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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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Nosso Chico

Chico já ganhou o Camões, prêmio maior de nossa língua. E tanto quanto Dylan, poeta-cantor de um tempo, merece o Nobel

Chico Buarque vence Prêmio Camões de Literatura

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Feliz o povo que tem um artista como o nosso Chico. Quando ele faz 80 anos, só podemos dizer obrigado. Ou  “Deus lhe pague” por estes 60 anos falando e cantando por nós e para nós.  Com beleza e coragem. Com açúcar, com afeto.  Com samba e amor. Com dor,  quando foi preciso.

Neste tempo todo aprendemos a lhe dar razão: “os poetas, como os cegos, podem ver na escuridão”.

Naquele tempo de silêncio imposto,  em que não podíamos gritar e acusar, ele apontou a  “romaria dos mutilados” e renegou aquele cálice “de vinho tinto de sangue”.

Quando nos faltava a esperança de ver a luz e “o tempo da delicadeza”,  ele nos sacudiu e animou com sua profecia democrática: “apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Veio o momento em que ele viu “todo mundo na rua de blusa amarela”. Estávamos todos “pelas tabelas”. Mas ainda faltava algum tempo para vermos passar na avenida “um samba popular”.

Para os mais humildes desta terra fez versos tocantes que falam do cidadão que ele é:  “Tem certos dias em que eu penso em minha gente, e sinto assim todo o meu peito se apertar”. Decifrou “a fantasia dos infelizes” e “o dia a dia das meretrizes”.  Mostrou-nos o guri da rua e sua mãe “que não tinha nem nome para lhe dar”.

Seus versos de amor falam tão perfeitamente de nossos próprios amores que até pensamos que fomos nós que os fizemos. Tornaram-se nossos, como o Chico é nosso, com licença da Carol.  “Hoje na solidão, ainda custo a entender, como o amor foi tão injusto pra quem só lhe foi dedicação”.

Quando escreve e canta como mulher, Chico não está nos traduzindo, como se fala. Está sendo mulher, sentindo como mulher. Ser o outro, colocar-se no lugar do outro, viver a alteridade, é para poucos. E poucas.

Chico é Zuzu em sua dor de mãe, pelo filho que a ditadura matou. Aquela mulher “que canta sempre um estribilho. Só queria embalar meu filho, que mora na escuridão do mar. Chico já foi tantas mulheres e eu gosto mais daquela de “Olhos nos Olhos”, que se vinga do abandono:   “quero ver como suporta me ver tão feliz”. Na voz da Betânia.  E cantou para tantas musas: Carolina,  Beatriz, Ana de Amsterdã, Geni, Joana Francesa, Rita, Nina, tantas outras.

Nestes festejos midiáticos pelos 80 anos, vi o Chico dizer, numa entrevista antiga, que conhece mais de literatura que de música. Talvez não goste do segundo plano em que deixamos sempre o escritor, falando mais compositor, letrista e cantor.  Suas letras são poesia, mesmo que ele discorde. De seus romances, só não gosto de Benjamin, caótico demais para mim. Os outros,  e também as peças (Gota d’Água, Calabar e A Ópera do Malandro) são grande literatura.

Chico já ganhou o Camões, prêmio maior de nossa língua. E tanto quanto Dylan, poeta-cantor de um tempo, merece o Nobel.

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