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    No Palácio dos Bandeirantes, há 30 anos...

    Os preparativos do pessoal para o primeiro grande comício das Diretas-Já. Estavam todos unidos, o "povo" e as oposições, de Lula a FHC

    O movimento era grande. Na assessoria de imprensa, fotógrafos credenciados vestiam suas jaquetas de trabalho, aquelas cheias de bolsos, parecendo uniformes de campanha.

    Vejo o governador Montoro saindo do seu gabinete usando uma dessas jaquetas. O Ricardo Montoro, seu filho, e um grupo de secretários seguem atrás, a maioria com uniformes idênticos. Não fosse a euforia que tomava conta do palácio, diria que estavam indo para uma guerra.

    Embaixo, nas escadarias, dois ônibus os aguardam. Embarque festivo. Ricardo faz questão de ser o último a subir. Palmas dos poucos funcionários que ficam no Morumbi. Sob aplausos discretos os ônibus partem para o Comício das Diretas-Já, na Praça da Sé.

    Eu, assessor de imprensa do governador, já havia comunicado a ele que não iria. Como? Por quê? É que não me sinto bem no meio da multidão. Desculpa aceita. Depois, um a mais, quando se sabia que milhares de pessoas estariam lá... não faria falta.

    Na verdade, alguma coisa, dentro de mim. dizia: bobagem ir... a emenda das diretas não será aprovada. A eleição vai continuar sendo indireta. Montoro sentia isso, Tancredo Neves, que seria o presidente eleito, também.

    Mas Montoro tinha uma frase. "Política se faz por etapas. A etapa agora é das Diretas-Já."

    Seria um meio de legitimar qualquer candidatura de oposição ao regime militar. Legitimar reunindo todas as lideranças políticas num mesmo palanque. Lula e Fernando Henrique, então senador, estariam lá, FHC devidamente uniformizado com o colete. Tancredo Neves, governador de Minas, era uma das figuras dominantes.

    E, claro, Ulysses Guimarães, "o candidato natural das oposições", também. Era a principal atração. Mobilizariam milhares de pessoas, que, no Rio, no Comício da Candelária, chegaria a um milhão, segundo se calculou à época.

    O planejamento para o comício da Sé foi impecável. Previa inclusive que a Rede Globo colocasse o assunto no fechamento do JN, o que foi conseguido. Mas a Globo, que até àquela hora recusava sequer mencionar a possibilidade das Diretas, agiu malandramente. Disse que era apenas uma festa por mais um aniversário da cidade.

    Qualquer cidadão minimamente informado perceberia que era muito mais do que isso. Tanto que o JN ainda transmitia cenas do comício, o telefone toca na minha mesa.

    - Você está acompanhando? Viu a quantidade de bandeiras vermelhas.. impressionante cara!

    Era meu amigo Armando Salem, companheiro desde o Jornal da Tarde, durante anos de Veja, depois, na IstoÉ. Fomos, ambos, fiéis seguidores do Mino Carta.

    Salem, se tem um defeito – se é que é defeito – tem um padrão de vida um pouco acima da famosa "classe média" atual. Frequenta até hoje o Paulistano, clube tido como da elite, o que em si não seria problema, já que tem muito petista de carteirinha que faz o mesmo.

    Bem, mas o Armando tem o hábito (ou tinha) de passar os reveillons "al mare", com a família. Ultimamente, depois da morte do seu pai, costuma passar em Punta, no Uruguai. A mãe do Armando adora aquelas maquininhas caça-níqueis.

    Salem insiste nas bandeiras vermelhas. Está preocupado com elas. Procuro tranquilizá-lo. É o pessoal da esquerda. Fazem barulho mas não vão a lugar nenhum, disse eu, ingênuo que eu era.

    Mas não tão ingênuo, na época, para não perceber que todo aquele entusiasmo pelas Diretas-Já disfarçava alguma coisa.

    Tancredo Neves bordava, com linha finíssima, uma candidatura pelo método vigente, ou seja, as indiretas. Montoro – eu não posso ter certeza, mas presumo – estava a par de parte das alinhavadas de Tancredo.

    Uma das características de Tancredo era não permitir que alguém ficasse sabendo de "tudo" o que ele fazia ou planejava. Você podia até ser íntimo do então governador de Minas. Saber muito sobre ele. Jamais, no entanto, saber "tudo".

    E uma das coisas que Tancredo sabia era que, numa eleição direta, dificilmente algum candidato derrotaria Ulysses Guimarães. E, por consequência, os militares, que já preparavam sua retirada, teriam que dar outro golpe dentro do golpe. Eles não aceitariam jamais Ulysses presidente. Ulysses, aquele que havia chamado Geisel de "Idi Amin branco"... Ulysses que desafiara o governo com sua anti-candidatura.

    Isso Tancredo deve ter conversado com Montoro, e pode ter surgido ali a ideia da legitimação das eleições indiretas pelas manifestações de rua.

    Um sinal claro, pelo menos para mim, de que alguma coisa fora da rotina estava acontecendo, foi o convite, feito pelo Roberto Gusmão, para eu assumir a assessoria de imprensa do Bandeirantes. Ele me convidou e adiantou que seria o novo Chefe-da-Casa Civil do governador. Eu tinha já um considerável curriculum como jornalista. Mas assessoria de imprensa, jamais tinha feito.

    Até hoje não sei quem ou o que foi responsável pela minha indicação. Sempre tive, desde a posse de Tancredo, uma certa intimidade com o assessor do governador de Minas, o Vidal, que me presenteou com alguns furos durante minha passagem pela redação da Folha, em Brasília.

    Ah...sim, com um convite para visitar BH que receberia o ministro da Cultura da França, M. Jack Lang. Eu aproveitei bem essa visita, mas esse assunto eu esclarecerei noutra oportunidade.

    Do Roberto Gusmão, sabia da sua reconhecida competência, mas não posso dizer que éramos chegados. Quanto ao governador Montoro, tivemos apenas uma hora e pouco de conversa, quando ele era ainda senador, pelo fato de sentarmos lado a lado num voo Brasília/São Paulo.

    Bem, voltemos ao Palácio dos Bandeirantes, quase que abandonado naquela noite de 25 de janeiro de 1984. Solitário, mergulho em divagações até ser alertado pelo encarregado da segurança. Da portaria ele avisava que os ônibus já estavam voltando da Sé.

    Deu tempo de fechar gavetas, e ir aguardar a chegada dos "aventureiros" que tinham ido ao comício.

    Estou ali, no pé da escada, quando escuto passos de alguém descendo os degraus. Era o Roberto Gusmão. Seu gabinete ficava na outra ala do palácio e eu sequer imaginaria que ele também não fora ao comício.

    Talvez pela mesma sensação que eu tive, de que não ia adiantar nada. Só que, no caso dele, a sensação deveria estar lastreada em informações que eu não dispunha.

    O primeiro ônibus abre a porta. Salta um Montoro eufórico, quase saltitante: " Vocês não sabem o que perderam... foi um espetáculo".

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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