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    Thiago Esteves

    Thiago Esteves é Professor de Sociologia, Doutor em Educação e Vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais.

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    Novíssimo Ensino Médio é sancionado: e agora?

    Foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.945/2024 passando a vigorar de maneira definitiva o texto substitutivo ao PL nº 5.230/2023

    Aluno em sala de aula (Foto: Arquivo Agência Brasil)

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    No dia 1º de agosto de 2024 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.945/2024 passando a vigorar de maneira definitiva o texto substitutivo ao PL nº 5.230/2023. O texto apresentado pelo Deputado Federal Mendonça Filho (União Brasil – PE), aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 09 de julho, reformou o Novo Ensino Médio (NEM) de 2017.

    Chamou nossa atenção que a publicação do texto legislativo que altera a Lei nº 9.394/1996 (LDB/96) com a finalidade de definir as novas diretrizes para o ensino médio, tenha ocorrido sem nenhum tipo de cerimônia, comunicado, imagem ou uma única postagem nas redes sociais da presidência da república, do Ministério da Educação ou do Ministro Camilo Santana. Sobre a publicidade deste ato, convido os leitores e as leitoras desta coluna a fazerem uma breve pesquisa nas redes sociais da Presidência da República, do Ministério e do ministro da Educação e tirem suas próprias conclusões.

    Neste momento, professoras, professores, estudantes, responsáveis e profissionais da educação de todo o país estão se perguntando sobre os efeitos práticos da promulgação da Lei nº 14.945/2024, ou seja, o que vale para quem está no “chão da sala de aula”? São algumas destas dúvidas que pretendo responder nesta coluna. Os leitores e as leitoras que desejam aprofundar, a partir de uma perspectiva crítica, a análise do processo de tramitação e de outros pontos da Lei nº 14.945/2024, eu convido a assistirem as entrevistas que realizei em parceria com a repórter Laís Gouvea, disponíveis no canal da TV 247 e a buscar os textos e notas técnicas produzidas pelo Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade.

    Contrariando os esperançosos e surpreendendo os céticos membros da comunidade educacional brasileira, o presidente Lula vetou o parágrafo 3º do artigo 44 e o parágrafo único do artigo 12. Os dois parágrafos vetados tratavam dos processos de seleção de estudantes para o ensino superior, cujo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é o maior do país, seja em número de inscritos, instituições envolvidas ou vagas ofertadas. Em linhas gerais, os dois parágrafos que foram vetados tratavam, respectivamente, da inclusão dos itinerários formativos nas provas do ENEM e do prazo de adequação da prova para esta nova realidade. Ao vetá-los, garantiu-se que os conteúdos avaliados sejam somente aqueles dispostos na Formação Geral Básica, isto é, Artes, Biologia, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia, excluindo, portanto, a possibilidade de avaliar Itinerários Formativos, que constitui a parte diversificada do currículo. 

    A Lei nº 14.945/2024, manteve a divisão das disciplinas ou componentes curriculares em dois blocos distintos, a Formação Geral Básica e os Itinerários Formativos. A Formação Geral Básica continua sendo composta por quatro áreas do conhecimento, que por sua vez, são constituídas por 12 disciplinas, a saber: Ciências Humanas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia); Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química); Linguagens (Artes, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa); e Matemática. Em relação aos Itinerários Formativos, no artigo 36 foi disposta uma significativa mudança em relação à legislação anterior, pois estes passam a serem compostos de aprofundamento das áreas do conhecimento ou de formação técnica e profissional. Com esta redação, espera-se que arremedos disciplinares que vinham sendo criados pelas redes de ensino, como empreendedorismo, brigadeiro gourmet, bolo de pote, RPG ou quem quer ser milionário, não tenham mais espaço no currículo do ensino médio.

    A língua espanhola, da área de Linguagens, foi excluída pelo relator do texto na Câmara, Deputado Mendonça Filho (União Brasil - PE). Entretanto, no parágrafo 3º do artigo 35-D, foi mantida uma brecha para a continuidade das aulas de língua espanhola no ensino médio. Neste trecho da legislação, é afirmado que os sistemas de ensino “poderão ofertar outras línguas estrangeiras, preferencialmente o espanhol” ou seja, as professoras, professores e todos aqueles que defendem o ensino da língua espanhola no ensino médio terão de pressionar as redes de ensino para que estas garantam a oferta do espanhol. Entretanto, como não faz mais parte do conjunto de disciplinas que compõe a área do conhecimento de Linguagens, a possibilidade dos respondentes do ENEM escolherem a Língua Espanhola como opção de idioma estrangeiro está com os dias contados.

    Sobre a oferta das 12 disciplinas que compõem a Formação Geral Básica, a Lei nº 14.945/2024 não define um quantitativo mínimo de aulas, nem estabelece a distribuição dos componentes curriculares pelas séries do ensino médio. Com isso, continua sendo possível uma das mais graves distorções que temos vivenciado no campo da educação, que é, por exemplo, uma rede de ensino ofertar uma disciplina com 6 tempos em cada uma das 3 séries do ensino médio, em detrimento de outra, que terá somente um tempo em uma série.

    Outra grave distorção ignorada no texto da Lei nº 14.945/2024 e que está desmotivando e adoecendo professores e professoras do ensino médio é relativa à formação adequada para ministrar as aulas dos Itinerários Formativos. Com a significativa diminuição da carga horária das disciplinas da Formação Geral Básica, professoras e professores se viram obrigados a assumir uma grande diversidade de disciplinas, para as quais não possuem qualquer tipo de formação ou capacitação. Como não foi estabelecida uma regulamentação sobre a formação inicial em nível de licenciatura obrigatória, docentes concursados, com ampla experiência pedagógica, muitos com cursos de pós-graduação, mestrado, doutorado em suas respectivas áreas, foram obrigados a ministrar aulas de arremedos curriculares, como “Projeto de vida”, “O que rola por aí" ou “Vamos jogar”.

    Ainda em relação aos Itinerários Formativos, o parágrafo 2º-B do artigo 36 da Lei nº 14.945/2024, estabelece que o Conselho Nacional de Educação, com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino, elaborará as diretrizes nacionais de aprofundamento de cada uma das 4 áreas do conhecimento a serem considerados nos itinerários formativos. A depender da regulamentação estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação e pelas redes estaduais e distrital, podemos ter a repetição da situação vivenciada nas escolas públicas que ofertam o ensino médio ou avançarmos no sentido de as disciplinas dos Itinerários formativos possibilitarem que as escolas intensifiquem os conteúdos das disciplinas da Formação Geral Básica. 

    Com relação à carga horária para o ensino médio pela Lei nº 14.945/2024 é preciso fazer alguns esclarecimentos. Em primeiro lugar, foi estabelecido no artigo 35-C que a carga horária mínima destinada à Formação Geral Básica seria de 2.400 horas. Já no artigo 36 que os Itinerários Formativos terão carga horária mínima de 600 horas. Entretanto, o parágrafo único do artigo 35-C é bastante claro ao afirmar que, no caso da formação técnica e profissional prevista no inciso V do caput do art. 36 desta Lei, a carga horária mínima da formação geral básica será de 2.100 (duas mil e cem) horas, admitindo-se que até 300 (trezentas) horas da carga horária da formação geral básica sejam destinadas ao aprofundamento de estudos de conteúdos da Base Nacional Comum Curricular diretamente relacionados à formação técnica profissional oferecida. Ou seja, abre a possibilidade para que as redes ofertem um mínimo de 1.800 horas, no itinerário formativo que corresponde à educação técnica e profissional.

    Como visto, muitos trechos da Lei nº 14.945/2024 carecem de regulamentação do Conselho Nacional de Educação, das redes e dos conselhos estaduais e distrital de educação. O que torna ainda mais importante o processo de seleção das pessoas que comporão as listas tríplices que foram encaminhadas pelo Ministério da Educação para a escolha e nomeação pelo presidente da república. O Conselho Nacional de Educação é composto por 22 conselheiros divididos entre a Câmara da Educação Básica e a Câmara da Educação Superior. No ano de 2024 serão substituídos 13 conselheiros, 8 da Câmara de Educação Básica e 5 da Câmara de Educação Superior.

    A Lei nº 14.945/2024 mantem os mesmos problemas da legislação anterior, isto é, a Lei nº 13.415/2017, uma vez que aprofunda as desigualdades educacionais, permite a expansão do ensino à distância e estimula o repasse do fundo público para a iniciativa privada. Enquanto isso, a escola pública, responsável pelas matrículas de 85% dos estudantes do ensino médio, que atende, prioritariamente, estudantes mais pobres e vulneráveis socialmente e que deveria receber de forma exclusiva esses recursos têm de lidar com professores, professoras desmotivados e desvalorizados e com estudantes sem perspectivas profissionais e com, cada vez menos, possibilidades de ingressar no ensino superior. A rede pública ainda tem de conviver com a drenagem dos seus parcos recursos financeiros, que têm sido destinados para a iniciativa privada, por meio de parcerias público-privadas estabelecidas entre os governos e institutos e organizações empresariais voltadas para o campo educacional.

    Por isso, afirmo que dentro de pouco tempo estaremos, novamente, debatendo outra novíssima reforma do ensino médio.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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