidental para a eurásia, anúncio do fim da atual ordem mundial. Se o desfecho é certo, o novo cenário é uma incógnita.

    O Brasil, que perdeu a primeira revolução industrial (porque a casa-grande optou pela persistência de  uma arcaica sociedade agrário-exportadora fundada no latifúndio e no escravismo), corre o risco de mais uma vez deixar passar vazio  o bonde da história; quando o mundo avança tão celeremente  no domínio de novas tecnologias, abrindo um leque  inimaginável de transformações políticas  e sociais, com a atividade econômica exigindo cada vez mais conhecimento científico e tecnológico, ou seja, mais escolaridade, o Brasil do capitão Bolsonaro, da burguesia financeira e dos engalanados que lhe dão sustento vira as costas para o ensino, a pesquisa e a inovação. Breve, o fosso tecnológico que já nos separa dos desenvolvidos – os países produtores de conhecimento – será intransponível, condenando as futuras gerações a novas formas de subdesenvolvimento,  com seu contingente de fome e injustiça social.

    Quando se exacerbam as rivalidades de blocos, anunciantes do confronto entre o imperialismo norte-americano e a emergência eurasiana, liderada pela China,  ensejando a países com as nossas características a oportunidade de abrir seu próprio caminho, o governo do capitão, dos generais  comissionados e dos empresários sem pátria opta pela aliança subalterna à geopolítica do grande irmão do Norte. É o preço de uma classe dominante alienada e forânea, refletida no bolsonarismo.

    No plano interno, o saber é visto sob suspeita; a escola pública é mal a ser erradicado; a produção do conhecimento, mormente aquele que enseja a autorreflexão, é chaga a ser combatida. O Brasil dos sonhos do reacionarismo não precisa de técnicos, de cientistas, de pesquisadores ou de professores, simplesmente porque não vislumbra projeto autônomo de sociedade e país.

    Este verdadeiro antiprojeto nacional, no qual se empenha o bolsonarismo, é, contudo, obra partilhada pela classe dominante, porque dele usufrutuária; não se ouve, até aqui, um pio de protesto do chamado empresariado quando o governo, com o concurso de um congresso dominado pelo fisiologismo do “centrão”, corta quase todo o orçamento do CNPq, 90% das verbas destinadas à pesquisa. O país vai mal; o povo, desempregado, subempregado ou desalentado, de mal a pior; mas a casa-grande ri a bandeiras despregadas.

    O neoliberalismo do ministro da Economia levou o país à estagnação, os trabalhadores ao desemprego; no entanto, quanto mais aumenta a pobreza, mais crescem os dividendos da burguesia rentista, beneficiária de um capitalismo de marginalização social, cujo leitmotif é aumentar o lucro dos que já têm tudo.  Dos pobres se extrai o salário, a previdência, o trabalho e a esperança. Se o real –arrastado pela estagnação econômica – é desvalorizado, os especuladores, como o inominável Paulo Guedes, acumulam dólares nos paraísos fiscais onde enfurnam suas fortunas, que não param de crescer enquanto  a economia nacional desliza ladeira abaixo.

    Os números são escandalosos: em dez anos o crescimento de favelas corresponde a 95 mil maracanãs.

    Possuímos uma orgulhosa agricultura,  altamente capitalizada, de alta produtividade e de alta lucratividade,  mas que não alimenta a população. Hoje, na segunda década do terceiro milênio, 112 milhões de brasileiros sofrem algum grau de insegurança alimentar e 20 milhões enfrentam a fome, diariamente (Dados  da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar).

    A produção industrial, enquanto a FIESP nem tuge nem muge, observa a quarta queda mensal consecutiva e a sétima em nove meses, imposta por redução de demanda.  Caiu em outubro (0,4%) quando em setembro já estava em 19,4% abaixo de maio de 2011, assinalando um comportamento negativo persistente. Qualquer hipótese de desenvolvimento vai requerer investimento, uma dependência do mercado interno que não se conjuga com concentração de renda e desemprego.

    A panaceia do especulador sentado no ministério da economia é a redução de direitos trabalhistas,  mantra do sistema financeiro, enquanto o fracasso rotundo do neoliberalismo de oitiva favorece a persistente alta do dólar, alimenta a inflação e aciona a espiral dos juros que congela o investimento privado.

    O perverso casamento da inflação com a recessão, constrói a estagflação, o pior dos mundos.  O PIB deste ano deve girar em torno de 1% (se podemos nos fiar nas projeções do Banco Central). Já relativamente a 2022 as estimativas variam entre “crescimento” zero e 0,5% (murmúrios do “mercado”).  A inflação não deve conformar-se nos 10% de hoje, índice já bem acima da meta (3,7%). Começaremos 2022 com uma expectativa de 11% de juros (Selic). A queda das vendas do varejo (o outro nome da queda do consumo) de setembro último em comparação com setembro de 2020 foi de 5,5% (IBGE). Mesmo a construção civil, que se tinha como restabelecida, revela as consequências da crise que, política, invade a economia, e se revela de corpo inteiro na queda do Índice de Confiança, calculado pelo Ibre/FGV, a primeira em seis meses.

    Um general da ativa desmontou o Ministério da Saúde, e assim o exército contribuiu para  o aumento das vítimas da pandemia, que o capitão batizara de “gripezinha”; um general da reserva, com salários superiores a 300 mil reais,  empenha-se na destruição da Petrobrás que colegas seus  de outra cepa ajudaram a construir. Quando  o Brasil alcança a  autossuficiência em petróleo, a gasolina atinge o maior valor do século, e é vendida nas bombas à média de R$ 8,00 o litro. 

    O país vai de mal a pior: queda da bolsa, queda da produção industrial, alta do dólar. A inflação de dois dígitos,  com tendencial de crescimento, corrói  a economia e consome o poder de compra dos trabalhadores.  O desemprego – que alcança quase 14% da população ativa --  dá as mãos à estagnação econômica, e a expectativa de recuperar o desenvolvimento recua às calendas gregas; milhões de brasileiros passam fome – catando comida em caminhões de lixo e ossos em açougues. Mas a burguesia financeira tem todas as razões para soltar balões, pois os bancos  jamais  lucraram como agora! O trio  Santander, Itaú e  Bradesco vê os ganhos  crescerem  28,5% no  findo terceiro trimestre. É mais um “prodígio” do capitalismo brasileiro, a fazer inveja ao professor Delfin Neto, o mago do “milagre econômico” da ditadura militar.  O Bradesco registrou lucro líquido de R$ 6,767 bilhões uma alta de 34,5% em relação ao mesmo trimestre do ano passado. O segundo maior resultado da história do conglomerado. Mas não deixou seus irmãos de oligopólio chupando o dedo: o Itaú anuncia um lucro de R$ 6,77 bilhões, um crescimento de 34,7% e o Santander, no mesmo trimestre, um lucro de R$ 4,27 bilhões, o que representa uma alta de 12,1% sobre o mesmo trimestre do ano passado. Não há emprego, não há renda, não há consumo, produção em queda, mas o capitalismo brasileiro é capaz de produzir assombro como esse.

    Por isso, no Brasil, faça chuva, faça sol, rico ri à toa.

    A retomada  de desenvolvimento com progresso social está a depender de a futura nova ordem governante – na expectativa de um governo de centro-esquerda – dispor, ademais de firme decisão política, de sustentação em uma nova maioria, de que careceram os governos Vargas (1951-1954), Jango e Dilma, com as consequências conhecidas. Essa nova correlação precisará ser concertada mediante amplo e franco debate político com toda a população, quando o programa de governo (ainda só reformista) deverá ser exposto com exemplar clareza, como em um verdadeiro plebiscito. Só nesses termos a eleição do novo presidente representará a opção programática do povo, que, assim,  poderá ser mobilizado para a defesa de seus interesses.   

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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